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LIVROS
A esperança e a vaidade em torno de Celso Furtado
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"A grande esperança em Celso
Furtado", que reúne 14 ensaios
em homenagem aos 80 anos do
autor de "Formação Econômica
do Brasil", é um livro oportuno.
A coletânea organizada por Luiz
Carlos Bresser Pereira e José Marcio Rego retoma esperanças perdidas nas últimas décadas e revolve algumas vaidades feridas.
A obra surge no momento de
revisão crítica da ortodoxia liberal
abraçada pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, um modelo
que inibe a intervenção do Estado
como regulador das distorções
sociais do mercado.
"Foi preciso o desgaste do pensamento único de matriz neoliberal, nos últimos anos, para que
voltassem à discussão os argumentos e a visão histórica de Furtado", diz Vera Alves Cepêda,
cientista social, autora de dissertação sobre o pensamento político do economista paraibano.
É instigante que essa homenagem tenha sido idealizada por
Bresser, executor da reforma administrativa que ajudou a reduzir
o Estado no governo tucano, cuja
política econômica o homenageado considera equivocada.
"Em nenhum momento de nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser", diz Furtado.
No livro, Bresser entende que
essa crítica "não atinge apenas os
governos, mas mais amplamente
as elites brasileiras".
Em seu ensaio, Bresser destaca a
independência de pensamento, o
método e a paixão na obra de Furtado, o cientista social brasileiro
mais influente de todo o século, o
primeiro a afirmar que desenvolvimento e subdesenvolvimento
fazem parte do mesmo processo
de expansão da economia capitalista internacional.
Ignacy Sachs resume a obra teórica que Furtado defenderia como
técnico, estadista e cidadão: "A
construção de um projeto nacional que permita transformar por
dentro o país por meio de estratégias nacionais
de desenvolvimento, superando as desigualdades sociais e regionais".
Bresser diz
que não se
preocupou em
desfazer preconceitos contra Furtado,
"autor controverso, oscilando de uma posição intelectual quase hegemônica a
uma recusa formal de suas teses",
na definição de Alves Cepêda.
"Nem sempre estou de acordo
com ele (...) mas jamais deixo de
admirá-lo", diz Bresser.
Em 1997, ao tratar de obra que
reuniu conversas com 13 pesos
pesados da economia brasileira, o
economista Guido Mantega já dizia que as vaidades pessoais e as
diferenças ideológicas dificultam
a análise objetiva e distanciada.
A vaidade
dos economistas aflora com
mais nitidez no
ensaio de José
Marcio Rego,
quando trata
da "angústia
da influência"
na obra de Furtado (cita a
"origem dos
conhecimentos históricos"
de Furtado, segundo Tamás
Szmreczányi, "tão parcialmente
indicada pelas poucas fontes nacionais e portuguesas" em notas
de rodapé no livro clássico "Formação Econômica do Brasil").
Rego também reproduz antigo
choque de egos no comentário do
sociólogo Francisco de Oliveira
sobre a disputa entre Furtado e
Ignácio Rangel, nos anos cinquenta, pela hegemonia do pensamento da Cepal (Comissão
Econômica para a América Latina): "Os nossos dois grandes pais
da pátria eram dois poços de vaidade" (...). "Eles achavam que tinham inventado a roda".
Divergências ideológicas entre
economistas são comuns. A fogueira de vaidades não fica restrita aos livros ou à universidade (o
"imortal" Celso Furtado fez oposição à eleição de Roberto Campos na Academia Brasileira de Letras, e ninguém imagina que as
tertúlias da academia possam influir no debate sobre um projeto
nacional de desenvolvimento).
Um traço da personalidade do
homenageado é resgatado pelo
testemunho de Francisco de Oliveira, seu companheiro na Sudene, ao relatar como Furtado enfrentou o general Justino Alves
Bastos, comandante do 4º Exército, em Recife, em 1964. "Eu sou
um servidor federal, general. O
Exército assuma a responsabilidade pelo que fez, destituindo um
governo legitimamente eleito.
Não me peça para coonestar nem
cooperar com isto, pois repugna
aos meus princípios republicanos", disse Furtado.
O pernambucano Clóvis Cavalcanti rememora os tempos da Sudene -autarquia criada por Furtado e extinta por FHC- e registra como o homenageado "não se
equivocou ao prognosticar a natureza persistente, renitente, do
subdesenvolvimento".
O contraste entre o país almejado por Furtado e o atual quadro
de exclusão social e desigualdades
agravadas sugere que "a grande
esperança", que dá nome ao livro,
seja apenas uma referência a título de homenagem.
Como afirma Leda Maria Paulani, professora da FEA-USP, "as
transformações experimentadas
pelo capitalismo no último quartel de século soterraram perversamente essa esperança".
A GRANDE ESPERANÇA EM CELSO
FURTADO
Organizadores: Luiz Carlos Bresser
Pereira e José Marcio Rego. Editora 34.
306 págs. Preço: R$ 29,00
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