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DIPLOMACIA
Para embaixador, cotado para ministério, presidente eleito não pode desprezar importância do mercado dos EUA
Lula não deve temer a Alca, diz Ricupero
DE WASHINGTON
O presidente eleito, Luiz Inácio
Lula da Silva, não deve temer as
negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) nem
desprezar a importância do mercado dos EUA ao estabelecer sua
estratégia de comércio exterior.
Essa é a opinião do embaixador
Rubens Ricupero, 65, secretário
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento) e um dos mais
cotados para assumir o Ministério das Relações Exteriores ou o
da Fazenda no próximo governo.
"O mercado americano é de
longe o que tem maior propensão
a importar", disse em entrevista
telefônica concedida de sua casa,
em Genebra, na Suíça. "Não acho
que o Brasil deva ter tanto medo
das negociações da Alca."
Ex-ministro da Fazenda durante o governo Itamar Franco, nega
que tenha sido convidado para
participar do ministério de Lula.
(MARCIO AITH)
Folha - Como Lula poderá fazer
para não frustrar expectativas que
criou? Na campanha, ele disse que
a população não pode trabalhar de
dia para pagar juros à noite. Mas há
sinais de que está disposto a elevar
a meta de superávit primário e os
esforços para pagar juros. Disse
que a Alca seria uma forma de anexação do Brasil pelos EUA. Mas terá
45 dias para apresentar propostas
de oferta aos mercados nessa negociação. Como fazer agora?
Ricupero - Não quero falar sobre
política econômica, porque não
conheço os dados atuais. Sobre a
Alca, vi menção à sua negociação
no próprio discurso de Lula depois de eleito. Vejo aí um caminho muito claro: fazer o que fazem os americanos. Procurar expressar a posição do setor privado
exportador. O setor privado exportador do Brasil é diversificado.
Alguns têm mais interesse na Alca
que outros. O caminho sensato e
realista seria chamá-lo para que
ele defina seu interesses. É claro
que não é possível ter a unanimidade de todos os setores econômicos, mas pode-se encontrar
uma posição majoritária. Se Lula
fizer isso, estará de acordo com
sua própria plataforma, de representar a posição da sociedade.
Folha - O ex-ministro Luiz Carlos
Mendonça de Barros disse que Lula
passará vergonha ao dizer que alguns compromissos do PT vão ter
que ser adiados em razão da situação econômica. O sr. concorda?
Ricupero - Estou muito afastado
desses temas da economia brasileira. Nessa área prefiro não arriscar. Falo mais sobre esses assuntos de comércio, de relações internacionais, porque é meu cotidiano. Aliás, tenho evitado falar, porque tem muita especulação.
Folha - Tem mesmo. Aliás, quando esta entrevista for publicada,
vão dizer que o sr. não quis falar de
assuntos econômicos porque está
negociando a pasta das Relações
Exteriores, e não a da Fazenda.
Ricupero - Nada disso tem fundamento. Nunca fui procurado,
não tenho nenhuma indicação de
que isso vá ocorrer. Nem sei explicar de onde vem essas coisas. Tenho certa relutância em falar porque dá a impressão de que eu estou procurando, estou buscando.
Por favor, deixe claro que foi o sr.
que me procurou. Estou no meu
emprego na ONU e não estou
procurando coisa alguma.
Folha - De onde vêm os rumores?
Ricupero - Eu acho que tudo isso
só tem uma existência na base das
especulações que são naturais
nessa época. Compreendo que todo mundo quer saber e, como não
há informações de fontes seguras,
há essas especulações.
Folha - O sr. diria se tivesse sido
procurado pelo Lula?
Ricupero - Se eu tivesse sido procurado, não mentiria. Isso eu te
garanto. Não teria te dito, taxativamente como estou dizendo,
que eu não recebi nenhum tipo de
indicação. Eu teria dito: "Não
posso falar sobre isso".
Folha - O sr. participou daquele
que teria seria o processo de transição do governo Figueiredo para o
de Tancredo. Qual é o risco de ficarmos meses amarrados a um processo de transição?
Ricupero - Nosso sistema não é
muito bom. As fases de transição
em países vulneráveis, como o
Brasil e a Argentina, estimulam
esse tipo de especulação. Deveríamos caminhar para uma situação
mais parecida com a de regimes
parlamentares, em que, imediatamente conhecidos os resultados
eleitorais, quem ganha assume o
poder. Na Inglaterra assume no
dia seguinte. Na França, quase no
dia seguinte. Não vejo nenhuma
incompatibilidade entre o regime
presidencial e uma transição mais
rápida. Evitaria esse interregno.
Durante ele, toda sorte de instabilidade ocorre, com especulações. Só que agora não vai ser possível mudar isso. A transição no
Brasil está sendo muito tranquila,
pelo que sei. Mas, mesmo assim,
se o problema é a incerteza quanto a nomes, isso não resolve. Só
resolve quando você assume e
tem o controle. Todas as soluções
têm seu lado positivo e negativo.
Se for nomeada uma pessoa, qualquer respiro dela será analisado
de todas as formas. Então, acho
que há uma sabedoria por parte
do Lula em não ceder.
Folha - Até que ponto seria conveniente para Lula afastar-se politicamente dos EUA ou assumir uma
postura mais confrontacionista nas
relações comerciais?
