São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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ELEIÇÕES 2002

Diretores discutem credibilidade de levantamentos realizados na esteira da exposição maciça de presidenciáveis na televisão

Pesquisa-alavanca põe institutos na berlinda

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

A sete meses das eleições, o questionamento aos institutos de pesquisa ameaça tomar a forma de nova CPI e avança do exame dos números para um debate sobre a natureza e o objetivo dos levantamentos de intenção de voto.
Desde sempre comparadas a um retrato, as pesquisas, na atual campanha, têm funcionado também como alavanca, parte de uma engrenagem que prevê exposição maciça do candidato na TV, coleta de dados subsequente para potencializar o resultado e alarde do desempenho positivo na aparição televisiva seguinte.
"Mantendo a analogia do retrato, é como fotografar várias modelos privilegiando o melhor ângulo de uma delas", diz Mauro Francisco Paulino, 41, diretor-geral do Datafolha. Para o sociólogo, o que alguns institutos fizeram depois de programas dos pré-candidatos Roseana Sarney (PFL) e Anthony Garotinho (PSB) "é uma deturpação do instrumento representado pelas pesquisas".
Embora frise que os levantamentos do Ibope, encomendados pela Confederação Nacional da Indústria, foram agendados há mais de ano e portanto não obedecem a conveniências partidárias, o presidente-executivo do grupo discorda de Paulino.
"Se formos pensar assim, estariam impedidas as pesquisas da semana passada, porque pegaram toda a mídia do lançamento de José Serra", afirma Carlos Augusto Montenegro, 48. "O pré-candidato do PSDB terá um programa na quarta-feira. Tenho certeza absoluta de que sua campanha providenciará pesquisa em seguida."
No centro da discussão sobre calendário está o Sensus, um dos primeiros institutos a detectar o crescimento de Roseana. "Não acredito muito nessa versão estritamente marqueteira da pesquisa", diz Ricardo Guedes, 52, diretor da empresa de Belo Horizonte. "Desta vez, entramos em campo logo depois de o Serra lançar sua candidatura. Teve uma exposição de mídia enorme e subiu apenas dois pontos percentuais."
Guedes considera "absurdo" atribuir a proximidade de datas entre programas da governadora do Maranhão e pesquisas do Sensus ao fato de que a contratante do levantamento é a Confederação Nacional dos Transportes, cujo presidente, Clesio Andrade, dirige também o PFL de Minas.
Lembra que há mais semelhanças do que diferenças entre os números dos institutos. "O Datafolha confirmou nosso resultado."
"Num mundo ideal, a pesquisa teria de neutralizar efeitos conjunturais para ser o mais equilibrada possível", opina o sociólogo Marcos Coimbra, 51, diretor do Vox Populi, outro instituto de Belo Horizonte.
"Agora, esse mundo ideal não existe no caso de empresas que atuam comercialmente. Se você for contratado para ir a campo no dia seguinte ao programa do Serra, você vai, a menos que seja um instituto que em eleições só trabalhe para a imprensa, como é o caso do Datafolha."

Corrida de cavalos
A situação descrita por Coimbra é outro item da lista de explicações cobradas dos institutos. No entender de Paulino, há conflito de interesses em prestar serviços simultaneamente para políticos e veículos de comunicação. "Quando você atende um cliente, torna-se parceiro. Imagino que os funcionários de instituto que trabalhe para uma campanha de alguma forma se envolvam com ela."
Outro problema, segundo o diretor-geral do Datafolha, são as datas dos campos, especialmente quando a campanha se aproxima do final. "Como fica o instituto que faz pesquisa para consumo interno de um candidato e no mesmo dia tem de fazer outra para ser divulgada?", pergunta. "Usa a mesma? Faz duas no mesmo dia? E se o resultado não for exatamente igual, o que é o mais provável devido à margem de erro?"
Coimbra pensa de outra forma. "Quase sempre, pesquisas para candidato e para veículo são diferentes", explica. "Hoje, a aferição de intenção de voto está disponível para todo mundo. O que as campanhas querem são levantamentos, qualitativos ou mesmo quantitativos, com um outro tipo de questionário, que tem muito mais relação com possibilidades, alternativas, percepções do eleitorado. Não é a corrida de cavalos."
O diretor do Vox Populi acredita, no entanto, que a tendência no médio prazo é a especialização. O trabalho para candidatos passaria a ser feito por empresas menores, que usam facilidades operacionais terceirizadas.
"Assim como é tendência que cada empresa venha a trabalhar com um só partido, como ocorre em outros países", acrescenta.

