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CELSO PINTO
A Coca-Cola e
a reforma agrária
Neste mês, a Coca-Cola assinará, com grande alarde, um
contrato de fornecimento de
açúcar para sua fábrica em
Manaus. A razão: o açúcar virá de um assentamento da reforma agrária que terá tecnologia, assistência técnica, sementes e compras garantidas
pela Coca-Cola.
Prova de que os assentamentos da reforma agrária podem
dar certo. Existem vários outros exemplos positivos ao redor do Brasil, como a produção de melão para exportação
no Rio Grande do Norte.
No entanto, o próprio Incra,
responsável pela reforma
agrária, calcula que só 15%
dos assentamentos podem ser
considerados pleno sucesso.
Outros 15% estão falidos, e
70% estão numa zona cinzenta.
O presidente do Incra, Milton Seligman, é o primeiro a
defender a idéia de que não só
o programa de reforma agrária deve ser repensado, mas toda a política de desenvolvimento rural. Seligman assumiu o Incra em junho de 97 e
deve ir para a secretaria-executiva do programa Comunidade Solidária no segundo
mandato.
Sugestão sobre o que fazer
existe e está inscrita no programa do candidato Fernando
Henrique Cardoso com o nome ambicioso de "Novo Mundo Rural". A essência da idéia
é unir os esforços da reforma
agrária, que já assentou perto
de 400 mil famílias, com as políticas dirigidas à agricultura
familiar, que atingem 4 milhões de famílias.
Da integração dos esforços,
surgiriam programas de desenvolvimento rural em áreas
definidas, com um esforço
múltiplo, envolvendo de tecnologia e crédito a programas
de educação, saúde, cultura e
lazer.
Além disso, seria criado um
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Reforma
Agrária, com participação de
membros da sociedade civil.
Ele se desdobraria em conselhos estaduais e locais (pode
ser uma microrregião), que
operariam a partir de programas locais de desenvolvimento
rural. Quer dizer, além de descentralizar a operação, haveria participação direta dos interessados nas discussões e decisões.
Soa como uma boa nova
idéia para um novo mandato,
mas, até agora, não decolou.
Do ponto de vista institucional, um programa como esse
precisaria unir num teto dois
instrumentos.
De um lado, o Pronaf, o bem
sucedido programa de investimento na agricultura familiar, administrado pelo Ministério da Agricultura. De outro,
o ministério que administra a
reforma agrária e seus instrumentos, como o Procera, programa de crédito subsidiado
para assentamentos. Juntos, os
dois teriam um orçamento inicial expressivo, de R$ 4,5 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões
em créditos.
Do ponto de vista político,
trata-se de unir parte da Agricultura, ocupada pelo PPB de
Maluf, com a Reforma Agrária, presidida pelo ex-comunista, hoje PPS, Raul Jungmann. Só funcionaria com um
comando unificado por cima,
talvez ligado diretamente à
Presidência, mas nada foi feito
na montagem do segundo
mandato.
Seligman admite que a reforma agrária não pode ser um
fim em si mesmo. Tem de ser
um instrumento para integração econômica sustentável. Isso, ela jamais foi. O primeiro
assentamento foi feito há 14
anos, mas nem um único assentamento foi "emancipado",
porque a emancipação significaria fim do acesso a crédito
altamente subsidiado.
A idéia de concentrar esforços na agricultura familiar foi
inspirada em estudos de vários
economistas, como José Graziano (do PT), José Eli da Veiga, Ricardo Abramovai e Renato Maluf. Nos países desenvolvidos, diz Seligman, a agricultura familiar, integrada à
agroindústria competitiva, é a
base do setor e da formação de
uma classe média robusta.
No Brasil recente, a agricultura dominante foi a "patronal", com muita tecnologia e
pouco emprego. Mesmo assim,
num estado desenvolvido, como Santa Catarina, a agricultura familiar, integrada ao
mercado, responde por metade do produto agrícola.
O Incra, sozinho, não tem
"expertise" em nada que fuja
da agropecuária, diz Seligman. E o sucesso de um programa de desenvolvimento rural familiar depende também
do esforço em ampliar rendas
não agrícolas, como turismo,
preservação ambiental, serviços etc.
Além disso, o Incra, a seu ver,
teria que repensar os mecanismos de obtenção da terra. A
desapropriação acaba ficando
cara demais, porque gera indenizações que o Judiciário,
com frequência, aumenta em
três ou quatro vezes.
Ele defende um maior uso do
Banco da Terra, que financia
grupos que queiram comprar
terras e dá apoio posterior. Ou
os projetos "casulo", onde prefeituras entram com a terra, e
o Incra, com o apoio. Até mesmo alternativas de arrendamento poderiam ser interessantes.
Importante é que a reforma
agrária se apóie em contratos
por tempo determinado. O objetivo deve ser o da integração
produtiva, não o da dependência eterna.
A agenda de mudanças existe. Falta saber se haverá vontade política para implementá- la.
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