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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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OPERAÇÃO SOCIAL

Metade dos armazéns da Conab, que o governo pretende usar para guardar os alimentos, está desativada

Fome Zero não tem onde armazenar doações

Alberto Cesar Araujo/Folha Imagem
Armazém vazio da Conab em Manaus (AM), um dos que o governo pretende utilizar no Fome Zero


GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal está pedindo doações de alimento para o programa Fome Zero, mas ainda não tem estrutura pronta para receber e armazenar eventuais carregamentos de maior volume.
Na página do programa na internet, a principal bandeira social do governo Luiz Inácio Lula da Silva, está dito que doações acima de 12 toneladas devem ser encaminhadas à Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) ou aos Centros de Recepção e Distribuição de Alimentos, que estão sendo criados nos municípios.
O problema é que os armazéns da Conab no Norte e Nordeste, as regiões mais carentes, estão praticamente fechados. A chamada "rede social" da companhia, do Ministério da Agricultura, começou a ficar inoperante a partir de fevereiro passado, quando o programa de distribuição de cestas básicas foi encerrado por FHC.
As cestas básicas doadas às vítimas da seca no Nordeste foram substituídas pelo programa Bolsa-Renda, que distribui R$ 30 mensais, por meio de cartão magnético, às famílias beneficiadas.
Regina Reys, superintendente-substituta de Armazenagem e Movimentação de Estoques, disse que, dos 81 armazéns da rede, pelo menos metade está fechada.
Outra parte funciona esporadicamente, quando algum produtor solicita. A autorização para o funcionamento é da sede da companhia, em Brasília.
Reys ressaltou que se o governo precisar dos armazéns, eles serão reativados, mas será necessário vistoriá-los para saber as condições físicas dos prédios.
Até a tarde de anteontem, Reys ainda não havia recebido informação sobre a reativação da rede.
Na mesma tarde, a assessoria do ministro José Graziano (Segurança Alimentar) divulgou que em duas semanas começará a veiculação de uma propaganda de TV incentivando a doação de comida para o Fome Zero.
Já foram cadastradas 77 empresas interessadas em fazer doações. Entre as grandes promessas, está a da Organização das Cooperativas Brasileiras, que pretende doar 24 mil quilos de alimentos.
Para que as doações sejam efetivadas é preciso ter local de armazenamento de estrutura de distribuição. A assessoria de imprensa do Ministério de Segurança Alimentar informou que as empresas doadoras também se responsabilizarão pela distribuição.
O exemplo citado para ilustrar como isso ocorrerá é o da Nestlé que doou uma tonelada de alimentos e os entregará nas sedes da Pastoral da Criança espalhadas pelo país.
O presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras, Márcio Freitas- que é membro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional- tem dito que muitas cooperativas não têm estrutura para arcar com o transporte e a distribuição.
A rede social da Conab atuou a pleno vapor entre 1993 e 2001, quando a companhia chegou a ser responsável pela distribuição de 1,7 milhão de cestas básicas/mês.
Um ex-diretor dos programas sociais da Conab, que pediu para não ser identificado, disse à Folha que a distribuição das cestas nas regiões mais afastadas do país era uma "operação de guerra". As cestas "viajam" até 40 dias para chegar ao ponto final, e muitas vezes chegavam atrasadas.
Além de estocar alimentos, a Conab será responsável por comprar e distribuir alimentos a comunidades indígenas, assentados e quilombos. Em 2000, quando ainda havia um programa semelhante, 605 comunidades indígenas e 661 assentados recebiam cestas básicas.

Saques
A distribuição de alimentos, na prática, ressuscita um programa que foi alvo de muitas reclamações por parte dos beneficiados.
Além disso, os armazéns (cheios de comida) foram usados por militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e por pequenos agricultores vítimas da seca em ações e saques para pressionar o governo a liberar recursos.
Em 1998, por exemplo, 800 pequenos agricultores saquearam o armazém da Conab de São Miguel, no Rio Grande do Norte. A solução foi a prefeitura antecipar a distribuição de 952 cestas básicas. Em 2001, foi a vez de dois armazéns: um em Cajazeiras (PE) e outro em Porto Alegre (RS).
Quando o programa acabou, o ex-secretário-executivo do chamado "Ministério da Seca", Orlando Muniz, se disse aliviado: "O programa de cestas básicas é muito complexo e sempre há reclamações". Ele defendeu a substituição dos alimentos pelo cartão-magnético do Bolsa-Renda.


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