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TELECOMUNICAÇÕES
RBS foi para a Bolsa com um plano, mas realidade foi outra
Sorte, ousadia e intrigas
marcaram leilão das teles
ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio
Histórias de ousadia empresarial, traições, golpes de sorte e de
reuniões intermináveis que varavam madrugadas marcaram os últimos dias que antecederam o megaleilão de venda da Telebrás,
ocorrida na Bolsa do Rio.
Eram 3h da última quarta-feira
-portanto, sete horas antes do
início do leilão- quando o presidente do grupo gaúcho RBS (Rede
Brasil Sul), Nelson Sirotsky, e seus
sócios da Telefónica de España fizeram sua última reunião antes do
grande momento.
A RBS e a Telefónica se tornaram
sócias em dezembro de 96, quando compraram 35% do capital da
telefônica CRT (Companhia Riograndense de Telecomunicações).
A parceria foi reforçada este ano
quando compraram o restante das
ações, e tudo indicava que dariam
mais um salto juntos, no leilão da
Telebrás.
Eram os favoritos à compra da
Tele Centro Sul, empresa de telefonia fixa que cobre os Estados de
Santa Catarina e Paraná e todo o
Centro-Oeste.
Como grupo regional, a compra
da Tele Centro Sul era a grande
prioridade dos Sirotsky, e os analistas de mercado -bem como
seus concorrentes no leilão- não
tinham dúvidas que eles fariam
uma oferta para ganhar.
Naquela madrugada antes do
leilão, o presidente da Telefónica
de España, Juan Villalonga, revelou a Sirotsky que iria participar
também do leilão da Telesp.
Explicou que a Telefónica é uma
empresa de capital aberto nas
principais Bolsas do mundo e que
ele não teria como justificar aos
acionistas a ausência da companhia no leilão da maior telefônica
latino-americana.
Sirotsky ficou espantado com a
revelação, mas o executivo espanhol procurou tranquilizá-lo afirmando que não seria uma disputa
para valer e que o principal objetivo era a Tele Centro Sul.
Como a compra da Telesp não
interessava à RBS, Sirotsky não
viu Villalonga preencher a proposta de preço para a telefônica
paulista. Participou apenas da definição da proposta para a Tele
Centro Sul e foi descansar convencido da vitória.
Os sócios voltaram a se encontrar no café da manhã e seguiram
em carros diferentes para a Bolsa,
onde chegaram às 8h. A Telesp era
a primeira a ser vendida, mas os
candidatos deveriam depositar de
uma só vez os envelopes para as
três empresas de telefonia fixa local e para a Embratel.
Dois candidatos eram dados como favoritos à compra da Telesp
fixa: o consórcio formado pela
Globo, Bradesco e Telecom Italia e
o da BellSouth com o banco Safra.
O preço mínimo de venda era de
R$ 3,52 bilhões.
A primeira surpresa -não para
Sirotsky- foi a ausência da BellSouth no leilão da Telesp. A RBS é
sócia minoritária da BellSouth e
do Safra na BCP -celular privado, banda B, da Grande São Paulo
e parte do Nordeste- e, no dia
anterior, havia sido avisada de que
eles tinham desistido da Telesp.
Logo, apenas os espanhóis e o
consórcio da Globo com os italianos entregaram propostas para a
Telesp. Quando o leiloeiro leu a
oferta da Telefónica (R$ 5,783 bilhões contra R$ 3,965 dos italianos), Sirotsky ficou lívido e disse a
um dos assessores que o acompanhavam: "Estamos ferrados".
Desvencilhou-se dos homens de
terno e gravata que o abraçavam e
o parabenizavam pela vitória e seguiu em disparada para o hotel. De
lá, foi para o aeroporto e pegou
um avião para Porto Alegre, sem
falar com os espanhóis.
Como a Telefónica venceu o leilão da Telesp, o envelope com a
proposta para a Tele Centro Sul foi
colocado na máquina trituradora
ainda lacrado. Sirotsky já estava a
caminho do aeroporto quando
Juan Villalonga dava entrevista à
imprensa e elogiava seu parceiro
nacional. Na viagem de volta, o
presidente da RBS estava inconformado.
No mesmo dia do leilão, Villalonga voltou para Madri. Os dois
voltaram a se falar rapidamente,
pelo telefone, mas a relação entre
eles estava destroçada.
Os espanhóis e os portugueses
da Portugal Telecom foram para o
leilão da Telebrás com uma estratégia comum traçada previamente
na Europa.
