São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2001

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LINHAS CRUZADAS

Investigação do tráfico alimenta esquema de espionagem empresarial

Inquérito de Beira-Mar grampeou guerra de teles

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

As gravações sobre os bastidores da guerra empresarial entre o Opportunity e o grupo canadense TIW, publicadas pela "Veja" em 24 de junho, foram gravadas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, com autorização da Justiça, no correr das investigações sobre o traficante Fernandinho Beira-Mar, preso em abril deste ano na Colômbia.
A divulgação das fitas levou à demissão do colunista Ricardo Boechat do jornal "O Globo", um dia depois da publicação dos diálogos, e expôs conversas particulares do empresário Nelson Tanure (proprietário do ""Jornal do Brasil") com seu assessor Paulo Marinho.
O telefone da casa de Paulo Marinho foi grampeado com autorização da 1ª Vara Criminal de Duque de Caxias, onde corre o processo contra Beira-Mar.
Há suspeitas de que os telefones do escritório e da casa de Nelson Tanure tenham sido também grampeados com autorização judicial em outros inquéritos e que exista um esquema de encomenda de grampos legais para espionagem empresarial.
A Folha apurou que neste momento 65 telefones celulares estão grampeados no Rio com ordem judicial. Não há informação precisa sobre o número de telefones fixos monitorados, que seria da ordem de mil.

Inquérito
Parte dos diálogos publicados pela "Veja" está nos autos de um inquérito da Draco (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado) sobre tráfico de drogas na favela da Rocinha, gravados com a escuta na casa de Marinho.
O advogado dele, Alexandre Dumans, diz que não há acusação contra seu cliente no inquérito e que as fitas estão em um anexo sigiloso dos autos.
O diálogo em que Tanure e Paulo Marinho combinam uma estratégia para derrotar o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, é uma condensação de dois telefonemas, ocorridos nos dias 21 e 26 de março. As fitas com o conteúdo integral das conversas estão no inquérito.

Reivindicação
O grupo TIW (Telesystem International Wireless) está na Justiça contra o Opportunity, reivindicando participar do controle acionário das empresas Telemig Celular e Tele Norte Celular, ambas privatizadas pelo governo federal em 1998.
O grampo coincide com o momento em que Tanure entra na disputa, representando os canadenses, para negociar uma saída para o impasse. Sua presença, no entanto, só fez aumentar a crise. O empresário acabou afastado pela TIW depois que as gravações vieram a público.
O procurador-geral de Justiça do Estado do Rio, José Muiños Piñeiro, abriu inquérito para investigar a origem e o responsável pela divulgação das fitas, a pedido do advogado Dumans.
Segundo Muiños Piñeiro, se ficar provado que as fitas publicadas foram obtidas a partir de grampo legal e que houve uso indevido da interceptação, o Ministério Público poderá processar o juiz que autorizou a gravação. Neste caso, o próprio Muiños conduziria as investigações contra o juiz.
Segundo ele, o juiz, o delegado que conduz o inquérito, o grupo de investigação policial, o empregado da Telemar que efetuou o grampo e os funcionários do cartório são responsáveis pelo sigilo. Como várias pessoas manuseiam o material, ""uma corrupção pode acontecer", afirma Muiños.

Grampo clandestino
O procurador diz que há também a hipótese de que Paulo Marinho tenha sofrido, simultaneamente, um grampo legal e outro clandestino. Ele admite que será muito difícil chegar ao mandante.
Paulo Marinho é executivo conhecido no mundo dos negócios e foi consultor do Opportunity até julho do ano passado.
O telefone de sua casa, de forma até agora não explicada, foi associado a Marlúcia Rodrigues Moreira que, segundo a polícia, seria um braço do traficante Beira-Mar na favela da Rocinha. A favela fica na encosta do morro da Gávea e de frente para São Conrado, onde vive Marinho.
As investigações contra Marlúcia começaram no ano passado, quando a DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) abriu o inquérito 041/2000. À frente do inquérito, está o delegado Ricardo Domingues, um dos integrantes da força-tarefa que investigava Beira-Mar.

Sigilo telefônico
A pedido de Domingues, a juíza Florentina Bruzzi Porto, que substituía a juíza titular da 1ª Vara Criminal de Caxias, Terezinha Avelar, autorizou vários pedidos de quebra de sigilo telefônico nas investigações do caso Beira-Mar, pois a ação principal contra o traficante transita naquela vara. O grampo na casa de Paulo Marinho foi autorizado por dez dias, a contar de 19 de março.
Em maio, o delegado Ricardo Domingues foi transferido da DRE para a Draco e levou consigo o inquérito sobre Marlúcia. Na Draco, o inquérito ganhou o número 045/2001, ficando subordinado ao juiz Marcus Henrique Pinto Basílio, da 14ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
O advogado Alexandre Dumans obteve do juiz Pinto Basílio a transcrição das seis fitas que foram gravadas entre os dias 19 e 29 de março.
Paulo Marinho autorizou a Folha a reproduzir os trechos de onde foram extraídos os diálogos citados pela ""Veja".

Prazo
Segundo ele, a juíza Florentina Bruzzi Porto teria prorrogado o grampo por mais 30 dias. O diálogo entre Paulo Marinho e Ricardo Boechat, que resultou na demissão do colunista, foi gravado no dia 15 de abril.
No telefonema, Boechat leu para o executivo o texto de uma nota que sairia publicada no dia seguinte no jornal ""O Globo", a respeito das desavenças entre TIW e Opportunity.
Esse material, segundo Alexandre Dumans, não está nos autos do inquérito.
A juíza Florentina Porto, que está em licença-maternidade, confirmou que autorizou a quebra do sigilo de vários números de telefone relacionados ao caso Beira-Mar, mas disse não se lembrar se o de Paulo Marinho estava entre eles.
""Um grampo leva a outros números e a gente vai investigando. A quebra do sigilo é feita com cautela, baseada nas informações do inquérito", declarou.
Procurado pela Folha, o delegado Ricardo Domingues disse que só presta informações sobre o caso ao juiz que acompanha o inquérito.

Encomenda
Paulo Marinho diz que só descobriu que teve seu sigilo telefônico quebrado pela Justiça depois que as fitas foram publicadas pela revista ""Veja".
Com a ajuda de advogados criminalistas e de informações fornecidas por policiais, ele localizou o inquérito.
""De outra forma, jamais saberia que fui grampeado pela Justiça. Tenho certeza de que o grampo foi encomendado. Não há acaso nesta história", sustenta o executivo.
Segundo o procurador Muiños, é possível que uma pessoa tenha seu telefone grampeado por ordem judicial e que jamais tome conhecimento do fato.
A lei 9.296/96, que disciplina a escuta telefônica legal, diz que se a gravação não interessar à prova, será inutilizada por decisão judicial.
A lei estabelece que a destruição será assistida pelo Ministério Público, sendo ""facultada" a presença do acusado ou de seu representante legal.


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