São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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QUESTÃO INDÍGENA
Índios usam bicicleta para convidar aldeias vizinhas; ritual é preparado ao som de música sertaneja
Quarup sofre influência de cultura branca

NOELI MENEZES
DA REDAÇÃO

A mais importante celebração dos índios do Alto Xingu, o quarup, foi, este ano, uma demonstração da influência da civilização branca na cultura indígena.
O ritual é a ocasião em que todas as tribos que vivem no Alto Xingu, dentro do Parque Nacional do Xingu (MT), homenageiam seus líderes mortos.
A cerimônia poderia ser considerada a mesma de 50 anos atrás não fosse a presença de tantas influências externas.
Neste ano, a tribo kuikuru organizou a celebração, pois dois de seus líderes morreram. Jovens foram de bicicleta até as aldeias vizinhas convidá-las. Políticos da região também receberam convite.
Os kuikurus, embalados por músicas sertanejas que tocam em rádios espalhados pela aldeia, começaram a preparar a cerimônia uma semana antes. Índios pescam, e as mulheres preparam beijus. Outros vão para o mato, de onde trazem dois troncos de pouco mais de um metro.
Os xinguanos acreditam que Mavutsinim, grande herói de origem da comunidade do xingu, foi o primeiro homem. Eles contam ainda que Mavutsinim queria que os mortos voltassem a viver e que, por isso, criou o ritual.
Os troncos são alinhados, pintados e enfeitados com colares, penas e bexigas de borracha, que foram a sensação da celebração.
Segundo Acari Maluá, chefe de serviços da administração da Funai no Xingu,"tudo é novidade para os xinguanos".
Um kuikuru, ao se preparar para a festa, pinta uma camisa do Vasco no corpo. Outro usa os santinhos dados por um candidato como adereço. No lugar de pintura, um kuikuru coloca uma tornozeleira de jogador de futebol.
Quando o ritual começa, o rádio é desligado. Mesmo fantasiados de brancos, os índios esquecem a presença estranha e se concentram no ato religioso. Ouve-se só um choro contínuo, provocado pela lembrança dos mortos. Um índio fica fora do ritual, pois foi encarregado de filmá-lo.
Os xinguanos acreditam que, quando um pessoa morre, seu espírito vai para o céu. Para eles, durante a festa do quarup, o espírito sai do céu e vai para o tronco.
Os visitantes brancos, que chegaram à festa de avião, apenas assistiram ao ritual.
O cenário do próximo quarup será definido ao longo do ano. Dependerá das novidades que os índios acolherão em sua cultura.
Há 20 anos, o indigenista Orlando Villas Bôas disse: "Integrar é destruir o índio".
Maluá explica de outra forma: "Todo mundo fala nas inovações do novo milênio. O índio quer usufruir disso também".


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