São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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DIPLOMACIA

Secretário de Estado chega amanhã a São Paulo

Brasil discute com Powell suspeitas dos EUA sobre o programa nuclear

Gregory Bull - 23.set.2004/Associated Press
O secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, que chega amanhã


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O secretário norte-americano de Estado Colin Powell inicia amanhã, por São Paulo, uma visita ao Brasil que as duas partes imaginam ser de extrema cordialidade, mas com a predisposição do governo brasileiro de não aceitar ser tratado, na questão nuclear, com a mesma suspeição que cerca o programa do Irã e o da Coréia do Norte.
O ponto da discórdia gira em torno da inspeção visual na usina de Resende (RJ) por parte dos técnicos da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
É nessa usina que se faz o enriquecimento de urânio, para fins pacíficos, segundo o governo brasileiro. O Brasil alega que a inspeção visual permitiria descobrir os segredos tecnológicos que o país desenvolveu. Os EUA, mesmo sem contestar as finalidades pacíficas do programa brasileiro, acham que a negativa de permitir a inspeção visual é um mau exemplo, quando há problemas com o Irã e com a Coréia do Norte (cujo programa tem fins militares).
O chanceler Celso Amorim rebate com uma comparação com as CPIs do Congresso: "Quando tem alguém sob suspeita, sem discutir se a suspeita é ou não justa, você abre a conta dele. Mas, quando não se justifica a suspeita, como é o caso do Brasil, tem que usar métodos mais suaves". As autoridades brasileiras adiantam mais dois argumentos para rejeitar qualquer tipo de suspeição:
1) "O Brasil é talvez o único país do mundo no qual a finalidade pacífica do programa nuclear está protegida constitucionalmente", diz Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático do presidente.
2) "Para o enriquecimento de urânio [que é o caminho para atingir eventualmente armas nucleares], é preciso investimento, que só pode vir do exterior. É óbvio que só virá se a finalidade pacífica estiver cercada de todas as garantias", afirma Celso Amorim.
Dadas essas garantias, o Brasil considera que é um exagero insistir na inspeção visual. "Nunca dissemos que não aceitaríamos a inspeção visual. O problema é o momento oportuno e a negociação correta sobre como fazê-la", afirma Amorim.
A discórdia sobre a inspeção visual do programa nuclear não é suficiente para mudar o caráter extremamente "fluído" das relações Brasil/EUA, para usar expressão de Marco Aurélio Garcia.
O único outro ponto de real discórdia é o comércio ou mais exatamente as negociações comerciais globais (no âmbito da OMC) ou regionais (a Álca). Mas essa área não é de responsabilidade de Powell e, portanto, se entrar nas conversas, será marginalmente.
Como não foi feita uma agenda prévia para a visita, a pauta será livre, mas há alguns temas óbvios:
1) Conselho de Segurança das Nações Unidas - O Brasil está em vigorosa campanha para ter o direito a um assento de membro permanente nessa instância. Potências como Alemanha e Japão acabam de dar suporte à pretensão brasileira, que, devolveu a cortesia a japoneses e alemães. Os EUA fazem silêncio a respeito. Mas o movimento de Alemanha, Brasil, Japão (e também Índia) acelerou a discussão, com o surgimento de novas candidaturas (Indonésia e Nigéria) e o veto chinês ao Japão. Logo, há atualidade para tratar do tema com Powell.
2) Venezuela - Brasil e EUA fazem parte do grupo de países que ajudou a evitar o pior no país (guerra civil). Mas a acomodação após o plebiscito que garantiu a permanência de Hugo Chávez no poder não é o fim da história. A diplomacia brasileira insistiu com Powell para que os EUA segurassem os radicais oposicionistas. Foi atendida. É razoável imaginar que o pedido seja reiterado para evitar que o processo desande.
3) Haiti - O Brasil vai lembrar que os 2.500 soldados da força de paz, comandada pelo Brasil, são insuficientes, até porque a decisão original de enviá-los previa 6.000 homens. O governo espera convencer Powell a usar o poder de pressão dos EUA para liberar recursos a fim de reconstruir o país.

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