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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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AJUSTE PETISTA

Sem alternativa por ora, presidente aposta nas reformas e demonstra insatisfação com funcionamento do governo

Lula é pressionado a ter "plano B" econômico

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nos últimos 15 dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu pressão nos bastidores do governo para pensar num "plano B" para a economia. Ele, por ora, descartou a hipótese e, avaliando que não há alternativa viável no momento, deu mostras de que manterá a política do ministro Antonio Palocci, da Fazenda.
Lula crê que seu mandato será salvo pela política, implementando as reformas previdenciária e tributária. A partir daí, até a reeleição estaria bem encaminhada.
A Folha conversou com interlocutores e auxiliares de Lula para saber o que próprio presidente pensa sobre seus dois meses de poder. Lula está insatisfeito com o andamento gerencial de alguns ministérios e programas sociais.
Daí o diagnóstico de que cabe principalmente a ele, fazendo política, aprovar as reformas previdenciária e tributária para garantir o sucesso de seu mandato. No eventual segundo governo, mais experiente, viriam transformações sociais pregadas historicamente pelo PT.

Gerenciamento e reformas
Inoperância no Ministério do Planejamento, crise no Fome Zero, falta de foco dos ministros Benedita da Silva (Assistência e Promoção Social) e Olívio Dutra (Cidades), excesso de atribuições e estilo centralizador do ministro José Dirceu (Casa Civil) são problemas que levaram Lula a concluir que o governo vai mal na rotina administrativa. O PT aprende a ser governo a duras penas, tem repetido o presidente.
O sucesso da reunião com os governadores e a resposta rápida à crise de segurança no Rio evidenciaram que é na grande política que o governo vai bem. Pesquisas internas mostram que a imagem de Lula é a de um presidente preocupado e disposto a resolver os problemas da população.
Essa imagem dá a Lula um cacife político que, se bem usado, conseguirá aprovar duas reformas complicadas, mas fundamentais para despertar expectativas positivas na comunidade financeira internacional e eliminar entraves que emperram o crescimento econômico do Brasil.
Os dois parágrafos anteriores são, quase literalmente, o diagnóstico de uma reunião reservada de Lula com a cúpula do governo.

Palocci na mira
Pela primeira vez, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, não recebeu críticas apenas do expoentes da ala radical do PT. Gente graúda demonstrou, reservadamente, dúvidas em relação ao sucesso da receita econômica do ministro da Fazenda.
A lista de críticos inclui o presidente do BNDES, Carlos Lessa, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), o ministro Guido Mantega (Planejamento), o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), o governador Roberto Requião (PMDB-PR) e a economista Maria da Conceição Tavares. Crítica do "malanismo" de Palocci, Maria da Conceição falou longamente com Lula por mais de uma vez nas últimas semanas. O presidente a escuta.
O ministro da Fazenda, porém, tem dois grandes trunfos:
1) Consulta Lula sobre toda decisão dura. Um exemplo foi antecipar para o presidente, antes da última reunião do Conselho de Política Monetária, o segundo aumento de juros do ano;
2) Palocci tem o apoio firme dos outros dois ministros que, com ele, formam a cúpula da cúpula do governo, José Dirceu e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica). Dissipou-se a tensão que havia entre José Dirceu e Palocci na transição de governo.
Gushiken é um antigo amigo de Palocci e o curinga de Lula. Participa de todas as reuniões importantes, da política à economia, do Fome Zero ao pacote de segurança para o Rio.
Apesar dos trunfos de Palocci, Lula tem um processo de tomada de decisão que estimula a busca permanente de novas opiniões.
Aí mora o perigo para o ministro da Fazenda, afirma um auxiliar de Lula, referindo-se à conversa com a economista Maria da Conceição Tavares.

Mercadante e Ciro
Dias atrás, por exemplo, Mercadante disse que não foi ministro da Fazenda porque não quis. A declaração foi interpretada no governo como um recado para Palocci de que Lula tinha e tem alternativa para o seu posto.
A versão de Mercadante é parcialmente verdadeira. Se quisesse a Fazenda, Lula não teria como dizer não. Argumento: Mercadante deu a cara econômica do PT durante anos. Seria injusto e politicamente complicado rifá-lo.
Ao mesmo tempo, Lula deixou claro, por intermédio de interlocutores, que preferia que ele não pedisse o posto. A rigor, Lula não o queria na Fazenda. O presidente acha que Mercadante deve esperar a vez de ser ministro.
Mercadante, aliás, é o candidato de Lessa, Requião e cia. ao lugar de Palocci. Numa conversa com Lula, Requião chegou a dizer que o PT vive a "Síndrome de Estocolmo". "Estão apaixonados por seus algozes", brincou Requião, ao falar que a política econômica de Palocci repetia Malan e que precisava ser mudada.
Ciro Gomes, por exemplo, anda quieto, suportando corte de gastos e evitando o estilo verborrágico e arestoso da eleição.
No entanto, o ministro da Integração Nacional soltou a um amigo uma inconfidência: acha suicida a linha econômica de Antonio Palocci Filho.
Avaliação: o Brasil não controla todos os fatores que afetam esse modelo de extrema vulnerabilidade externa. Logo, radicalizar o modelo, como faz o ministro Palocci na esperança de conquistar a confiança do mercado e revertê-lo, seria ilusão.
Numa crise, crêem aliados de Ciro, ele poderia assumir a Fazenda. Gente próxima a Luiz Inácio Lula da Silva diz o contrário: muito difícil isso ocorrer.


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