São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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JANIO DE FREITAS

Cenas brasileiras

A reviravolta eleitoral criada pelo "quase golpe" do Tribunal Superior Eleitoral, conduzido pelo ministro Nelson Jobim com a maestria de quem deixa as impressões digitais onde menos conviriam, tem efeitos muito mais complicados e vai se desdobrar em mais perturbações do que se considerou até agora.
As interpretações iniciais concentraram-se nos efeitos prováveis, para os já lançados candidatos à Presidência, da proibição de que os partidos façam, nos Estados, alianças diferentes das que tenham para a sucessão presidencial. Mas esta determinação do TSE produz efeitos em dois níveis com características completamente diferentes.
O primeiro é aquele mesmo, o da sucessão presidencial, vendo-se já, por exemplo, que um candidato como Anthony Garotinho, à frente de José Serra nas pesquisas e com impulso para progredir, foi posto sob a ameaça de ter cassadas as suas possibilidades. Só permanecerá na disputa se obtiver a difícil coligação em âmbito nacional. Já o PMDB e o PTB passaram a valer ouro, para quem os quer como coligados, e sabe-se quanto e como as cúpulas desses dois partidos apreciam estar valorizadas.
No outro nível de efeitos da mudança de regras, estabeleceu-se uma balbúrdia inestimável. Se houvesse terremoto político, seria assim. Todos os encaminhamentos para as disputas de sucessão estadual estão invalidados. Parlamentares que trabalham há anos na montagem de articulações partidárias, para embasar suas candidaturas ao governo estadual, perderam o trabalho e, na maioria, o direito de manter a candidatura. Como a eleição de governador é o pólo gerador da política estadual, talvez se venha a constatar, em futuro não muito distante, que a política nacional foi muito mais subvertida pelo TSE por seus efeitos nos Estados todos do que na sucessão presidencial.
O velho MDB, um momento de dignidade na política nacional, sofreu muito esse tipo de arbitrariedade que utiliza o poder para modificar a disputa eleitoral, mas, hoje, são ex-emedebistas os autores do mesmo arbítrio e os seus defensores.
A tentativa de sondar tendências, mesmo que apenas em relação às regras eleitorais que prevalecerão, por ora só conduz a fracasso. Os parlamentares prejudicados em seus projetos eleitorais ainda precisam demonstrar se têm, ou não, a força necessária para obter dos respectivos partidos alguma atitude legislativa ou judicial. Nos tribunais, inclusive no TSE mesmo, também não se encontra resposta final nem sobre o alcance da nova regra, que precisará passar por novas decisões -cujas cartas dificilmente estariam mais intactas que as da decisão precedente.
E convenhamos que a semana do "quase golpe" teve um fecho à sua altura, com a invasão da Polícia Federal a um escritório do marido da candidata-governadora Roseana Sarney, Jorge Murad. Pelas informações iniciais, se a PF deixou por lá a toalha do banheiro e o papel higiênico, terá sido muito. O exame dos computadores e documentos apreendidos, para verificar a suspeita de envolvimento de Murad com desvios na Sudam (caso de Jader Barbalho), não é tarefa rápida, o que acrescenta mais uma incógnita de longa duração à disputa pela Presidência.
Desde o governo Sarney, Jorge Murad tem imagem onerada por comentários negativos. É nele que está a principal reserva perceptível em parte do empresariado, principalmente de São Paulo, à candidatura de Roseana Sarney. Se confirmada a suspeita que acionou a PF, a candidatura de Roseana estará liquidada e o PFL, tal como a governadora fez com Murad, casa-se outra vez com o PSDB de José Serra, depois de breve divórcio. Se as suspeitas não se confirmarem, a investigação será publicamente vista como jogo eleitoral sujo e a idéia de perseguição ganha o status de poderoso marketing.
Esqueçamos aquelas pesquisas, esqueçamos as candidaturas já postas, tudo volta ao início. E esqueçamos, para suportar, que o país em que até a sucessão presidencial exibe cenas tão deprimentes é o nosso, mesmo.


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