São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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ELEIÇÕES 2004/DINHEIRO PÚBLICO

Dinheiro para divulgação parlamentar é usado para críticas a rivais e material de promoção

Deputados-candidatos usam verba oficial para se promover

ANDREA MIRAMONTES
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Câmara dos Deputados não fiscaliza o uso que os parlamentares fazem das verbas destinadas a eles para a divulgação de suas atividades legislativas, o que vem dando margem a todo tipo de uso do dinheiro público sob a justificativa de "divulgação da atividade parlamentar" em ano eleitoral.
Levantamento dos gastos realizado pela Folha na semana passada mostra que os 86 deputados que são candidatos a prefeito neste ano utilizaram, em média, 30% a mais da verba do que aqueles que não disputarão as eleições.
Entre os materiais produzidos a título de divulgação legislativa, a reportagem constatou, neste e no ano passado, a publicação de jornais contendo ataques a adversários, elogios a aliados e autopromoção, além de produtos como marca-páginas, "outdoors" e cartas de agradecimento a eleitores.
Confrontada no ano passado com diversos casos em que a assessoria técnica da Câmara colocava em dúvida a legalidade do material produzido pelos deputados, a Mesa Diretora, comandada por João Paulo Cunha (PT-SP), resolveu baixar a portaria 16/03, que limita a fiscalização à questão contábil, "cabendo exclusivamente ao deputado decidir se o objeto do gasto obedece aos limites estabelecidos na legislação".
Um exemplo é o jornal "Compromisso", informativo do deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS), candidato a prefeito de Novo Hamburgo. A edição de março último reserva quase todas as quatro páginas para descrever supostos benefícios prestados pelo parlamentar à cidade, sendo que a última é ocupada por uma charge e por um texto de ataque ao atual prefeito, que apóia um adversário de Zimmermann na disputa.
Na edição seguinte, a contracapa é usada de novo para criticar uma ação municipal, a vigilância aérea feita por helicóptero. "Se a prefeitura tivesse mecanismos para ouvir a comunidade, esse serviço não teria sido contratado", diz. Zimmermann declarou ter gasto R$ 20,2 mil neste ano com informativos, cartilhas e malas-diretas, tudo reembolsado pela Câmara.
A portaria da Mesa Diretora não especifica o que pode ocorrer com quem fizer propaganda irregular.
Nos quatro primeiros meses deste ano, os 513 deputados foram reembolsados pela Câmara em R$ 3,3 milhões por gastos com a divulgação de seus mandatos. Os 86 que são candidatos gastaram, em média, R$ 8.000 -30% a mais do que a média dos não-candidatos, que foi de R$ 6.130.
"Atividade parlamentar, que se entende, é aquilo relacionado com a Câmara, no âmbito da Câmara, como projetos de lei e assuntos tratados em comissão", afirma Hudson Lima, coordenador do Núcleo da Verba Indenizatória, órgão que ficou como único responsável pelos reembolsos desde a publicação da portaria da Mesa. "O mérito, de acordo com a portaria, cabe ao deputado. Esse é o nosso limite de atuação", disse.
Nos "folders" de divulgação da ações do deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), candidato à Prefeitura de Porto Alegre, o mais latente é a foto do candidato, que ocupa toda a frente do material, à semelhança dos santinhos divulgado em campanhas eleitorais.
O diretor-adjunto da Secretaria de Comunicação da Câmara, Cid Queiroz, reconhece a falta de fiscalização, mas diz que há, hoje, mais transparência. "Efetivamente, a administração da Câmara não está entrando nessa seara, mas os instrumentos de transparência estão evoluindo", disse.
Outro que extrapola os limites do que é entendido pela própria Câmara como divulgação do mandato é o deputado Zé Geraldo (PT-PA), que não é candidato. Ele foi o que mais gastou neste ano (R$ 55 mil) e produziu uma fita com as "potencialidades da rodovia Transamazônica" e informativos. O de março, traz elogios à gestão Lula e à administração petista de Belém e cinco textos criticando o governo do Pará, ocupado por Simão Jatene (PSDB).
No ano passado, antes da portaria, as questões controversas eram encaminhadas para o primeiro secretário, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Na ocasião, ele recomendou a aprovação, entre outros, dos reembolsos de R$ 2.450 gastos na produção de 50 mil marca-livros com o nome e informações sobre o deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), de R$ 3.340 relativos à veiculação de outdoors defendendo a instalação de uma refinaria no Espírito Santo, de responsabilidade de Feu Rosa (PP-ES), e de R$ 3.500 gastos por Leonardo Mattos (PV-MG) com a confecção de cartas de agradecimento aos seus eleitores. Segundo a ata da reunião da Mesa de junho de 2003, todos esses reembolsos foram aprovados.


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