São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2001

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ENTREVISTA

Para ministro, quem diz que resolverá problemas como o da violência em pouco tempo "está iludindo a população"

Malan afirma que "o Brasil não é fácil"

Juca Varella/Folha Imagem
Pedro Sampaio Malan, ministro da Fazenda há seis anos e oito meses; na história do Brasil, somente duas pessoas permaneceram nesse cargo por mais tempo


RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Fernando Henrique Cardoso já reviu a opinião, manifestada anos atrás, de que o Brasil é fácil de administrar. Seu ministro da Fazenda parece jamais ter alimentado essa ilusão.
"É um país complexo, difícil de administrar, com problemas seculares, economia de grande heterogeneidade. E problemas sociais monumentais, que demorarão gerações para serem resolvidos", acredita Pedro Malan.
Diante da declaração, tão distante de uma promessa convencional de campanha, fica difícil manter desconfiança quando ele repete, já um tanto agastado, que não será candidato a presidente no ano que vem.
O que não o impede de continuar chamando o PT para a briga. Em entrevista concedida na sexta-feira, o ministro comentou afirmações recentes de Lula ao "Correio Braziliense". "Ele disse que consertaria o Brasil, que não poderia errar. Todo e qualquer governo comete erros. A idéia de "resolver" o país não é razoável."
No passado um defensor ferrenho da política do real forte, Malan hoje considera que a desvalorização terá efeitos positivos sobre a economia e ajudará a fechar as contas externas.
Aos 58 anos, ele já é "medalha de bronze" na competição de longevidade no cargo entre os ministros da Fazenda da história do país. Seus seis anos e oito meses só foram batidos por Artur de Sousa Costa (1934-1945), ministro de Getúlio Vargas antes e durante o Estado Novo, e Delfim Netto (1967-1974), que ocupou a pasta nos governos militares de Costa e Silva e Médici.
 

Folha - Calcula-se que o Brasil precisará atrair algo entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões em 2002. Terá de fazê-lo em ano eleitoral, quando o receio dos investidores aumenta, e num cenário de desaquecimento mundial. Será possível fechar as contas externas?
Pedro Malan -
Seguramente acho que sim. A desvalorização real que nós experimentamos terá efeito em termos de aumento da produção exportável e da produção doméstica que compete com importações. Também terá efeito sobre outras contas, como viagens internacionais, que se tornam mais caras, e atratividade do país como destinação de turismo.
Acho que o investimento direto na economia brasileira continuará, não no nível de US$ 30 bilhões por ano, como em 1999 e 2000, mas continuará.
Para este ano, estima-se que cerca de 75% do déficit em conta corrente seja financiado por investimento direto. É claro que teremos de lidar com um cenário internacional muito mais adverso, mas acho que ainda é administrável.

Folha - A oposição e setores do próprio governo defendem que política industrial é o único remédio contra a excessiva dependência de capitais externos.
Já para a equipe econômica, proteção a setores da indústria, subsídios e incentivos geram déficit, inflação e ineficiência. De que outra maneira podem ser produzidos grandes superávits comerciais?
Malan -
É equivocada a percepção de que o país não tem política industrial. O BNDES é um banco que empresta mais que o Banco Interamericano de Desenvolvimento, aqui no Brasil, e são fundamentalmente empréstimos para indústrias.
Alguém pode discordar da política de financiamentos do BNDES, achar que o banco deveria investir mais em outros setores, mas existe uma política.
A discussão que se coloca é não tentar reeditar certas experiências do passado.
Os próprios proponentes de mudanças costumam ter o cuidado de dizer que não é isso o que estão propondo.

