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LINHAS CRUZADAS
Investigação do tráfico alimenta esquema de espionagem empresarial
Inquérito de Beira-Mar
grampeou guerra de teles
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
As gravações sobre os bastidores da guerra empresarial entre o
Opportunity e o grupo canadense
TIW, publicadas pela "Veja" em
24 de junho, foram gravadas pela
Polícia Civil do Rio de Janeiro,
com autorização da Justiça, no
correr das investigações sobre o
traficante Fernandinho Beira-Mar, preso em abril deste ano na
Colômbia.
A divulgação das fitas levou à
demissão do colunista Ricardo
Boechat do jornal "O Globo", um
dia depois da publicação dos diálogos, e expôs conversas particulares do empresário Nelson Tanure (proprietário do ""Jornal do
Brasil") com seu assessor Paulo
Marinho.
O telefone da casa de Paulo Marinho foi grampeado com autorização da 1ª Vara Criminal de Duque de Caxias, onde corre o processo contra Beira-Mar.
Há suspeitas de que os telefones
do escritório e da casa de Nelson
Tanure tenham sido também
grampeados com autorização judicial em outros inquéritos e que
exista um esquema de encomenda de grampos legais para espionagem empresarial.
A Folha apurou que neste momento 65 telefones celulares estão
grampeados no Rio com ordem
judicial. Não há informação precisa sobre o número de telefones
fixos monitorados, que seria da
ordem de mil.
Inquérito
Parte dos diálogos publicados
pela "Veja" está nos autos de um
inquérito da Draco (Delegacia de
Repressão ao Crime Organizado)
sobre tráfico de drogas na favela
da Rocinha, gravados com a escuta na casa de Marinho.
O advogado dele, Alexandre
Dumans, diz que não há acusação
contra seu cliente no inquérito e
que as fitas estão em um anexo sigiloso dos autos.
O diálogo em que Tanure e Paulo Marinho combinam uma estratégia para derrotar o banqueiro
Daniel Dantas, do Opportunity, é
uma condensação de dois telefonemas, ocorridos nos dias 21 e 26
de março. As fitas com o conteúdo integral das conversas estão no
inquérito.
Reivindicação
O grupo TIW (Telesystem International Wireless) está na Justiça contra o Opportunity, reivindicando participar do controle
acionário das empresas Telemig
Celular e Tele Norte Celular, ambas privatizadas pelo governo federal em 1998.
O grampo coincide com o momento em que Tanure entra na
disputa, representando os canadenses, para negociar uma saída
para o impasse. Sua presença, no
entanto, só fez aumentar a crise. O
empresário acabou afastado pela
TIW depois que as gravações vieram a público.
O procurador-geral de Justiça
do Estado do Rio, José Muiños Piñeiro, abriu inquérito para investigar a origem e o responsável pela
divulgação das fitas, a pedido do
advogado Dumans.
Segundo Muiños Piñeiro, se ficar provado que as fitas publicadas foram obtidas a partir de
grampo legal e que houve uso indevido da interceptação, o Ministério Público poderá processar o
juiz que autorizou a gravação.
Neste caso, o próprio Muiños
conduziria as investigações contra o juiz.
Segundo ele, o juiz, o delegado
que conduz o inquérito, o grupo
de investigação policial, o empregado da Telemar que efetuou o
grampo e os funcionários do cartório são responsáveis pelo sigilo.
Como várias pessoas manuseiam
o material, ""uma corrupção pode
acontecer", afirma Muiños.
Grampo clandestino
O procurador diz que há também a hipótese de que Paulo Marinho tenha sofrido, simultaneamente, um grampo legal e outro
clandestino. Ele admite que será
muito difícil chegar ao mandante.
Paulo Marinho é executivo conhecido no mundo dos negócios
e foi consultor do Opportunity até
julho do ano passado.
O telefone de sua casa, de forma
até agora não explicada, foi associado a Marlúcia Rodrigues Moreira que, segundo a polícia, seria
um braço do traficante Beira-Mar
na favela da Rocinha. A favela fica
na encosta do morro da Gávea e
de frente para São Conrado, onde
vive Marinho.
As investigações contra Marlúcia começaram no ano passado,
quando a DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) abriu o
inquérito 041/2000. À frente do
inquérito, está o delegado Ricardo
Domingues, um dos integrantes
da força-tarefa que investigava
Beira-Mar.
Sigilo telefônico
A pedido de Domingues, a juíza
Florentina Bruzzi Porto, que
substituía a juíza titular da 1ª Vara
Criminal de Caxias, Terezinha
Avelar, autorizou vários pedidos
de quebra de sigilo telefônico nas
investigações do caso Beira-Mar,
pois a ação principal contra o traficante transita naquela vara. O
grampo na casa de Paulo Marinho foi autorizado por dez dias, a
contar de 19 de março.
Em maio, o delegado Ricardo
Domingues foi transferido da
DRE para a Draco e levou consigo
o inquérito sobre Marlúcia. Na
Draco, o inquérito ganhou o número 045/2001, ficando subordinado ao juiz Marcus Henrique
Pinto Basílio, da 14ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
O advogado Alexandre Dumans obteve do juiz Pinto Basílio
a transcrição das seis fitas que foram gravadas entre os dias 19 e 29
de março.
Paulo Marinho autorizou a Folha a reproduzir os trechos de onde foram extraídos os diálogos citados pela ""Veja".
Prazo
Segundo ele, a juíza Florentina
Bruzzi Porto teria prorrogado o
grampo por mais 30 dias. O diálogo entre Paulo Marinho e Ricardo
Boechat, que resultou na demissão do colunista, foi gravado no
dia 15 de abril.
No telefonema, Boechat leu para o executivo o texto de uma nota
que sairia publicada no dia seguinte no jornal ""O Globo", a respeito das desavenças entre TIW e
Opportunity.
Esse material, segundo Alexandre Dumans, não está nos autos
do inquérito.
A juíza Florentina Porto, que está em licença-maternidade, confirmou que autorizou a quebra do
sigilo de vários números de telefone relacionados ao caso Beira-Mar, mas disse não se lembrar se
o de Paulo Marinho estava entre
eles.
""Um grampo leva a outros números e a gente vai investigando.
A quebra do sigilo é feita com cautela, baseada nas informações do
inquérito", declarou.
Procurado pela Folha, o delegado Ricardo Domingues disse que
só presta informações sobre o caso ao juiz que acompanha o inquérito.
Encomenda
Paulo Marinho diz que só descobriu que teve seu sigilo telefônico quebrado pela Justiça depois
que as fitas foram publicadas pela
revista ""Veja".
Com a ajuda de advogados criminalistas e de informações fornecidas por policiais, ele localizou
o inquérito.
""De outra forma, jamais saberia
que fui grampeado pela Justiça.
Tenho certeza de que o grampo
foi encomendado. Não há acaso
nesta história", sustenta o executivo.
Segundo o procurador Muiños,
é possível que uma pessoa tenha
seu telefone grampeado por ordem judicial e que jamais tome
conhecimento do fato.
A lei 9.296/96, que disciplina a
escuta telefônica legal, diz que se a
gravação não interessar à prova,
será inutilizada por decisão judicial.
A lei estabelece que a destruição
será assistida pelo Ministério Público, sendo ""facultada" a presença do acusado ou de seu representante legal.
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