São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Com as PPPs, Vanderlei ganha medalha de plástico

Pode-se entender melhor o que vem a ser o projeto das Parcerias Público-Privadas de Lula comparando-o com o que houve em Atenas. Um bom exemplo é o caso do corredor Vanderlei Cordeiro de Lima, que arrebatou a história da maratona. É um ex-bóia-fria de 35 anos, patrocinado desde 1999 pelo grupo Pão de Açúcar. Deve receber em torno de R$ 15 mil mensais.
Quase todos os 10 mil atletas de 240 países que foram a Atenas receberam alguma forma de incentivo, do beijo da namorada ao contrato da Nike. É possível que os jogos modernos tenham sido disputados por umas 150 mil pessoas. Houve príncipes europeus e soldados etíopes, milionários e miseráveis, fenômenos da natureza e trapaceiros dopados. Jamais houve um só caso em que um atleta tenha competido sob a proteção de uma cláusula compensatória para a hipótese da sua desqualificação ou derrota.
E o que é que as PPPs que Lula quer têm a ver com isso? Ao contrário do que sucede com os atletas, elas pretendem remunerar o fracasso. Coisa assim: uma empreiteira e o governo colocam-se de acordo quanto à necessidade de uma ponte entre duas cidades. Estimam o custo da obra e conseguem dinheiro no consórcio BNDES-Fundos de Pensão. Noves fora o risco desse tipo de transação, tudo bem. O empreiteiro e o governo acham que deve ser construída a ponte, assim como Vanderlei e seus patrocinadores acharam que ele deveria correr a maratona.
O empreiteiro, transformado em concessionário da ponte, cobrará um pedágio a quem quiser atravessá-la. Admitindo-se que ela foi projetada esperando um movimento de 100 mil veículos por mês, se aparecerem 200 mil carros, o negócio será ótimo, como foi ótima a idéia de inscrever Vanderlei na maratona. Pelas leis do capitalismo, nesse caso o empreiteiro/ concessionário/parceiro/amigo/companheiro fica com o lucro. Como o capitalismo não chegou ao Brasil, se o movimento da ponte for decepcionante, e os carros não chegarem a 50 mil, é a patuléia quem paga pelo fracasso, pois o governo assegura ao empreiteiro/companheiro um lucro mínimo equivalente ao movimento de 100 mil veículos.
O PPP transforma-se em Participação da Patuléia no Prejuízo. Algo como um atleta que embarca para a Olimpíada para disputar duas provas, não consegue classificação e embolsa um dinheiro porque sua parceria com o patrocinador prevê a remuneração do fracasso.
Lula acha que está inovando, quando apenas reedita astúcias plutocráticas de latino-americanos. Há um ano, falando em Nova York, ele anunciou: "Nós vamos ampliar as nossas obras de infra-estrutura; estamos trabalhando a integração física da América do Sul. [...] Queremos chamar o empresário que queira investir no Brasil, que queira fazer parceria com o governo, que queira fazer parceria com a iniciativa privada brasileira ou que queira trabalhar por concessão".
Em 1913, o presidente americano Woodrow Wilson disse o seguinte: "Há uma peculiaridade na história dos Estados latino-americanos e eu estou certo de que eles estão perfeitamente conscientes dela. Na América Latina você ouve falar em "concessões" para capitalistas estrangeiros. Você não ouve falar em concessões para capitalistas estrangeiros nos Estados Unidos. Aqui eles não recebem concessões. Eles são convidados para fazer investimentos. [...] É um convite, não um privilégio".
Se ninguém cuidar, Lula cria um comissariado de parcerias para a concessão de medalhas olímpicas. Por falta de recursos, serão de plástico.


Texto Anterior: Contra: Advogado afirma que apuração é inconstitucional
Próximo Texto: Esqueleto collorido: Mais de uma década depois, usineiros reconhecem dívida
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.