São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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CASO TRT
Paolo Bernasconi, advogado de Nicolau dos Santos Neto, ajudou a elaborar legislação contra o crime organizado
Ex-juiz contrata especialista em lavagem

MALU GASPAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O caso do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, foragido há mais de cinco meses da Justiça brasileira, não é o primeiro do gênero na carreira de Paolo Bernasconi, advogado contratado por ele na Suíça. Bernasconi, que se tornou conhecido mundialmente por sua atuação contra o crime organizado e a lavagem de dinheiro, já defendeu outro caso em que anteriormente atuava como acusação.
Quando foi contatado pelo genro do ex-juiz, Francisco Azevedo, Bernasconi já havia tido que lidar com casos de cifras e repercussão bem maiores do que o do desvio de verba da obra do fórum do Tribunal Regional do Trabalho para a conta Nissan na Suíça. No caso do TRT, o valor estimado do desvio chega a R$ 169,5 milhões.
Em fax enviado à Folha, Bernasconi afirma nunca ter tido contato com o ex-juiz nem saber onde ele está. O advogado declara ainda ter sido contratado por uma firma de Genebra (ele está em Lugano, no sul do país), o que contraria a versão do genro de Nicolau.
Depois que deixou de ser procurador-geral da região de Ticino, a chamada Suíça italiana, o episódio mais rumoroso da carreira de Bernasconi foi sua atuação no escândalo da reforma do Kremlin na gestão de Boris Yeltsin. Os ingredientes da história também eram uma obra superfaturada, desvio de dinheiro e contas congeladas num banco suíço.
O caso explodiu no ano passado, em meio a um outro escândalo sobre lavagem de dinheiro da máfia russa em bancos norte-americanos, e quase derrubou Yeltsin do governo. No auge da crise, o presidente russo chegou a garantir por telefone a Bill Clinton que não estava envolvido no caso.
A empresa Mabetex, que ganhou os maiores contratos de construção da Rússia nos anos 90, foi acusada de subornar funcionários do Kremlin e familiares de Yeltsin para conseguir o negócio de US$ 90 milhões para a reforma do palácio. O dono da empresa, o iugoslavo Beghjet Pacolli, teria depositado US$ 1 milhão numa conta de Yeltsin na Hungria.
Também teria pago as faturas dos cartões de crédito de suas filhas, Yelena e Tatyana, dos maridos delas e também da primeira-dama, Naina. Pacolli foi acusado de ter aberto contas para elas e para o responsável pelas finanças do Kremlin, Pavel Borodin, no banco suíço Gothard Bank.
Por causa de uma investigação da Procuradoria Geral da Suíça (assim como no caso das contas do ex-juiz Nicolau) com base em reportagens do jornal italiano "Corriere Della Sera", as contas de Borodin foram bloqueadas e o sigilo bancário quebrado.
Chamado para o caso pelo Gothard Bank, Bernasconi tentou desbloquear as contas e impedir que a Suíça continuasse colaborando com a investigação russa.
O advogado alegou que as normas do processo russo eram diferentes das regras suíças e, por isso, a cooperação entre os dois países seria impossível. Bernasconi também dizia que o processo estava prejudicado devido ao vazamento de informações sobre o sigilo bancário dos envolvidos.
No caso de Nicolau, nem a Justiça suíça nem o governo brasileiro acreditam que Bernasconi tenha sucesso. Os recursos apresentados por ele no início do mês para desbloquear o dinheiro ainda têm de ser avaliados por uma corte regional e provavelmente vão passar pela Suprema Corte do país. Mas, mesmo que os recursos acabem sendo repatriados, isso ainda pode demorar anos.

Bernasconi
Paolo Bernasconi é um dos maiores especialistas do mundo em lavagem de dinheiro. Membro do conselho consultivo da ONU, que elaborou o tratado internacional contra lavagem de dinheiro, e autor de vários trabalhos para a Organização Não-Governamental Transparência Internacional, Bernasconi foi procurador-geral da região de Ticino e um dos responsáveis pela legislação suíça contra lavagem de dinheiro.
Ao saber que ele é o advogado de Nicolau, o governo federal enviou uma comissão à Suíça para acompanhar o processo.
A estratégia do advogado do ex-juiz para justificar ter um saldo de US$ 7 milhões em contas no banco Santander de Genebra, na Suíça, será a mesma usada no Brasil: dizer que acumulou parte do dinheiro exercendo a advocacia e a outra parte, como herança.
A missão enviada à Suíça pelo governo brasileiro para acompanhar o processo contra o ex-juiz naquele país e rastrear outras possíveis contas bancárias chegou na quinta à noite de volta ao Brasil.
A comissão, formada pelo diretor do departamento de estrangeiros do Ministério da Justiça, Luis Paulo Barreto Teles, pelas procuradoras da República Maria Luisa Duarte e Isabel Groba e pelo advogado Antenor Madruga, representando a Advocacia Geral da União, visitou autoridades suíças e procurou saber quais as reais chances de reaver o dinheiro.
Recebeu como resposta a avaliação de que a tendência é que o dinheiro não seja liberado como pretende o advogado do ex-juiz.


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