São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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DIPLOMACIA

Países participantes terão que apresentar ofertas de abertura comercial

Lula terá 6 meses e 15 dias para decidir ação na Alca

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A QUITO

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva terá exatos seis meses e 15 dias para decidir o que fazer na negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o conglomerado de 34 países, 800 milhões de habitantes e uma economia conjunta de US$ 11 trilhões.
Só no dia 15 de julho de 2003 é que os países que participam da negociação da Alca terão que apresentar ofertas consistentes de abertura comercial. Até lá, haverá outras datas-limite, mas todas elas permitem ofertas limitadas.
Exemplo: o Mercosul ganhou o direito de apresentar até 15 de fevereiro sua proposta inicial de abertura de mercado. Mas, como a Argentina tem eleições em março e posse do novo presidente em maio, é praticamente impossível que o bloco sulista consiga definir a sua TEC (Tarifa Externa Comum). A TEC é o imposto que cobram países-membros de uma união aduaneira, como pretende ser o Mercosul, dos produtos provenientes de terceiros países.
O atual governo crê que deixará para Lula o caminho relativamente aplainado para tomar decisões relativas à Alca. O ministro Sérgio Amaral (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) lembra que já foi contratado o Cesa (Centro de Estudos da Sociedade de Advogados, composto por oito grandes escritórios de advocacia), para analisar diferentes aspectos das negociações.
Em dezembro, o ministério pretende divulgar, em São Paulo, os resultados de estudos macroeconômicos e também de 20 setores, elaborados por especialistas da Unicamp, da USP e da UFRJ.
Será certamente o elenco mais abrangente de avaliação econômica das consequências da Alca para o Brasil. Há pelo menos um nome da Unicamp, o do economista Fernando Camargo, que reduz a pó as vantagens eventuais da Alca para o Brasil.
"Mesmo que todos os instrumentos tarifários e não-tarifários atualmente usados pelos EUA sejam abandonados, a opção Alca tende a nos impor uma especialização ainda mais regressiva do que a verificada nos primeiros anos de abertura comercial das gestões Collor/Cardoso, o que nos conduziria à "vocação" pouco alvissareira de fornecedores de bananas", escreveu Camargo para edição especial do mensário "Le Monde Diplomatique". Pode ser exagero, mas dá uma idéia das paixões que o tema desperta.
Antes mesmo dos estudos macro e setoriais, o ministério promoverá, dia 22, um seminário na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para discutir o que aconteceu com o México depois de ter assinado o acordo do Nafta. Trata-se da Área Norte-Americana de Livre Comércio, uma espécie de antecessor da Alca. O México é um belo exemplo das imensas controvérsias que cercam acordos comerciais tão abrangentes.
Os defensores do livre comércio citam, por exemplo, o fato de as exportações mexicanas terem sido catapultadas, nos 8,5 anos de vigência do Nafta, para as alturas de US$ 1 trilhão. É verdade, mas os adversários do acordo lembram que, no mesmo período, o crescimento econômico por habitante não passou de um anêmico 0,94% ao ano, na média.
O desemprego de fato diminuiu, mas 48% dos novos empregos criados "não cumprem com o mínimo da legislação", aponta Adolfo Arroyo, da Rede Mexicana contra o Livre-Comércio.
Esse dado torna-se particularmente relevante quando se sabe que, na reunião ministerial da Alca na sexta-feira, em Quito, a nova palavra de ordem passou a ser a vinculação de acordos comerciais com mais empregos, menos pobreza e menos exclusão social -exatamente a retórica do PT.
A Folha perguntou a Robert Zoellick, responsável pelo comércio exterior dos EUA, a razão pela qual o discurso na Alca, antes recheado de expressões econômico-comerciais, passou a transitar por termos como "esperança", usado pelo próprio Zoellick para apontar objetivos da negociação.
O americano deu uma longa resposta, prometeu enviar um pacote com discursos seus em que a questão social aparecia com destaque, e terminou por lembrar os atentados de 11 de setembro.
Primeiro, disse não acreditar que a pobreza fosse o motor do terrorismo, mas acrescentou: "Sociedades que perdem a esperança tornam-se campos férteis para proliferação de terroristas".
Desnecessário lembrar que as crises recorrentes na América Latina levaram as sociedades do sub-continente à beira da desesperança (ou a caírem nela, como parece acontecer na Argentina).
O PT, que usa como slogan "a esperança derrotou o medo", terá agora a difícil tarefa de decidir se a Alca é fonte de esperança ou de medo -e agir em consequência.



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