São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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OPINIÃO
Faltaram sangue e vigor

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

São Paulo nunca esteve pior, o prefeito Celso Pitta teve uma gestão desastrosa, a Câmara passou pelos maiores escândalos de sua história. A campanha eleitoral, contudo, transcorre em clima de absoluta mediocridade. O último debate entre os candidatos, quinta-feira passada, foi ridículo.
Era de esperar um grande ímpeto renovador e punitivo. Não há quem não se sinta sufocado pelo ambiente de corrupção, cinismo e incompetência que tomou conta da cidade. Mas a atitude geral parece ser de indiferença.
Sem dúvida, o voto em Marta Suplicy significa uma rejeição ao malufismo; ela está em primeiro lugar disparado nas pesquisas. É como se não houvesse, então, mais nada a discutir -o assunto está resolvido, passemos à Olimpíada. Parece ser incômodo ou cansativo demais mobilizar-se contra o atual estado de coisas; não se chuta cachorro morto.
Estará morto de fato? Vejo um caso de amnésia coletiva. Maluf cita as obras de sempre, e ninguém se lembrou de dizer que a obra mais significativa de Maluf é Celso Pitta.
O PT procura não passar uma imagem raivosa. Os outros candidatos disputam o posto de adversário do PT. Erundina se mostra serena, Alckmin fez do equilíbrio o tema da campanha, Tuma é impassível, Maluf, seguro de si mesmo, e tudo fica parecendo um encontro amável de administradores otimistas.
Como toda a disputa se concentra em ver quem será o adversário de Marta no segundo turno, surge um fenômeno curioso: estamos há oito anos entregues ao malufismo, a cidade nunca esteve tão mal, logo... importa derrotar o PT!
Ou então os candidatos se entregam a briguinhas absolutamente sem sentido. Alckmin é objeto de picuinhas risíveis (parentes em Pindamonhangaba) e de exageros grotescos ("ele destruiu a Febem!"). Tuma é julgado pelos telefonemas a Lalau. Marta seria má administradora porque tem governanta em casa. E quem passa incólume pela campanha é Maluf.
Claro, sempre irão criticá-lo um pouco. Mas ele pôde sair do debate dizendo que seus adversários o elogiaram pelo Leve-leite, pelos piscinões, até pelo PAS e pelo Cingapura.
A campanha eleitoral deixou de fazer um verdadeiro julgamento, não digo nem de Maluf, mas do malufismo -e a que outro "ismo" correspondem Pitta, o bloco dos vereadores situacionistas, o desastre urbano, financeiro, social e ético da cidade?
Ao PT interessa ter Maluf no segundo turno. Aos demais candidatos, interessa ter os votos dos malufistas.
Fico aqui esbravejando como Enéas e a dra. Havanir. Começo a ter acessos dignos do PSTU. Gostaria de ver uma campanha que -como propõe o lema de um partido impublicável- tivesse menos doutores e menos madames. Queria, para falar francamente, mais sangue.
Talvez essa indiferença reflita mais do que uma tática eleitoral despolitizante e desmobilizadora. Talvez seja fruto de um processo que vai correndo paralelo ao da disputa política. Refiro-me às iniciativas não-governamentais, aos modelos de associação que, de favelados a banqueiros, apostam mais na auto-organização do que numa ação partidária para melhorar São Paulo.
A desmoralização política e administrativa foi tamanha, nestes últimos anos, que parece simplesmente ter tirado de foco a importância do próprio cargo de prefeito e ainda mais da Câmara Municipal. Não é só que as pessoas não aguentam mais Celso Pitta, Brasil Vita ou Wadih Mutran. É como se não aguentassem mais a figura de um prefeito e de um vereador.
Por isso, quem sabe, é que os candidatos se comportam com tanto cuidado, com tanta delicadeza, com tão pouco espírito messiânico e vingativo. Falam contra a corrupção; mas falam disso como sempre se falou. Prometem tempos melhores para a cidade; mas como é de praxe prometer. Fazem uma campanha como qualquer outra, para uma cidade como qualquer outra. Mas esta não é uma cidade como qualquer outra.
Estamos em Nagasaki, em Hiroshima, em Chicago, em Beirute. E todos se mostram muito serenos, gentis e equilibrados.



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