São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2001

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FOME MAQUIADA

Governo federal investe na variedade dos alimentos distribuídos, mas não aumenta valor nutricional

Cesta básica pesa 48% menos que em 97

ALESSANDRA KORMANN
EDUARDO DE OLIVEIRA


DA AGÊNCIA FOLHA

As cestas básicas distribuídas pelo governo federal aos flagelados da seca estão encolhendo. Apesar de ter uma variedade de itens maior do que em anos anteriores, o 1,18 milhão de cestas entregues até 15 de agosto pesam 48% menos do que as de 1997.
Alimentos como arroz e feijão, na última remessa, foram reduzidos pela metade em relação às cestas entregues no início do ano.
Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), responsável pela distribuição, a cesta em 1997 tinha 25 kg: 10 kg de arroz, 5 kg de flocos, 5 kg de feijão, 3 kg de macarrão e 2 kg de farinha de mandioca.
Hoje, a cesta contém pouco mais de 13 kg de alimentos. A variedade, no entanto, é maior: 5 kg de arroz, 2 kg de feijão, 1 kg de flocos, 2 kg de farinha de mandioca, 1 kg de açúcar, 1 kg de sal, 1 lata de óleo de soja, 1 lata de fiambre (320 g) ou 2 latas de sardinha (270 g).
Isso não significa, porém, uma melhora no valor nutricional da cesta. De acordo com a nutricionista Tânia Rodrigues, os únicos macronutrientes (elementos essenciais, necessários em quantidade relativamente grande) que aumentaram na cesta de agora em relação a quase todas as anteriores foram os lipídios.
Para o biólogo Sérgio Jábali Barretto, que fez doutorado em nutrição humana aplicada na USP pesquisando cestas de alimentos, apesar de o valor nutricional ser menor no total, a qualidade das proteínas ofertadas, de origem animal, são melhores. Em contrapartida, segundo ele, todas as cestas são pobres em micronutrientes como vitaminas e cálcio. "Isso é só apenas o mínimo emergencial, para não morrer de fome."
A cesta básica distribuída aos flagelados, em tese, deve durar um mês. No entanto, se forem levadas em conta as necessidades nutricionais de uma família de cinco pessoas -o mesmo número que o governo considera ao distribuir os alimentos- os produtos na cesta atual duram de cinco a dez dias.
Para a vereadora Aldaíza Sposati (PT-SP), professora de ciências sociais e coordenadora do Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP, o governo faz propaganda enganosa quando diz que está distribuindo cestas básicas. "O menor valor da cesta básica nacional é R$ 93,70 em Salvador. O valor da cesta distribuída pelo governo não chega a R$ 12", diz. Segundo o secretário-executivo do "ministério da seca", Orlando Muniz, o programa de distribuição de cestas está "com os dias contados".

Início da distribuição
A distribuição de cestas nos moldes atuais teve início em 1993, no governo Itamar Franco. Na época, foi criado o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), que tomou por base o estudo conhecido como "Mapa da Fome", do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), como critério de seleção dos municípios a serem atendidos.
Nessa época, que coincidiu com o auge da campanha contra a fome do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a cesta atingiu o seu maior peso: cerca de 32 kg.
Com a posse de FHC, o Consea foi extinto, e o Prodea (Programa de Distribuição de Alimentos) passou a ser gerido pelo Comunidade Solidária. A Conab não forneceu dados anteriores a 97. Mas, segundo o próprio órgão, o peso da cesta nesse período veio caindo seguidamente, com oscilações.
O programa teve algumas interrupções e chegou a distribuir cestas com peso menor do que o atual por alguns períodos -são períodos que não faziam parte das distribuições regulares. Em setembro de 1999, por exemplo, foi distribuída uma cesta emergencial de 11 kg. O Prodea foi extinto em dezembro de 2000, mas continua sendo executado pela Conab com o nome de "Programa Cesta de Alimentos", com recursos do Tesouro Nacional.
Além desse programa, que atende 1.354 municípios de todos os Estados, além de 605 comunidades indígenas e 661 acampamentos de sem-terra, o governo FHC executou um outro programa de emergência a vítimas da seca, que durou de 1998 a 2000 e no qual foram gastos R$ 351 milhões.
Para o programa atual, foram liberados R$ 50 milhões em abril. No mês seguinte, foi criado o chamado "ministério da seca", que ficou a cargo de Raul Jungmann (Desenvolvimento Agrário).
O programa de distribuição de cestas básicas foi amplamente divulgado. Em julho, o ministro ameaçou denunciar ao Ministério Público prefeitos que não haviam retirado as cestas básicas dos armazéns da Conab.



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