São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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ECONOMIA

Lula deverá lidar com a explosão da dívida pública, a desconfiança do capital externo e as promessas feitas na campanha

PT precisa definir quem ganha e quem perde

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil que Luiz Inácio Lula da Silva assume em janeiro não vive mais o caos hiperinflacionário de 1989, quando o petista disputou sua primeira eleição presidencial. Está muito distante, porém, o otimismo impulsionado pelo sucesso do Plano Real, que em 94 deixou a oposição falando sozinha.
A escalada de preços de 13 anos atrás foi debelada; a confusão de diagnósticos e tratamentos para o país deu lugar a uma agenda consensual, evidenciada pelas eleições, que combina o estímulo às exportações, bandeira dos intervencionistas, à austeridade fiscal dos ortodoxos.
Mas também sumiram do horizonte os tempos em que a enxurrada de investimentos estrangeiros nos países emergentes anunciava uma nova era, de modernização e desenvolvimento.
O cenário de hoje acaba por revelar semelhanças com o de 98, ano da terceira derrota presidencial do PT. Como há quatro anos, há uma crise internacional, a política econômica terá de mudar e todos temem os riscos da guinada. Antes, o desafio era desvalorizar o real sem descontrole da inflação, recessão profunda e explosão da dívida pública. A terceira sequela não foi evitada -e a bomba cairá no colo de Lula.

O PT devedor
Não faz mais sentido, aliás, o verbo no futuro. Lula já começou a administrar o medo e a ganância dos credores dessa dívida, vulgarmente conhecidos como "o mercado". Sabe-se exatamente o que o mercado espera do eleito: compromisso com os contratos, equipe econômica de perfil conservador e de controle de gastos.
Na semana passada, o PT fez o possível -o discurso de austeridade. Os resultados, para um período tão curto, foram bons. O dólar caiu, embora continue alto, e a Bolsa subiu, embora continue desvalorizada. Foi seguido o figurino para evitar que a dívida feche o ano muito acima dos R$ 800 bilhões, administráveis desde que sejam cumpridas à risca as regras do acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Na programa de governo dos credores, deve-se apertar os gastos para tornar o país solvente; manter superávits comerciais para reduzir a dependência em relação ao capital estrangeiro; resolver o déficit da Previdência; quando possível, reduzir os juros e permitir algum crescimento.
Seria mais do que FHC, com apoio parlamentar, empresarial e internacional muito maior, conseguiu em seu segundo mandato. E, ao mesmo tempo, uma grande frustração diante da plataforma de redenção social apresentada desde sempre por Lula.

O PT economista
Em tempos passados, seria mais fácil antever os primeiros passos de uma gestão do PT. Em 99, durante uma disparada do dólar similar à deste ano, defendeu-se em documento a centralização do câmbio, mecanismo pelo qual o Banco Central decide que pagamentos em moeda estrangeira podem ser feitos.
Não são apenas posições assim que explicam a desconfiança do mercado em relação ao partido. Os petistas, que já publicaram algumas dezenas de programas para saúde, educação, reforma agrária e geração de empregos, pouco falam das políticas fiscal, monetária e cambial, que produzem vencedores e perdedores.
"Macroeconomia nunca foi um dos pontos fortes do PT", escreveu certa vez Paulo Nogueira Batista Jr., economista de ligações com o partido. Mesmo nos tempos atuais de moderação e realismo, é comum ver aliados de Lula pregando que o combate à corrupção, ao desperdício e à sonegação bastará para tirar o governo da penúria orçamentária.
Ou, como disse Lula sobre o projeto chamado nada menos que Fome Zero: "os cálculos que realizamos mostram que basta reduzir em alguns pontos percentuais a taxa de juros para obtermos os recursos necessários".

