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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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POLÍTICA EXTERNA

Setores industrial e financeiro norte-americanos têm percepções distintas sobre o país, mas "economia real" preocupa

Economia do Brasil gera dúvidas nos EUA

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Na semana em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impulsiona sua política externa em uma viagem de sete dias à África, a economia brasileira começa a suscitar dúvidas nas empresas norte-americanas e já desperta críticas na esquerda européia.
É bem verdade que o país continua impressionando o mercado financeiro norte-americano por sua capacidade de ter controlado a inflação e mantido uma forte economia para pagar os juros de suas dívidas, externa e interna.
O resultado disso tem sido o aumento da entrada de dinheiro no mercado financeiro do país e a queda de quase 4% na cotação do dólar nos dois últimos meses.
O aparente otimismo com o Brasil, no entanto, esconde um mau humor e uma intranquilidade de empresas dos EUA em relação aos rumos da chamada "economia real" do país.
As divergências entre Brasil e EUA nas negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e o fraco crescimento da economia brasileira fazem contrastar as opiniões norte-americanas nos setores financeiro e empresarial.
Franklin Vargo, vice-presidente da NAM (National Association of Manufactures), a maior entidade empresarial dos EUA, representante de 14 mil empresas, afirma que as empresas norte-americanas ""continuam preocupadas com o Brasil".
""Embora a Alca não seja a resposta para tudo, ela traria regras previsíveis para investimentos -o que, parece, não vamos ter." Para Joel Velasco, vice-presidente da Stonebridge International, que representa empresas norte-americanas com operações no Brasil, ""não há um investidor do mercado financeiro em Nova York que hoje fale mal do governo brasileiro. No setor empresarial, porém, ainda há incertezas em cima de incertezas".
Velasco afirma que o setor privado americano ainda levará ""algum tempo" para voltar a investir no Brasil. ""Em áreas estratégicas como energia, o legado do governo Fernando Henrique Cardoso é horrível, e o modelo proposto por Lula, quase estatista."
O mercado financeiro tem outra percepção. ""Já vemos os primeiros estágios para uma recuperação mais robusta da economia", diz Felipe Illanes, diretor-adjunto para o Brasil da corretora Merrill Lynch, baseada em Nova York.
Na visão do mercado financeiro, o Brasil não poderia estar melhor. Entre janeiro e setembro deste ano, o país economizou R$ 57 bilhões para pagar juros de suas dívidas. O valor equivale a 5,08% do PIB (Produto Interno Bruto), acima dos 4,25% do PIB prometidos ao FMI (Fundo Monetário Internacional).
Mas até mesmo os atuais sinais de recuperação da economia brasileira são vistos com ressalvas.
Para Miguel Diaz, diretor para a América do Sul do Centro Internacional de Estudos Estratégicos de Washington, grande parte da expectativa de melhora no Brasil deve-se hoje à recuperação dos negócios nos EUA -que, no último trimestre, teve seu crescimento mais intenso desde 1984.
Conforme avaliação de Diaz, "boas doses de investimento só ocorrerão depois de o país fazer sua lição de casa". Uma dessas ""lições de casa" é o resultado da reforma tributária que está sendo votada no Congresso.
Segundo um empresário com interesses em várias empresas no Brasil e que prefere não se identificar, o país deverá preservar o que ele chama de "fome tributária" (uma carga fiscal acima de 35% do PIB) sem atacar a questão dos custos do setor público.
Frederick Jasperson, diretor para a América Latina do IIE (Institute for International Economics), de Washington, tem uma visão intermediária.
Para ele, o Brasil ""tem grandes chances de entrar em um círculo virtuoso, de estabilidade econômica combinada com ações sociais". ""Mas para chegar lá o país terá de crescer muito, e o governo apenas começou a enfrentar os problemas que tem pela frente."


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