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OPINIÃO
Faltaram sangue e vigor
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
São Paulo nunca esteve pior,
o prefeito Celso Pitta teve
uma gestão desastrosa, a Câmara
passou pelos maiores escândalos
de sua história. A campanha eleitoral, contudo, transcorre em clima de absoluta mediocridade. O
último debate entre os candidatos, quinta-feira passada, foi ridículo.
Era de esperar um grande ímpeto renovador e punitivo. Não há
quem não se sinta sufocado pelo
ambiente de corrupção, cinismo e
incompetência que tomou conta
da cidade. Mas a atitude geral parece ser de indiferença.
Sem dúvida, o voto em Marta
Suplicy significa uma rejeição ao
malufismo; ela está em primeiro
lugar disparado nas pesquisas. É
como se não houvesse, então,
mais nada a discutir -o assunto
está resolvido, passemos à Olimpíada. Parece ser incômodo ou
cansativo demais mobilizar-se
contra o atual estado de coisas;
não se chuta cachorro morto.
Estará morto de fato? Vejo um
caso de amnésia coletiva. Maluf
cita as obras de sempre, e ninguém se lembrou de dizer que a
obra mais significativa de Maluf é
Celso Pitta.
O PT procura não passar uma
imagem raivosa. Os outros candidatos disputam o posto de adversário do PT. Erundina se mostra
serena, Alckmin fez do equilíbrio
o tema da campanha, Tuma é impassível, Maluf, seguro de si mesmo, e tudo fica parecendo um encontro amável de administradores otimistas.
Como toda a disputa se concentra em ver quem será o adversário
de Marta no segundo turno, surge
um fenômeno curioso: estamos há
oito anos entregues ao malufismo, a cidade nunca esteve tão
mal, logo... importa derrotar o PT!
Ou então os candidatos se entregam a briguinhas absolutamente
sem sentido. Alckmin é objeto de
picuinhas risíveis (parentes em
Pindamonhangaba) e de exageros grotescos ("ele destruiu a Febem!"). Tuma é julgado pelos telefonemas a Lalau. Marta seria má
administradora porque tem governanta em casa. E quem passa
incólume pela campanha é Maluf.
Claro, sempre irão criticá-lo um
pouco. Mas ele pôde sair do debate dizendo que seus adversários o
elogiaram pelo Leve-leite, pelos
piscinões, até pelo PAS e pelo Cingapura.
A campanha eleitoral deixou de
fazer um verdadeiro julgamento,
não digo nem de Maluf, mas do
malufismo -e a que outro "ismo" correspondem Pitta, o bloco
dos vereadores situacionistas, o
desastre urbano, financeiro, social e ético da cidade?
Ao PT interessa ter Maluf no segundo turno. Aos demais candidatos, interessa ter os votos dos
malufistas.
Fico aqui esbravejando como
Enéas e a dra. Havanir. Começo a
ter acessos dignos do PSTU. Gostaria de ver uma campanha que
-como propõe o lema de um
partido impublicável- tivesse
menos doutores e menos madames. Queria, para falar francamente, mais sangue.
Talvez essa indiferença reflita
mais do que uma tática eleitoral
despolitizante e desmobilizadora.
Talvez seja fruto de um processo
que vai correndo paralelo ao da
disputa política. Refiro-me às iniciativas não-governamentais, aos
modelos de associação que, de favelados a banqueiros, apostam
mais na auto-organização do que
numa ação partidária para melhorar São Paulo.
A desmoralização política e administrativa foi tamanha, nestes
últimos anos, que parece simplesmente ter tirado de foco a importância do próprio cargo de prefeito e ainda mais da Câmara Municipal. Não é só que as pessoas
não aguentam mais Celso Pitta,
Brasil Vita ou Wadih Mutran. É
como se não aguentassem mais a
figura de um prefeito e de um vereador.
Por isso, quem sabe, é que os
candidatos se comportam com
tanto cuidado, com tanta delicadeza, com tão pouco espírito messiânico e vingativo. Falam contra
a corrupção; mas falam disso como sempre se falou. Prometem
tempos melhores para a cidade;
mas como é de praxe prometer.
Fazem uma campanha como
qualquer outra, para uma cidade
como qualquer outra. Mas esta
não é uma cidade como qualquer
outra.
Estamos em Nagasaki, em
Hiroshima, em Chicago, em Beirute. E todos se mostram muito
serenos, gentis e equilibrados.
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