O PT recessivo
O ano de 2003 será um primeiro e duro teste para os planejadores petistas. Nos últimos dias, eles já admitiram que soluções como a mencionada por Lula pertencem ao mundo de sonhos da campanha eleitoral. O setor público pagará R$ 53 bilhões em juros, mas ainda deve precisar de outros R$ 45 bilhões emprestados.
Mas a escolha mais difícil não será entre um doloroso aperto adicional nas contas e o início de um programa social ambicioso -a decisão em favor do primeiro parece tomada. O pior será encarar dois monstros que assombrarão 2003, a recessão e a inflação -e definir o quanto se aceitará de uma para evitar a outra.
Os juros subiram para conter os preços, que ganharam impulso com a disparada do dólar; o PT, que dava a inflação por resolvida e defendia dar um descanso à política do BC e estimular o emprego, terá diante de si o dilema tantas vezes renegado em seu programa: estabilidade ou crescimento.
Uma das saídas imaginadas pelo partido para sair do impasse, a política industrial, traz custos não calculados na forma de subsídios e incentivos fiscais ao setor empresarial. Não há muita margem, porém, para elevar a receita do governo, que, superior a 30% do Produto Interno Bruto, já é alta para um país de renda média.

O PT reformista
Em razão dos compromissos com a dívida pública, a carga tributária também não pode cair, o que torna um quebra-cabeça a outra proposta petista para romper com o "perverso modelo econômico atual": a reforma do sistema de impostos do país, a primeira da lista do programa de Lula. Um novo arranjo, "negociado com a sociedade", deverá ajudar as exportações e os assalariados de baixa e média renda.
Embora seja uma das maiores unanimidades nacionais, tal projeto nunca saiu do papel, seja pela dificuldade em achar setores dispostos a arcar com cargas maiores, seja pela disputa entre União, Estados e municípios na divisão do bolo. E os políticos tendem a gostar cada vez mais do injusto mas eficiente sistema tributário.
A reforma da Previdência é outro vespeiro a ser enfrentado pelo PT -que até outro dia estava entre as vespas. O Tesouro terá de destinar quase R$ 50 bilhões em 2003 para cobrir os déficits com aposentadorias da iniciativa privada e do setor público.
Esse valor pressupõe um salário mínimo de R$ 211 e um reajuste linear de 4% ao funcionalismo. Lula promete dobrar o poder de compra do mínimo em seu mandato, e os servidores estão entre as bases mais importantes do PT.
A esse respeito, o programa do partido pouco traz além de generalidades como aumento da fiscalização e maior eficiência dos gastos. Aposta-se na reforma tributária para definir fontes de receita e no crescimento econômico para elevar a arrecadação.

O PT exportador
O crescimento é, e não poderia deixar de ser, a principal meta de Lula. Mas é mais que isso: é precondição para todas as demais metas. À expansão da economia é dado o papel de fechar as contas que o ideário petista não faz.
A estratégia de FHC previa importações para modernizar a economia e investimentos externos para elevar o PIB. A dependência tornou o país sujeito aos humores do capital estrangeiro e, nos últimos dois anos, a retração econômica e a alta do dólar forçaram a volta dos superávits comerciais.
Faz sentido, portanto, o PT defender o aumento das exportações para precisar menos de empréstimos, reduzir juros e crescer. A atual crise internacional lança dúvidas sobre que valores seriam necessários e possíveis.
Para o próximo ano é projetado um superávit expressivo, de pelo menos US$ 15 bilhões. Ainda assim, faltarão US$ 37 bilhões para o país fechar suas contas com o exterior, que terão de ser buscados na forma de investimentos e empréstimos em um mercado fechado aos países emergentes.
O acordo com o FMI, se cumprido, põe US$ 24 bilhões à disposição do país e garante 2003. Os anos seguintes são de incerteza.
A alternativa de elevar os superávits comerciais é mais difícil que parece. Com as economias de Estados Unidos, Europa e Japão estagnadas, faltará mercado para as exportações brasileiras. Uma possível guerra entre EUA e Iraque agravará a situação.
Diante do quadro, o problema da falta de dólares pode virar uma solução heterodoxa: a escassez da moeda elevaria o câmbio e barraria as importações; a queda do real pressionaria a inflação, que beneficiaria o Orçamento e conteria a dívida pública. As contas estariam, finalmente, fechadas.



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