São Paulo, sexta-feira, 03 de junho de 2005

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TOMA LÁ, DÁ CÁ

Deputado pede à Petrobras que compre álcool da empresa do presidente da CNI, acusada de usar trabalho escravo

Severino faz lobby a favor de usina de amigo

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), contatou diretamente empresários do setor de combustíveis para tentar favorecer a usina de álcool da família do deputado federal Armando Queiroz (PTB-PE), incluída na lista dos empregadores que se utilizam do trabalho escravo do Ministério do Trabalho.
Anteontem à noite, Severino telefonou para a Petrobras e para o Sindicom (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes) perguntando se as distribuidoras poderiam voltar a comprar álcool da destilaria.
Há duas semanas, as distribuidoras de combustível pararam de encomendar álcool da destilaria Gameleira, em razão do acordo firmado com o Instituto Ethos, em 19 de maio, para combate ao trabalho escravo no país.
Cerca de 80 empresas e entidades, segundo o presidente do Ethos, Oded Grajew, já aderiram ao pacto de não comprar produtos de fazendas e empresas que estejam na chamada "lista suja" do Ministério do Trabalho. A Petrobras foi uma das empresas que encabeçaram o movimento.
Procurado pela Folha, Severino Cavalcanti confirmou os telefonemas. Por meio de sua assessoria, disse que fez as ligações a pedido de um deputado conterrâneo. "Ele ligou realmente. Um deputado, que ele não vai dizer quem é, queria saber por que a Petrobras tinha parado de comprar álcool da destilaria", disse a assessoria da presidência da Câmara.
Segundo o chefe da assessoria de imprensa, Antônio Beluco Marra, Cavalcanti é "radicalmente contra o trabalho escravo" e a iniciativa teria sido apenas um favor feito a um amigo.
O deputado seria Armando Queiroz, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria). A assessoria da CNI disse que a usina é de um irmão de Queiroz e sugeriu que a reportagem ligasse para o superintendente da destilaria, Eduardo Queiroz, em Pernambuco, que não atendeu aos telefonemas da Folha.
Segundo o Ministério do Trabalho, a destilaria Gameleira possui um longo histórico de infrações, tendo sido autuada três vezes por manter trabalhadores em condição análoga à de escravos.
A empresa foi incluída na lista de empregadores que fazem uso de trabalho escravo em novembro do ano passado, o que a impede de obter empréstimos em instituições de crédito públicas.

Liminar
No dia 11 do mês passado, o juiz da 7ª Vara do Trabalho de Brasília, Oswaldo Neme Júnior, concedeu liminar à empresa para ser excluída da lista do Ministério do Trabalho, até o julgamento do mérito da ação judicial, em que ela contesta a punição aplicada pelo governo.
Segundo a Folha apurou, Severino Cavalcanti telefonou para as distribuidoras para saber se o embargo contra a destilaria poderia ser retirado em razão da liminar judicial. As empresas argumentaram que só tomariam tal decisão autorizadas pelo Ministério do Trabalho.
A iniciativa do presidente da Câmara repercutiu mal. Os empresários se sentiram constrangidos com Severino fazendo lobby explícito para uma empresa que havia sido punida sob acusação de envolvimento com trabalho escravo.
De acordo com o Ministério do Trabalho, 272 trabalhadores foram libertados da destilaria Gameleira, na zona rural de Confresa (MT) por estarem em condição análoga à de escravos, em setembro de 2003.
Foi a terceira autuação por esse motivo. Em março de 97, foram retirados 45 trabalhadores e janeiro de 2001, foram 76 retirados nas mesmas condições.


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