Seleção natural
O público desconfia das pesquisas, diz pesquisa. Segundo divulgou o Datafolha no final do ano passado, 39% dos eleitores acham que elas não são confiáveis -em 1994, 23% pensavam assim. Cresceu também o percentual dos que culpam os institutos pelo que consideram manipulação dos dados. Eram 16% antes. Hoje, com 30% das menções, as empresas aparecem no topo das queixas, à frente dos políticos.
"Em parte", avalia Paulino, "o questionamento é resultado da importância que a pesquisa adquiriu no processo eleitoral." Mas ele vê outros dois motivos para o ceticismo. "O primeiro é que ainda falta transparência em mostrar os limites do instrumento", diz. "O segundo é a atitude de alguns institutos. Na medida em que seus dirigentes dão declarações emocionais, apostando neste ou naquele candidato, prejudicam a imagem de todos."
Para Guedes, a questão da credibilidade se resolve numa espécie de seleção natural: "Os institutos são julgados a cada eleição. Quem acerta, fica; quem erra, sai".
Coimbra acha que o problema não é específico dos institutos -"faz parte da desconfiança genérica e difusa da população em relação a tudo o que diz respeito ao sistema político"- nem do Brasil -"existe um questionamento internacional, paralelo ao aumento da utilização de pesquisas como insumo do jornalismo".
Ele cita estudo segundo o qual 70% da cobertura da eleição presidencial de 2000 nos EUA foi movida a pesquisas. Aqui, imagina, mapeamento desse gênero chegaria a conclusão semelhante.
"O Ibope tem um índice de acerto de 96%", reage Montenegro diante de perguntas sobre este ou aquele resultado polêmico. "Talvez já tenhamos feito umas 10 mil pesquisas, com 70 mil ou 80 mil prognósticos, um para cada candidato. Não é só saber quanto teve o vencedor ou quem foi para o segundo turno. Mas o eleitor e grande parte da imprensa não estão interessados em todos esses números."
As declarações de Coimbra e Montenegro mostram que os institutos não estão dispostos a carregar o ônus sem dividi-lo com a responsável pela reverberação das pesquisas. "A maioria da imprensa se acomodou em esperar por elas e perguntar aos políticos o que acham dos resultados", afirma o dirigente do Ibope.
"São excessivos o destaque e a centimetragem dados a isso", opina o diretor do Vox. Nas contas de Coimbra, a primeira rodada de pesquisas desta sucessão presidencial foi feita em março de 1999, dois meses depois da posse de FHC para o segundo mandato. "Nós todos estamos pesquisando esta eleição há mais de três anos."
Paulino vê com preocupação "a necessidade da mídia de encontrar notícia a cada pesquisa".

Curvas parecidas
À desconfiança do público se junta a tentativa de ressuscitar no Senado a CPI das pesquisas -a anterior, mista, surgiu na esteira da eleição de 1998 e não prosperou. O novo pedido, do senador Sebastião Rocha (PDT-AP), baseia-se em "indícios de manipulação" nos levantamentos feitos em seis municípios no pleito de 2000.
Rocha considera que seria oportuno investigar o trabalho dos institutos "antes de uma eleição e não depois".
Os institutos olham de lado. "A tentativa anterior teve caráter mais vindicativo do que investigativo", diz Coimbra. Para Guedes, "nada havia de concreto".
Paulino acha que a CPI poderia representar boa oportunidade para esclarecer uma série de dúvidas que a sociedade tem em relação às pesquisas, desde não fosse usada "como instrumento político para criar constrangimentos à divulgação de resultados".
Para Marcus Fiegueiredo, pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), há mais "ciumeira" do que substância nas queixas dos políticos. "As curvas das pesquisas têm sido parecidas. Não tem aparecido tanta discrepância."


Colaboraram VINICIUS PRECIOSO, da Redação, e a Sucursal de Brasília



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