São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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ELIO GASPARI

Mensagem de jk@peixevivo.org.br

Estimado Lula,
Estive hoje com o dr. Getúlio. Ele deveria assinar esta mensagem comigo, mas, desde 1954, se recusa tanto a escrever cartas como a atirar. Acreditamos que lhe devemos uma ajuda. O distinto líder popular tem uma propensão para festejar o fracasso e uma dificuldade para antever o sucesso.
Ambos temos grande admiração pelo senhor. Vargas considera-se responsável pela sua vinda para São Paulo. Exagero dele. É verdade que sua mãe lhe trouxe de Pernambuco em 1952, mas eu sustento que sem o meu programa de metas, que duplicou a produção da indústria de base brasileira, o senhor ainda estaria vendendo tapioca no Ipiranga. De qualquer maneira, sem o dr. Getúlio e este seu amigo e admirador, o Brasil não teria metalúrgicos. Ambos acreditamos que temos algum crédito quando um ex-operário disputa a Presidência da República.
Aqui onde estamos é proibido enganar os outros, e isso nos leva a dizer a verdade: temos horror a esse negócio que estão fazendo por aí. O Getúlio chora quando lembra que venderam Volta Redonda. Outro dia o Franklin Roosevelt, de quem ele arrancou a usina, disse que, se fosse para vendê-la, não a teria dado ao governo brasileiro. Eu choro quando lembro que venderam a Usiminas a troco de uma papelada podre saída do meu pólo naval falido.
Nossa recomendação é simples: abandone o fracasso, ele é contagioso. Afaste-se da ruína de FFHH. Pare de falar que as coisas deram, dão e darão errado. Fale só daquilo que dará certo no seu governo. Veja o caso do Carlos Lacerda. Ele vivia do fracasso alheio. Foi um grande governador da Guanabara, e ninguém se lembra disso. Só se lembram das malfeitorias que fez ao dr. Getúlio e a mim. Faço-lhe uma inconfidência: o "Carlos" não está mais aqui. Meteu-se numa encrenca e foi transferido.
O prezado amigo tem uma paixão incompreensível pelo fracasso alheio. Colecionamos dois exemplos e gostaríamos que refletisse sobre ambos.
Em agosto de 1998, na sua última campanha, o governo dizia que o desemprego estava acabando. O ministro do Trabalho chegou a anunciar que não havia crise de desemprego, mas de "empregabilidade", e seus adversários comemoraram uma melhoria dos índices. Quando a percentagem de desempregados foi a 19% na Grande São Paulo, o senhor disse que "como Deus é grande, e ainda não foi privatizado, o desemprego subiu". No mesmo dia corrigiu-se, dizendo que cometera um ato falho. Vá lá.
Outro dia, depois do jogo contra a Bélgica, o amigo resolveu atacar o ministro Pedro Malan e disse que "os fundamentos do futebol para o Felipão são mais ou menos iguais ao fundamento da economia do Malan: todo mundo sabe o que tem que fazer e não faz". E agora?
Se a analogia é procedente, o Malan vai desfilar em carro aberto segurando uma caveira e será aplaudido, porque nosso querido povo festejará ainda por muito tempo qualquer coisa que esteja ligada ao Felipão. O amigo dava um tiro fácil no ministro, associando-se equivocadamente a um eventual fracasso da seleção. Para quê? Se o Brasil ganhasse, Lula perdia. E, se o Brasil perdesse, Lula não ganhava.
Dr. Getúlio está particularmente preocupado com essa sua postura. Com aquela lógica fria, sustenta que o gênero humano produz mais fracassos do que sucessos. Portanto, se um cidadão sai por aí dizendo que as coisas vão dar errado, acabará acertando mais do que errando. Apesar disso, ninguém haverá de segui-lo, porque esse mesmo gênero humano não busca a precisão de julgamento, mas o êxito. Segue a esperança. Torce por uma seleção que perdeu para Honduras e vive a delícia da vida ao ver que a Copa é nossa. Outro dia jantamos com o Churchill. Ele nos contou que assumiu o governo inglês convencido de que seu exército seria dizimado em Dunquerque. Prometeu sangue, suor, lágrimas e trabalho duro para a vitória, não para azucrinar o fracasso de seus amigos conservadores.
Veja o que eu disse na fundação de Brasília: "Deste planalto central, desta imensidão, que em breve se transformará no cérebro das altas decisões nacionais, lanço os meus olhos sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino".
Anteveja, Lula.
Despeço-me do ilustre patrício, pois vou levar o Garrincha para jantar com o dr. Getúlio. Aquele garoto, como você, tinha tudo para dar errado. Chegou a um grande destino porque teve uma fé inquebrantável e uma confiança sem limites nas suas pernas tortas.



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