Ricupero - Não acho necessário
nem para o Lula, nem para qualquer governo brasileiro afastar-se
dos EUA. Acho que nosso objetivo deve ser sempre ter o melhor
relacionamento possível com os
americanos. Tudo fala em favor
disso. Hoje em dia, não vejo conflito de interesses entre os EUA e o
Brasil. O que há são os problemas
comerciais que estarão sempre aí,
que existem mesmo entre os EUA
e o Reino Unido, o aliado mais estreito dos EUA. Portanto, não vejo nenhum conflito fundamental
de interesses e acho perfeitamente
possível ter um relacionamento
mutuamente respeitoso.
Folha - O sr. disse recentemente
que o Brasil perdeu a chance de tirar proveito comercial do boom
econômico americano na década
de 90. Não corremos o risco de desperdiçar o próximo se concentramos esforços para atingir mercados na China e na Índia?
Ricupero - O mercado norte-americano é de longe o que tem
maior propensão a importar.
Muito mais que a Europa. Você
sabe que a maior parte do comércio deles é intra-europeu. Os EUA
são o grande mercado. Tanto que,
nos últimos cinco ou seis anos,
eles foram quase que a fonte única
de crescimento da demanda de
exportações do mundo.
Só tenho pena que, devido
àquele problema do câmbio, só
tenhamos conseguido aproveitar
o final desse período, em 99 e
2000. É uma pena também que
muitos dos produtos que exportamos tenham tido preços em
queda. Aumentamos o volume
das exportações, mas não o valor.
Mesmo assim, os EUA representam cerca de 25% do total. Quando eu estava em Washington [como embaixador], num período
mais baixo do nosso comércio, os
EUA representavam apenas 19%,
20% ou 21%. Portanto, houve
uma melhoria.
E há espaço para ser criado no
mercado americano. Portanto,
concordo que os EUA têm, de
longe, o mercado mais interessante. Inclusive, é nosso melhor
mercado de aeronaves e de produtos de tecnologia. Não sou daqueles que dizem que os EUA são
sistematicamente protecionistas.
Não são. Se fossem, não teriam esse déficit de quase 5%.
A China tem crescido em grande parte por causa do mercado
americano. Agora, é verdade também que importa muito, talvez
nem tanto de nós. Boa parte das
importações chinesas é na parte
de insumos, que eles reelaboram.
E a Índia está começando a mudar. Além disso, há surpresas. O
mercado russo, por exemplo, está
crescendo muito.
Folha - Qual deve ser o destino do
Mercosul? Tendo em vista as turbulências econômicas no Brasil e na
Argentina, não seria mais adequado ao Brasil tentar algo menos ambicioso, como transformar o Mercosul numa zona de livre comércio em
vez de uma união aduaneira?
Ricupero - Na minha impressão,
hoje em dia os dois países já têm
mais uma zona de livre comércio
que uma verdadeira união aduaneira. Sabemos que essa união
sempre foi muito perfurada. Há
um certo elemento de ficção nisso. Há a vontade política de manter o Mercosul como união, mas é
preciso ver se a realidade permite.
Para ter realmente uma união
aduaneira, seria importante que
os dois retomassem essa condição
com uma certa dinâmica. Não sei
se isso é possível nesse momento.
Isso dependeria da recuperação
do comércio. De qualquer forma,
os argentinos têm muitos interesses em comum conosco. Sempre
tivemos um comércio bilateral
forte com a Argentina, e ele não
vai desaparecer. Uma das causas
de não termos aumentando tanto
nossas exportações totais no começo deste ano foi que as exportações para a Argentina tinham
caído de maneira brutal.
Folha - O bloco do Nafta (Acordo
de Livre Comércio da América do
Norte) ultrapassou recentemente o
Mercosul e tornou-se o maior destino de nossas exportações.
Ricupero - Nossas exportações
para o México aumentaram muito. Devo dizer que nunca acreditei
nessa tese de Mercosul como uma
espécie de alternativa. Vejo o
Mercosul como uma estratégia
comercial que tente multiplicar as
oportunidades. Ele deve ser um
acordo de integração aberto. Que
permita a adesão de outros.
E, realisticamente, não podemos imaginar que os outros latino-americanos não vão ter interesse no mercado dos EUA, que é
o mais importante para eles. Então, você tem que ter uma visão
realista. Assim como eles têm interesse no nosso mercado, eles
têm interesse no mercado americano. E nós também devemos ter.
Não acho que o Brasil deva ter
tanto medo da negociação da Alca. A competitividade brasileira
tem aumentado muito. Não sei
quem vai ter mais problemas
quando sentarmos na mesa de
negociação [se o Brasil ou os
EUA]. Porque, com a desvalorização que está havendo no Brasil, há
muitas áreas brasileiras com uma
competitividade muito acrescida
neste momento.
Folha - Mas o sr. acha que a competitividade vinda única e exclusivamente do câmbio favorecido é
sólida? Assim que o país começar a
exportar, começa a gerar divisas e
o câmbio se fortalece novamente.
Ricupero - É verdade. Não vai
durar para sempre. Mas nesse ínterim o país deve encontrar maneiras de reduzir a carga tributária, melhorar as condições de financiamento das exportações e
reduzir os custos logísticos.
Folha - Como o Brasil deveria reagir se o governo dos EUA convidasse o país para uma negociação bilateral de livre comércio?
Ricupero - O Brasil tem que examinar qualquer proposta de negociação direta que receber. No
entanto, teríamos de examiná-la à
luz dos compromissos que o país
tem no Mercosul e na OMC.
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