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ELEIÇÕES 2002
Diretores discutem credibilidade de levantamentos realizados na esteira da exposição maciça de presidenciáveis na televisão
Pesquisa-alavanca põe institutos na berlinda
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
A sete meses das eleições, o
questionamento aos institutos de
pesquisa ameaça tomar a forma
de nova CPI e avança do exame
dos números para um debate sobre a natureza e o objetivo dos levantamentos de intenção de voto.
Desde sempre comparadas a
um retrato, as pesquisas, na atual
campanha, têm funcionado também como alavanca, parte de uma
engrenagem que prevê exposição
maciça do candidato na TV, coleta de dados subsequente para potencializar o resultado e alarde do
desempenho positivo na aparição
televisiva seguinte.
"Mantendo a analogia do retrato, é como fotografar várias modelos privilegiando o melhor ângulo de uma delas", diz Mauro
Francisco Paulino, 41, diretor-geral do Datafolha. Para o sociólogo,
o que alguns institutos fizeram
depois de programas dos pré-candidatos Roseana Sarney (PFL)
e Anthony Garotinho (PSB) "é
uma deturpação do instrumento
representado pelas pesquisas".
Embora frise que os levantamentos do Ibope, encomendados
pela Confederação Nacional da
Indústria, foram agendados há
mais de ano e portanto não obedecem a conveniências partidárias, o presidente-executivo do
grupo discorda de Paulino.
"Se formos pensar assim, estariam impedidas as pesquisas da
semana passada, porque pegaram
toda a mídia do lançamento de
José Serra", afirma Carlos Augusto Montenegro, 48. "O pré-candidato do PSDB terá um programa
na quarta-feira. Tenho certeza absoluta de que sua campanha providenciará pesquisa em seguida."
No centro da discussão sobre
calendário está o Sensus, um dos
primeiros institutos a detectar o
crescimento de Roseana. "Não
acredito muito nessa versão estritamente marqueteira da pesquisa", diz Ricardo Guedes, 52, diretor da empresa de Belo Horizonte.
"Desta vez, entramos em campo
logo depois de o Serra lançar sua
candidatura. Teve uma exposição
de mídia enorme e subiu apenas
dois pontos percentuais."
Guedes considera "absurdo"
atribuir a proximidade de datas
entre programas da governadora
do Maranhão e pesquisas do Sensus ao fato de que a contratante
do levantamento é a Confederação Nacional dos Transportes, cujo presidente, Clesio Andrade, dirige também o PFL de Minas.
Lembra que há mais semelhanças do que diferenças entre os números dos institutos. "O Datafolha confirmou nosso resultado."
"Num mundo ideal, a pesquisa
teria de neutralizar efeitos conjunturais para ser o mais equilibrada possível", opina o sociólogo Marcos Coimbra, 51, diretor
do Vox Populi, outro instituto de
Belo Horizonte.
"Agora, esse mundo ideal não
existe no caso de empresas que
atuam comercialmente. Se você
for contratado para ir a campo no
dia seguinte ao programa do Serra, você vai, a menos que seja um
instituto que em eleições só trabalhe para a imprensa, como é o caso do Datafolha."
Corrida de cavalos
A situação descrita por Coimbra
é outro item da lista de explicações cobradas dos institutos. No
entender de Paulino, há conflito
de interesses em prestar serviços
simultaneamente para políticos e
veículos de comunicação. "Quando você atende um cliente, torna-se parceiro. Imagino que os funcionários de instituto que trabalhe para uma campanha de alguma forma se envolvam com ela."
Outro problema, segundo o diretor-geral do Datafolha, são as
datas dos campos, especialmente
quando a campanha se aproxima
do final. "Como fica o instituto
que faz pesquisa para consumo
interno de um candidato e no
mesmo dia tem de fazer outra para ser divulgada?", pergunta. "Usa
a mesma? Faz duas no mesmo
dia? E se o resultado não for exatamente igual, o que é o mais provável devido à margem de erro?"
Coimbra pensa de outra forma.
"Quase sempre, pesquisas para
candidato e para veículo são diferentes", explica. "Hoje, a aferição
de intenção de voto está disponível para todo mundo. O que as
campanhas querem são levantamentos, qualitativos ou mesmo
quantitativos, com um outro tipo
de questionário, que tem muito
mais relação com possibilidades,
alternativas, percepções do eleitorado. Não é a corrida de cavalos."
