São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Grandes eleitores

Na primeira e acelerada semana pós-eleição, o noticiário e os comentários predominantes deram conta de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva nada poderá aprovar no Congresso, porque não terá maioria. Vai ter um ministério fisiológico, para retribuir os apoios que recebeu. O PT já é traído por sua cúpula, para benefício pessoal de Lula. O coordenador "Antônio Palloci e o senador eleito Aloizio Mercadante brigaram". "Lula e José Dirceu estão agastados", dizem, por repressão do primeiro à exposição pública do seu principal operador. O plano de combate à fome, inaugural dos novos propósitos, está furado. E o FMI e o governo americano já mostram que serão intolerantes e inflexíveis.
Pelo que se pode ler e ouvir, não houve eleição. Houve uma catástrofe. Mas o dólar caiu, queda acentuada, tão logo o BC, em vez de anunciar o pagamento dos seus títulos regulados em dólar, afinal prorrogou-os. Se era por temor eleitoral que o dólar subia durante a campanha, com mais razão deveria subir depois de confirmada a derrota do candidato dado como representante da paz e da felicidade para os "mercados". E com mais razão ainda, diante da catástrofe que nos é anunciada.
E também da que não é. Cujo nome provisório é "crise da mídia". Referente aos problemas que assoberbam a mídia, com os aumentos de custos e a queda de faturamento ano após ano, na situação econômica a que o país foi levado. Problemas de que a semana deu uma demonstração que jamais se esperaria.
Encerrados os meses e meses em que as TVs, rádios e jornais do grupo Globo, com seus tantos porta-vozes do "mercado", mais engrossaram o coro de que a vitória de Lula ameaçaria de suspensão os pagamentos da dívida brasileira, deu-se o velho desarranjo entre feiticeiros e seu feitiço: a Globopar, empresa holding do grupo, não esperou nem 24 horas, após o resultado eleitoral, para declarar (discreta e enviesadamente) a suspensão do pagamento das dívidas de suas empresas.
Pelo diagnóstico em vigor, temos então uma origem clara e interessante na "crise da mídia": decorre do governo e da política econômica a que a mídia deu pleno apoio e louvação por oito anos. A visão crítica, que é identificada como parte da natureza do jornalismo propriamente dito, foi abandonada. E como tal visão, por seus pontos mais fortes ou por sua média, é fator de influência nas decisões e políticas de governo, a omissão crítica da mídia associou-a à responsabilidade pela política econômica vigente nos últimos oito anos.
Três quartos do eleitorado, ou 76% dos eleitores, preferiram os candidatos presidenciáveis de oposição à política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Logo, os grandes eleitores de Lula da Silva foram o FMI, Fernando Henrique, Pedro Malan e, tanto ou mais do que os outros, a mídia e seus órfãos e viúvas. Deprimem-se e se irritam por uma obra que, em grande parte, é sua.



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