São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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ELIO GASPARI

Benditos sejam BID e Jackie Joy

Benditos sejam o Banco Interamericano de Desenvolvimento e Juliana Paes. Ajudaram a chamar a atenção para um fenômeno em que se confrontam a garra do andar de baixo e a preguiça empulhadora do andar de cima da vida nacional. Trata-se do ervanário de US$ 5,8 bilhões anuais que 1,3 milhão de brasileiros que trabalham no exterior remetem para suas famílias em Pindorama. Bendita Jackie Joy porque vai a Boston para visitar sua mãe e sua irmã, que emigraram e trabalharam na cidade como faxineiras.
Num país presidido por um retirante cuja irmã (Maria) foi empregada doméstica aos nove anos, saber que a mãe de Juliana foi faxineira faz enorme bem à alma. Estima-se que haja perto de 500 mil brasileiros na região de Boston. Lá, uma empregada doméstica pode faturar US$ 50 por hora. Ou seja, numa faxina de duas horas, um emigrante consegue mais (R$ 310) do que o salário mínimo defendido pelo irmão de Maria (R$ 260).
Houve uma época em que o Brasil recebia emigrantes. Nasceu no Brasil, em Rolândia (PR), o vice-ministro das Finanças da Alemanha, Caio Koch-Weser. Sua família emigrou em 1933, e ele teve a educação pré-universitária na rede pública e comunitária do interior paranaense. Desde os anos 80, o Brasil que transformava Lulas de Garanhuns em metalúrgicos do ABC passou a exportar mão-de-obra. São os engraxates da grand Central Station, ou o vendedor da Brooks Brothers que pergunta ao freguês se ele já viu a a Juliana na Playboy. (Se não viu, ele traz a revista.) Há as garotas de programa na Espanha, os ferramenteiros de Hamamatsu, o entregador numa cidade qualquer. Teve uma época em que a empregada de Arthur Sulzberger, o dono do "New York Times", era brasileira. Os trabalhadores de Pindorama fizeram renascer a economia da cidade de Framingham, nas cercanias de Boston.
Essa brava gente trabalha, economiza e manda dinheiro para o Brasil. Nessa hora, são tungados pelos intermediários de suas remessas e pela desatenção que o andar de cima nacional tem pelo de baixo. Deve-se ao BID a revelação de que metade do dinheiro remetido chega ao Brasil por meio de mecanismos informais. Os US$ 5,8 bilhões equivalem à metade dos investimentos diretos internacionais na economia nacional. Quando um brasileiro quer mandar US$ 1.000 para sua família, a banca e os regulamentos dos doutores Antonio Palocci e Henrique Meirelles mordem-no em 8,5%, ou US$ 85. Quase um salário mínimo da gestão petista. Graças ao trabalho do BID vê-se que, se esse trabalhador fosse português, não pagaria nada. Equatoriano ou espanhol? 1,5%.
A ekipekonômica cosmopolita que arruina há uma década o país jamais cuidou desse assunto a sério. Foi preciso que o BID descesse os números para que o Banco Central fizesse alguma mímica. O governor Meirelles, que presidiu o Banco de Boston, conhece de cor e salteado as dificuldades dos brasileiros que trabalham no exterior e nunca fez nada para reduzi-las.
A Caixa Econômica anunciou que criará um engenhoso mecanismo de transferências eletrônicas. Atenderá apenas aos cidadãos que trabalham de acordo com as exigências dos países onde vivem, circunstância com a qual o governo brasileiro nada tem a ver. Essa restrição deixa fora mais da metade dos trabalhadores que estão nos Estados Unidos e na Europa. Coisa de mais de meio milhão de almas.
Na hora de agradar aos gatos gordos da banca, a ekipekonômica é criativa. Ela odeia taxar o capital do andar de cima, mas não consegue refrescar as remessas do andar de baixo. Nessa hora, tem a preguiça de Macunaima e a criatividade das dobradiças.


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