O diretor do Vox Populi acredita, no entanto, que a tendência no
médio prazo é a especialização. O
trabalho para candidatos passaria
a ser feito por empresas menores,
que usam facilidades operacionais terceirizadas.
"Assim como é tendência que
cada empresa venha a trabalhar
com um só partido, como ocorre
em outros países", acrescenta.
Seleção natural
O público desconfia das pesquisas, diz pesquisa. Segundo divulgou o Datafolha no final do ano
passado, 39% dos eleitores acham
que elas não são confiáveis -em
1994, 23% pensavam assim. Cresceu também o percentual dos que
culpam os institutos pelo que
consideram manipulação dos dados. Eram 16% antes. Hoje, com
30% das menções, as empresas
aparecem no topo das queixas, à
frente dos políticos.
"Em parte", avalia Paulino, "o
questionamento é resultado da
importância que a pesquisa adquiriu no processo eleitoral." Mas
ele vê outros dois motivos para o
ceticismo. "O primeiro é que ainda falta transparência em mostrar
os limites do instrumento", diz.
"O segundo é a atitude de alguns
institutos. Na medida em que
seus dirigentes dão declarações
emocionais, apostando neste ou
naquele candidato, prejudicam a
imagem de todos."
Para Guedes, a questão da credibilidade se resolve numa espécie
de seleção natural: "Os institutos
são julgados a cada eleição. Quem
acerta, fica; quem erra, sai".
Coimbra acha que o problema
não é específico dos institutos
-"faz parte da desconfiança genérica e difusa da população em
relação a tudo o que diz respeito
ao sistema político"- nem do
Brasil -"existe um questionamento internacional, paralelo ao
aumento da utilização de pesquisas como insumo do jornalismo".
Ele cita estudo segundo o qual
70% da cobertura da eleição presidencial de 2000 nos EUA foi movida a pesquisas. Aqui, imagina,
mapeamento desse gênero chegaria a conclusão semelhante.
"O Ibope tem um índice de
acerto de 96%", reage Montenegro diante de perguntas sobre este
ou aquele resultado polêmico.
"Talvez já tenhamos feito umas 10
mil pesquisas, com 70 mil ou 80
mil prognósticos, um para cada
candidato. Não é só saber quanto
teve o vencedor ou quem foi para
o segundo turno. Mas o eleitor e
grande parte da imprensa não estão interessados em todos esses
números."
As declarações de Coimbra e
Montenegro mostram que os institutos não estão dispostos a carregar o ônus sem dividi-lo com a
responsável pela reverberação das
pesquisas. "A maioria da imprensa se acomodou em esperar por
elas e perguntar aos políticos o
que acham dos resultados", afirma o dirigente do Ibope.
"São excessivos o destaque e a
centimetragem dados a isso", opina o diretor do Vox. Nas contas de
Coimbra, a primeira rodada de
pesquisas desta sucessão presidencial foi feita em março de 1999,
dois meses depois da posse de
FHC para o segundo mandato.
"Nós todos estamos pesquisando
esta eleição há mais de três anos."
Paulino vê com preocupação "a
necessidade da mídia de encontrar notícia a cada pesquisa".
Curvas parecidas
À desconfiança do público se
junta a tentativa de ressuscitar no
Senado a CPI das pesquisas -a
anterior, mista, surgiu na esteira
da eleição de 1998 e não prosperou. O novo pedido, do senador
Sebastião Rocha (PDT-AP), baseia-se em "indícios de manipulação" nos levantamentos feitos em
seis municípios no pleito de 2000.
Rocha considera que seria
oportuno investigar o trabalho
dos institutos "antes de uma eleição e não depois".
Os institutos olham de lado. "A
tentativa anterior teve caráter
mais vindicativo do que investigativo", diz Coimbra. Para Guedes, "nada havia de concreto".
Paulino acha que a CPI poderia
representar boa oportunidade para esclarecer uma série de dúvidas
que a sociedade tem em relação às
pesquisas, desde não fosse usada
"como instrumento político para
criar constrangimentos à divulgação de resultados".
Para Marcus Fiegueiredo, pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro), há mais "ciumeira" do
que substância nas queixas dos
políticos. "As curvas das pesquisas têm sido parecidas. Não tem
aparecido tanta discrepância."
Colaboraram VINICIUS PRECIOSO, da
Redação, e a Sucursal de Brasília
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