São Paulo, sexta-feira, 03 de agosto de 2001

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Partido de Blair quer atrair PT para Terceira Via

DO COLUNISTA DA FOLHA

No congresso que realizará a partir de 30 de setembro, o Partido Trabalhista britânico receberia de braços abertos Luiz Inácio Lula da Silva, o líder do PT, partido que faz parte da "grande família da esquerda moderna".
Palavra de Denis MacShane, deputado trabalhista e subsecretário de Estado que, entre outras áreas, responde pela América Latina no Foreign Office, o Ministério britânico de Relações Exteriores.
MacShane fez parte da comitiva do primeiro-ministro Tony Blair na visita ao Brasil e à Argentina. Foi durante a visita que Lula classificou de "blefe" a defesa da abertura comercial européia feita por Blair na presença do presidente Fernando Henrique Cardoso.
MacShane conheceu Lula ainda líder sindical, quando as greves no ABC paulista tinham apoio do movimento sindical internacional, de que o britânico participou.
MacShane não diz com todas as letras, mas insinua que Lula (ou algum representante do PT) se beneficiaria com a troca de idéias e experiências que ocorre nos congressos do gênero, embora faça questão de dizer que a chamada Terceira Via, marca registrada de Tony Blair, "não é a única via".
Blair, ao tomar a liderança trabalhista na antevéspera da eleição de 1997, cunhou a expressão Terceira Via para designar a busca de um modelo que fugisse tanto do liberalismo puro e duro como das antigas tendências estatizantes da social-democracia convencional.
É aos envolvidos nessa busca que Blair e seus seguidores rotulam de "esquerda moderna".
Se tem braços abertos para o PT em seu congresso, o trabalhismo britânico não esconde que continua casado, e bem, com FHC. MacShane conta que Blair ficou literalmente encantado ao saber que alguém da "qualidade intelectual" de FHC chegou, por outros caminhos, às mesmas conclusões que ele sobre a necessidade de reformar a social-democracia.
Esse encantamento se traduziu concretamente no fato de FHC ter sido um dos primeiros governantes convidados para as cúpulas da Terceira Via, primeiro em Florença (Itália) e, mais recentemente, em Berlim. A terceira será em setembro, em Estocolmo (Suécia).
Nos encontros em Brasília, São José dos Campos e Foz do Iguaçu, entre Blair e FHC, o encantamento só aumentou. Entre outros motivos, porque Blair põe a maior ênfase de sua gestão na educação.
MacShane relata que, ao assumir, Blair encontrou 7 milhões de britânicos que, embora tivessem passado pela escola, eram incapazes de ler as instruções de uma bula de remédio ou de calcular quanto receberiam de troco se pagassem uma compra de 0,86 pence (centavos) com uma moeda de 1 libra. O governo conservador que o antecedeu não se preocupava com o problema, por entender que a solução estava no ensino privado -claro que ao alcance apenas de quem pudesse pagar.
Blair, ao contrário, apostou na comunidade de produtores de educação (rótulo sofisticado, típico da linguagem "blairista", para professores e diretores de escolas). Passou a cobrar desempenho deles, medido em testes aplicados às crianças. Revoltou os professores, mas agradou aos pais.
MacShane atribui em grande medida ao esforço na educação o fato de Blair ter sido reeleito (neste ano), rompendo uma tradição que impunha aos trabalhistas o exercício de apenas um mandato.
O governo FHC também introduziu os testes educacionais, igualmente para revolta dos professores (e de parte do alunado).
O tema educação terá espaço importante na agenda da terceira cúpula da Terceira Via, agora rebatizada para "Governança Progressista", porque os socialistas franceses, também participantes, vetaram o rótulo criado por Blair.
O esforço educacional tem a ver também com os conceitos de social-democracia com que lida o novo trabalhismo britânico.
"A classe trabalhadora, quando não trabalha, deixa de ser uma classe", diz MacShane, no que parece um jogo de palavras, mas faz algum sentido. Sem emprego, o trabalhador começa a deixar de pertencer a um coletivo para criar uma cultura de dependência, no caso em relação ao subsídio estatal para o desempregado.
"Não acredito que a social-democracia possa coexistir com desemprego em massa", diz o deputado. É um conceito que pode valer para a Europa, área em que a social-democracia tem ou teve base social na classe trabalhadora.
Já a social-democracia brasileira, versão tucana, nutre-se muito mais da intelectualidade e, agora, de novos setores empresariais do que dos trabalhadores.



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