Por terem comprado a Telesp fixa, terão que vender a CRT. A legislação impede que um mesmo
grupo controle mais de uma operadora de telefonia fixa.
BellSouth
No dia anterior ao leilão, a direção do Safra informou ao governo
que o banco e a BellSouth não
iriam disputar a Telesp fixa.
Depois que ofereceram R$ 2,6
bilhões pela concessão do celular
privado na Grande São Paulo
-R$ 1 bilhão a mais do que o segundo colocado-, no ano passado, a dupla Safra e BellSouth virou
sinônimo de audácia, e tanto os
analistas quanto os demais concorrentes estavam convencidos de
que eles iriam '"arrebentar" novamente.
Os concorrentes preparavam
suas ofertas para o leilão seguindo
uma lógica de jogo de xadrez. A
Telesp fixa ficaria com os italianos
ou com a BellSouth. A Tele Centro
Sul ficaria com os espanhóis e a
RBS. O destino da Tele Norte Leste
dependeria do resultado do leilão
da Telesp, imaginavam os candidatos e analistas.
Se a BellSouth vencesse em São Paulo, os italianos iriam apostar suas fichas na Tele Norte Leste, também chamada Telemar, porque cobre 16 Estados, do Rio ao Amazonas, seguindo o litoral. A Telecom Italia movimentava suas peças nessa direção.
Uma semana antes do leilão, associou-se ao Banco Opportunity e aos fundos e registrou uma empresa chamada Solpart na Junta Comercial do Rio.
O objetivo dos italianos era assegurar a compra de uma tele fixa, pelo menos. No consórcio que disputou a Telesp, tinham cerca de 60% do capital, enquanto tinham apenas 19% do capital da Solpart.
Com essa formação, a Telecom Italia poderia, num golpe de sorte, comprar tanto a Telesp quanto a Tele Centro Sul ou a Tele Norte Leste. Seus sócios na Solpart preferiam a última opção.
Como os espanhóis ganharam em São Paulo, os italianos ficaram sozinhos no leilão da Centro Sul e foram declarados vencedores. Aí, deu-se a grande zebra do leilão: a Tele Norte Leste foi comprada por um consórcio exclusivamente nacional e com apenas 1% de ágio.
O presidente da Andrade Gutierrez Telecomunicações, que liderou o consórcio, conta que o grupo apostou na possibilidade de dar vitória espanhola em São Paulo e arriscou que poderia levar a tele com um ágio mínimo.
Ele diz que essa estratégia não foi traçada por acaso. "Nos últimos dois dias, sentíamos que os espanhóis se diziam interessados na Centro Sul para disfarçar o interesse real pela Telesp", relata.
Nacionais
Nem todos os sócios nacionais da BellSouth souberam da decisão com antecedência. A Splice do Brasil (sócia minoritária da BCP) acreditava na possibilidade de compra da Telesp fixa pelo grupo e que teria uma pequena parte na operação.
O presidente da Splice, Antonio Beldi, soube da desistência apenas às 6h do dia do leilão e teve de refazer toda sua estratégia de atuação às pressas.
Imaginava apresentar propostas para quatro empresas de telefonia celular e, no último momento, decidiu concentrar seu poder de fogo na Tele Centro Oeste Celular. O preço mínimo de venda da empresa era de R$ 230 milhões e ele chegou a R$ 440 milhões, depois de muita disputa com o grupo France Telecom.
Beldi quase não acreditou quando o leiloeiro anunciou sua vitória. Estava sem dormir havia 40 horas, mas eufórico.
Uma das histórias mais reveladoras do jogo pesado que marcou o leilão é a que envolveu dois grupos canadenses -Telesystem e Bell Canada- e seus sócios brasileiros: Banco Opportunity e fundos de pensão.
Depois de conhecer todo o plano de ação de seus parceiros, a Bell Canada decidiu ir para o leilão sozinha para disputar a Telemig Celular e a Tele Celular Sul.
Na véspera da disputa, o advogado do Opportunity, Sérgio Bermudes, entrou com uma notificação judicial contra a Bell Canada, avisando-a de que seria processada por perdas e danos caso insistisse no plano.
A Bell Canada cumpriu seu plano individual, mas foi desclassificada na disputa pela Celular Sul e, no leilão da Telemig, foi derrotada por seus ex-parceiros.
O mais grave é que eles já eram sócios na empresas Americel e Telet, que têm as concessões para o serviço celular privado no Centro-Oeste e no Rio Grande do Sul. A sociedade continua, mas a confiança foi quebrada definitivamente após o incidente.
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