São Paulo, sexta, 3 de abril de 1998

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JANIO DE FREITAS
O tempo das dengues

No mesmo ritmo em que a temperatura decline, por força do outono e, depois, do inverno, o ciclo da dengue também entrará na fase de declínio, com intensidade mais nítida nos Estados do Sudeste, Sul e Centro. As estatísticas dos surtos anteriores de dengue sugerem que em mais uns 30 dias, ou começos de maio, os registros de novos casos já mostrem queda.
A única ressalva dos pesquisadores sanitaristas é para a eventualidade de que El Niño altere o movimento habitual da temperatura nesta fase do ano, fazendo-a mais aquecida por umas semanas. Isso, no entanto, apenas retardaria um pouco o declínio da dengue pela má convivência do seu mosquito com a friagem.
O Ministério da Saúde, por sua vez, ainda não deixou de conviver amistosamente com o seu "inimigo", como o define José Serra. Vejamos se não é assim.
Percorrer mil quilômetros de Brasília ao Rio para posar fazendo uns furinhos em duas latas vadias, sem qualquer outro propósito ou resultado na primeira viagem ministeriosa de Serra, pode ser considerado um ato de suprema demagogia, como não se via desde os tempos de Adhemar de Barros e similares, ou simplesmente como um papelão.
Fico com a segunda hipótese, em parte porque a demagogia, mesmo quando grotesca, é um modo de fazer política -à brasileira, é verdade. O papelão é ele e nada mais. É o que acontece quando um ministro despende um dia inteiro e viaja mil quilômetros, com todos os custos de mordomias e outros aí envolvidos, e não percorre os 13 quilômetros que o separavam de uma iniciativa merecedora, ela sim, de exame como possível solução contra a proliferação da dengue.
Em Niterói, a meiga, estão reunidos os dados que levaram sua aplaudida administração municipal a importar um inseticida específico para o mosquito da dengue. Criado por cientistas cubanos, como muitos outros produtos de êxito internacional, o inseticida permitiu a erradicação da dengue em Cuba, onde era persistente já por tradição desde o sul dos Estados Unidos e pelo Caribe abaixo.
Seria nacional o proveito de uma experiência conjunta, no uso do inseticida, do Ministério da Saúde com Niterói, a heróica. Mas José Serra quis empregar o seu primeiro dia de ministro para posar fazendo uns furinhos em latas velhas. Cena só comparável à de Fernando Henrique Cardoso, no começo da governo, ir de Brasília ao interior da Bahia para posar como se desse uma aula a crianças da escola municipal.



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