Folha - Diante de indicadores negativos, a equipe econômica gosta de argumentar que pelo menos um número vai bem, o do superávit primário (economia que o governo faz para abater sua dívida). Faz sentido comemorá-lo? Apesar do crescente esforço para poupar recursos, a situação fiscal brasileira continua a piorar.
Malan -
Temos de mostrar que a dívida pública, enquanto percentual do PIB, não está em trajetória de deterioração. Fazemos isso de três maneiras. Primeiro, mostrando que temos condições de gerar o superávit primário necessário. Segundo, alongando os prazos da dívida interna. Terceiro, e não menos importante, mudando o regime fiscal do Brasil.
A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma mudança no regime fiscal do Brasil, não significa apenas a obtenção dos superávits primários. Ela mudou a qualidade da administração de finanças públicas nos três níveis de governo. Portanto, acho que a situação fiscal do país não tende a se deteriorar, a menos que futuros governos tomem decisões incompatíveis com a responsabilidade fiscal.

Folha - Por que a dívida cresceu tanto no governo Fernando Henrique? A longa duração da política do real forte não está na origem dessa expansão?
Malan -
Este governo tem uma política de transparência. Decidiu reconhecer o que se chama de esqueletos, dívidas de administrações anteriores que não estavam explicitamente contabilizadas como tal. Outra questão. Quando nós chegamos, a maioria dos Estados estava quebrada. Fizemos um processo de reestruturação de dívidas pelo qual a União assumiu o compromisso dos Estados.
É claro, você tem razão, tem também a questão dos juros sobre a dívida e seu serviço, mas não é correto achar que foi só o efeito de juros e do câmbio.

Folha - Os críticos, mesmo os que reconhecem o mérito pela estabilização da moeda, apontam a explosão da dívida como o principal legado do atual governo. O que o sr. tem a dizer a eles?
Malan -
Eu diria, principalmente àqueles que acham, com todo o direito, que ficarão responsáveis pela gestão do país a partir de 2003, que deveriam se debruçar mais sobre essa questão, pensando não apenas no fácil exercício da crítica, mas também no que teriam de fazer se assumissem.
Este governo partiu de uma situação de total descalabro. Um Estado quebrado, falido. O sistema bancário fragilizado.
Um país sem nenhuma credibilidade internacional, ainda sofrendo os efeitos da moratória de 1987. Uma análise intelectualmente honesta mostra que o país, hoje, não está pior do que no início dos anos 90. Está melhor.
É verdade que o Brasil tem problemas de pobreza, desigualdade, saúde, educação. Eles não serão resolvidos com mágicas, piruetas, no espaço de uma administração. É tarefa que demandará uma sequência de administrações comprometidas com a melhoria das condições de vida da população.

Folha - Por falar em herança, o sucessor de Fernando Henrique não poderá passar por situação semelhante à enfrentada pelo presidente Fernando de la Rúa?
Malan -
Não quero comentar as dificuldades que ele está enfrentando na Argentina, mas acho que estamos mais bem posicionados em inúmeras áreas. Na parte externa, faz diferença ter uma taxa de câmbio flutuante, que é um mecanismo absorvedor parcial de choques.
Todo o problema de relacionamento do governo federal de lá com as províncias, isso nós temos equacionado aqui. Há também as metas de inflação, que sinalizam as expectativas com que o governo trabalha.
E acredito muito na dinâmica da economia real do Brasil. Portanto, tenho moderada confiança na nossa capacidade de superar o período de turbulência que estamos vivendo agora, seja no âmbito da crise doméstica de energia, seja no âmbito internacional.

Folha - O sr. tem criticado o PT por não ser claro a respeito do que pretende fazer, se chegar ao poder, em questões como inflação e controle orçamentário. Não é possível fazer crítica semelhante ao governo? Para citar um exemplo, não foi divulgada até hoje a carta de intenções do novo acordo com o FMI.
Malan -
A carta está pronta. Está sendo traduzida para o português. Ela vai à diretoria executiva do fundo em 14 de setembro, se não me engano. Ainda não foi distribuída lá em inglês. Vamos divulgar simultaneamente.
Eu devo ir à Câmara dos Deputados na semana seguinte. Quero ir com tudo pronto, o memorando de política econômica e o memorando técnico de entendimentos, para não dar margem à idéia de que há alguma coisa oculta.

