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QUESTÃO AGRÁRIA
D. Tomás Balduíno diz que legislação favorece latifundiários ao vetar desapropriação de terras produtivas
FHC só fez "reforminha agrária", diz CPT
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
RUBENS VALENTE
DO PAINEL
Presidente da CPT (Comissão
Pastoral da Terra), dom Tomás
Balduíno, 79, acredita que só uma
mudança na Constituição poderá
alavancar a política agrária do governo, classificada por ele como
uma "reforminha agrária", "conservadora" e "compensatória".
Segundo ele, ao proibir que terras consideradas produtivas entrem no processo de reforma
agrária, as atuais leis brasileiras
favorecem os latifundiários. "Terra produtiva pode ser desapropriada para a construção de estradas, hidrelétricas, mas quando se
fala em desapropriar essas áreas
para reforma agrária, tudo muda,
torna-se proibido", disse o presidente da CPT, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Sobre o governo ter inflado os
números dos balanços da reforma
agrária, como revelou a Folha, d.
Tomás alertou que novos dados
maquiados podem surgir até a
eleição. Leia trechos da entrevista:
Folha - De que forma o sr. encara
o fato de o Ministério do Desenvolvimento Agrário ter inflado os números de seus últimos balanços?
Depois da série de reportagens da
Folha, os conceitos de assentamentos e assentados foram alterados.
D. Tomás Balduíno - Houve uma
falha ética ao modificarem os
conceitos. Como sempre, se desconhece o social, se desconhece a
luta do povo e se desconhece a organização popular. São conceitos
burocráticos, frios.
Folha - Qual seria agora o papel
das autoridades em relação aos balanços da reforma agrária divulgados pelo governo federal?
D. Tomás - Eu acho que em primeiro lugar o Congresso não pode ficar ausente nessa questão.
Acredito que o Ministério Público
também deva participar da apuração das artimanhas desse novo
conceito. O governo trabalhou o
tempo todo com uma conceituação que é intencionalmente dirigida a responder as eventuais críticas de mentiras e fraudes.
Folha - O presidente Fernando
Henrique Cardoso costuma dizer
que está promovendo uma reforma
agrária revolucionária, a maior da
história contemporânea. Que avaliação o sr. faz disso?
D. Tomás - O governo tem criminalizado os movimentos sociais e
privilegiado os latifúndios. Isso
não é revolução, e sim conservadorismo. Isso é tratar a organização popular como um grupo de
bandidos, violentos e terroristas.
O próprio cadastro de famílias na
reforma agrária por correios foi
uma forma de tirar a estabilidade
dos movimentos populares, como o MST. O processo [de seleção" pelos correios é frio, burocrático e visa dispersá-los. Ninguém conhece ninguém. Procura
afastar a união dos grupos que lutam pela reforma agrária.
Folha - O governo diz que desapropriou 20 milhões de hectares
para reforma agrária. Isso não foi
um golpe contra o latifúndio?
D. Tomás - Não tenho dados precisos, mas sei que o latifúndio
cresceu. Entre 1992 e 1998, houve
um acréscimo de 56 milhões de
hectares. São quatro vezes mais
do que a terra que o governo distribuiu. É patente de qual lado ficou o governo nesse conflito.
Folha - O ex-ministro Raul Jungmann e o presidente Fernando
Henrique Cardoso afirmam que tomaram de 4 a 5 milhões de hectares
de terras dos grileiros. Isso não foi
um golpe contra o latifúndio?
D. Tomás - Olha, foram terras da
Amazônia. Eu gostaria de ver isso
aqui. Nem tanto no Sudeste, mas
principalmente na região Centro-Oeste. Na Amazônia eu acho que
haja campo para isso. O governo
federal flagrou terras que o Estado
ainda não havia vendido a particulares. Eu acho que o governo
encontrou uma brecha muito boa
para pegar aquelas terras que estavam ocupadas. Então dá para
fazer uma bela propaganda.
Folha - Os movimentos sociais, liderados pelo MST, intensificaram
as invasões no país. Qual sua opinião sobre essas iniciativas, principalmente considerando o fato de
estarmos em um ano eleitoral?
D. Tomás - O MST deve ter "n"
razões para fazer essa programação englobando o país todo. No
caso de Buritis [quando o MST invadiu a fazenda dos filhos de
FHC", por exemplo, foi um desejo
de manifestar uma situação inaceitável de tratamento da problemática agrária e agrícola.
Folha - Ao apresentar números
inflados da reforma agrária, a
quem o governo está querendo dar
uma espécie de resposta?
D. Tomás - Isso sem dúvida tem
um cunho político, dentro de
uma fase eleitoreira. A gente também sabe que isso [a divulgação
dos balanços" repercute internacionalmente. O Brasil é muito
acompanhado em relação aos
conflitos de terra. Acho que ainda
virão mais dados por aí.
Folha - Quando o sr. diz que virão
mais dados, quer dizer então que
virão mais dados maquiados?
D. Tomás - Maquiados. Eu não ficarei admirado se aparecerem dados para chamar a atenção em relação à fome.
Folha - O sr. disse anteriormente
que a reforma agrária do atual governo não é revolucionária. Qual
seria então o seu conceito sobre
uma revolução na reforma agrária?
D. Tomás - Ela começa nas bases.
Houve bons avanços, mas dentro
de coisas paliativas e medidas
compensatórias. Esse governo
usou muitas medidas compensatórias até um certo momento, depois nem isso. Tudo o que aconteceu sobre reforma agrária foi com
o instrumento das ocupações. Eu
tiro o chapéu, pois tornaram-se
assentamentos. Eu chamo isso de
uma reforminha agrária, feita como medida compensatória.
Folha - Na prática, como seria a
reforma agrária que o sr. espera?
D. Tomás - Tem de mexer na lei.
A lei é um grande aparato estabelecido pela elite para rodear o programa. É como colocar uma pedra do tamanho do "Pão-de-Açúcar" no caminho da reforma agrária. Deveria-se mexer na Constituição, retirar esse obstáculo. Terra produtiva pode ser desapropriada para a construção de estradas, hidrelétricas, mas quando se
fala em desapropriar essas áreas
para reforma agrária, tudo muda,
torna-se proibido. É preciso que
se acabe com os latifúndios. Nós
temos espaço para manter a produção e aumentar o acesso à terra.
O problema é a existência de estoque de terra para especulação.
Folha - O sr. pretende que se mexa em área realmente produtiva?
D. Tomás - Não. Eu acho que a lei
e o legislador devem ter um posicionamento que abra as portas
para a reforma agrária. Pode ser
que hoje isso seja limitado, mas
que não impeça que daqui a cem
anos seja de outra forma.
Folha - Como sr. resumiria a situação dos assentamentos do Incra
(Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária) hoje no país?
D. Tomás - Duas coisas: há assentamentos muito precários, que
entraram na linha do processo de
empobrecimento da agricultura.
Isso é um dado reconhecido. Em
segundo lugar, tínhamos de reconhecer o sucesso do processo de
assentamento. Temos de reconhecer que houve um crescimento educacional, técnico. Assentamento, com o mínimo de apoio,
dá certo, pode dar certo.
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