São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004

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SEMI-ÁRIDO

Governo prosseguiu com idéia antes de reunião com comitê da bacia

Transposição do São Francisco ainda pode empacar na Justiça

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A decisão do governo Lula de investir R$ 1,073 bilhão em 2005 na transposição das águas do rio São Francisco, formalizada no projeto de lei do Orçamento encaminhado anteontem ao Congresso, atropelou um debate do próprio governo com o Comitê da Bacia, responsável direto pela gestão do rio. Como resultado, o projeto pode ser levado à Justiça antes mesmo de a obra obter licença ambiental para sair do papel.
"Estamos indignados", afirmou o secretário-executivo do comitê, Luiz Carlos Fontes. Ele é um dos representantes das entidades civis no órgão, que também reúne usuários (40%, a maior fatia) e representantes de União, Estados e municípios da região.
Debatida desde os tempos do Império como solução para as secas do Nordeste, a transposição das águas do rio São Francisco virou prioridade do governo Lula.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu começar no próximo ano parte da obra, cujo custo total foi estimado em R$ 4,2 bilhões: a construção de dois eixos, norte e leste, que envolvem obras no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba e em Pernambuco.
No eixo norte, a água a ser retirada do São Francisco aumentaria a vazão da bacia dos rios Jaguaribe, Piranhas-Açu e Apodi e estimularia projetos de agricultura irrigada no Nordeste, por meio de 300 quilômetros de canais.
No eixo leste, o aumento da vazão da bacia dos rios Moxotó, Ipojuca e Paraíba beneficiaria a população urbana da região e a indústria. Nesse caso, são mais 200 quilômetros de canais.

Polêmica
A mensagem sobre o projeto do Orçamento que foi enviada pelo presidente ao Congresso deixa claro que o objetivo da obra de transposição não se limita ao consumo humano. E é nesse ponto que têm início os problemas.
No final de julho, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco se reuniu em Juazeiro (BA) para votar o plano de uso das águas e administrar tradicional disputa entre geradores de energia e demais usuários do rio. Uma resolução extra do comitê limitaria o uso das águas fora da bacia ao consumo humano e animal.
A decisão foi adiada a pedido do governo, disposto a negociar a retirada diária de 26 metros cúbicos de água do rio São Francisco e de um volume maior -até 127 metros cúbicos- somente quando os reservatórios da barragem de Sobradinho estiverem cheios.
Em troca, o comitê queria o compromisso de investimentos públicos na própria bacia. A disputa por água mostrou-se, de fato, disputa por verbas federais.
Mas antes de uma nova reunião dos ministros Ciro Gomes (Integração Nacional) e Marina Silva (Meio Ambiente) com o comando do comitê, marcada para o dia 8 deste mês, o governo formalizou a decisão de levar adiante a transposição. O projeto tornou-se um fato consumado independentemente da palavra do comitê.
Questionada pela Folha, a ministra Marina Silva informou que a reunião com o comitê está mantida para a semana que vem.
Por meio de sua assessoria de imprensa, Marina repassou ao colega Ciro Gomes a responsabilidade de falar sobre a polêmica. Até o fechamento desta edição, o ministro da Integração Nacional não havia se manifestado.

Estratégia
A Folha apurou que a estratégia do governo é apelar ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, mais alta instância de arbitragem dos conflitos relacionados ao uso das águas. É provável que o conselho autorize a transposição mediante a outorga para uso das águas do São Francisco fora da bacia e para fins econômicos.
Paralelamente, a ANA (Agência Nacional de Águas) cuidará de rever as atuais outorgas do São Francisco. Do limite de 360 metros cúbicos por segundo, 335 metros cúbicos estariam comprometidos com outorgas já concedidas. As concessões de direito de uso da água duram 35 anos.


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