Folha - O ministro Domingo Cavallo divulgou hoje (sexta-feira) a carta de intenções do acordo da Argentina, firmado bem depois do brasileiro. Alguma razão para a demora maior aqui?
Malan -
Honestamente, não estávamos com pressa. Já foi tudo explicado. Dei uma longa entrevista à imprensa dois dias depois de anunciado o acordo. Passei seis horas no Congresso. Não há nada a esconder.

Folha - Ainda que outros nomes sejam mencionados, as discussões sobre a possível continuidade do atual governo costumam desembocar em dois caminhos, um representado pelo sr. e outro pelo ministro José Serra. Por que a polaridade é sempre essa?
Malan -
Eu não saberia explicar, mesmo porque não acho que exista um caminho Pedro Malan. Minha pretensão não chega a tanto, muito menos meu sentido de humor.
O que acho é que o Brasil é um país extremamente complexo, difícil de administrar, com problemas seculares, economia de grande heterogeneidade. E problemas sociais monumentais, que demorarão gerações para serem resolvidos. As demandas sempre estarão além da capacidade de uma administração atendê-las.
Mas eu não acho que exista um estilo, um caminho. Vejo com preocupação assertivas como as que o principal líder da oposição fez em entrevista a um jornal de Brasília duas semanas atrás. Que ele consertaria o Brasil, que não poderia errar, não poderia perder. É claro que pode perder, se essa for a decisão da maioria da população. E é claro que todo e qualquer governo comete erros.
A idéia de "resolver" o país não é muito razoável. Razoável é esperar que um governante possa fazer o país avançar.

Folha - Se o sr. é tão assertivo ao dizer que não será candidato a presidente, por que essa especulação continua a prosperar?
Malan -
Eu tenho uma hipótese. No final de 1999, quando as pessoas começaram a me perguntar sobre isso, havia a expectativa de que 2000 seria um ano melhor para o país, como de fato foi. Provavelmente essas pessoas avaliaram que 2001 e 2002 também seriam bons anos, e que, se esse cenário se materializasse, o ministro da Fazenda poderia considerar a possibilidade de ser candidato. No entanto, desde o início, sem qualquer tergiversação, eu disse que não.

Folha - Outra hipótese pode ser a de que a especulação prospera porque é alimentada, ainda que de forma contraditória e intermitente, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Malan -
Eu conheço o presidente há uns 30 anos. Nós temos um grau de abertura, de diálogo, muito grande. Mas isso você deveria perguntar a ele, não a mim.

Folha - Ao ser libertada pelos sequestradores, a filha de Silvio Santos desculpou-os e atribuiu o crime ao fato de a população brasileira estar, nas palavras dela, mal cuidada. Quase que simultaneamente, Caetano Veloso associou o furto dos instrumentos de seus músicos à desigualdade de renda do país, anunciando voto em Lula. Como o sr. vê essas declarações?
Malan -
Que nós temos uma distribuição de renda desigual é fato conhecido, ligado a décadas de inflação alta e a uma situação em que interesses corporativistas se apropriaram de parcela dos recursos escassos do setor público.
Dito isso, e deixando de lado a ingenuidade de responsabilizar o governo federal por tudo que acontece no país, violência urbana é claramente uma área em que as coisas mudaram para pior. Mas esse não é um problema trivial. Quem diz que vai resolver isso num curto espaço de tempo está iludindo a população.

Folha - O sr. acaba de completar seis anos e oito meses em um posto no qual poucos antecessores chegaram a ficar um ano. Como é isso?
Malan -
Se você pegar ministros da Fazenda do Brasil de 1822 para cá -tivemos uns 110, dependendo de como são contadas interinidades e pessoas que ocuparam mais de uma vez a posição-, eu sou hoje o terceiro que ficou mais tempo.
É um desafio constantemente renovado e também uma tensão permanente. O Brasil não é fácil. Mas, como sou um servidor público de carreira -completo neste mês 35 anos de serviço público-, eu me sinto realizado.


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