São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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ESTRATÉGIA

Aparições casuais do presidente eleito diante dos eleitores são o resultado de planejamento político cuidadoso

Gestão petista usará imagem de Lula para se viabilizar

PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

O capital político pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva está no centro do projeto que o PT planeja implantar no governo. A imagem positiva de Lula -seja pela vitória eleitoral, por sua origem social ou por ambas- deve ser usada para tentar construir a conciliação político-econômica que o PT precisa para se viabilizar.
Desde a sua eleição, as aparições públicas de Lula têm sido um exemplo de interação direta com os eleitores. Simbólica foi sua saída do Palácio do Planalto, na terça, quando, contrariando as regras de segurança, Lula desceu do carro para tocar, abraçar e cumprimentar cerca de 500 pessoas.
Na avaliação do PT, é consenso de que não só a eleição, mas também a governabilidade é midiática: a forma primordial de comunicação com o eleitor é a imagem passada pela mídia. O publicitário Duda Mendonça, responsável pelo marketing de Lula, já comentou com líderes do PT a sua tese: a avaliação do governo petista, e consequentemente a campanha presidencial de 2006, já está em andamento e errar na comunicação pode ser o fim do governo.
Nessa batalha, o que parece casual revela-se fruto de planejamento cuidadoso. No próprio domingo da eleição, Lula definiu assim sua vitória: "A esperança venceu o medo". O que seria uma boa frase do candidato mostrou-se já política de comunicação do novo governo. No mesmo dia, antes do pronunciamento, Duda apareceu em Salvador com uma camiseta com os mesmos dizeres, comprovando que não havia espontaneidade na sentença do candidato.
O PT encomendou uma primeira pesquisa para avaliar o grau de expectativa com o governo Lula e as prioridades do eleitor. O partido pretende que esse acompanhamento por pesquisas seja constante, em trabalho semelhante ao que a empresa de Antonio Lavareda realizou para o PSDB e para o governo nos últimos oito anos.
A gestão petista na Prefeitura de São Paulo já põe em prática essa estratégia, que levou à criação de um dos maiores programas de investimentos do município, o que prevê o total asfaltamento das mais movimentadas vias urbanas paulistanas. A reclamação com os buracos apareceu nas pesquisas como uma queixa potencialmente forte contra a administração.
Definido por um assessor como o "maior líder de massas" desde Getúlio Vargas (1883-1954), Lula terá de enfrentar críticas antipopulistas. Na semana passada, lembrou o presidente ao declarar: "Vou cuidar dos pobres como se fossem nossos filhos. Não é humano as pessoas passarem as privações que passam". Getúlio era chamado de "o pai dos pobres".
O populismo brasileiro surge sob o comando de Vargas e os políticos a ele associados, lembra o sociólogo Octavio Ianni, em "O Colapso do Populismo no Brasil".
Nele afirma que, ao mesmo tempo que os governantes atendem parte das reivindicações do proletariado urbano, vão se elaborando instituições e símbolos populistas, usados como forma de manutenção do poder: "O populismo está relacionado tanto com o consumo em massa como com o aparecimento da cultura de massa. Em poucas palavras, o populismo brasileiro é a forma política assumida pela sociedade de massas do país", escreveu Ianni.
Uma das principais críticas ao populismo foi feita por Francisco Weffort, ex-luminar petista e hoje ministro da Cultura de FHC: "O populismo implica, em qualquer de suas formas, uma traição à massa popular. É, no essencial, uma política de transição que conduz ao esmagamento da pequena burguesia pelos grandes capitais", definiu em "O Populismo na Política Brasileira".
Durante toda a campanha deste ano, em cada cidade que chegava, Lula fazia questão de sair do aeroporto passando pelos militantes.
O documentarista João Moreira Salles, que prepara com Eduardo Coutinho um filme sobre Lula, relata o que viu em 12 Estados: "O fenômeno Lula só pode ser bem compreendido por quem o vê na rua. Tanto nos eventos oficiais da campanha presidencial como nos encontros fortuitos de Lula com eleitores, a mesma intensidade está lá. Lula não se deixa decifrar pelos jornais ou pela televisão, pelo menos não plenamente. É preciso estar perto dele e testemunhar".
O próprio Lula passou a semana tentando explicar seu comportamento: "Fico mal de sair de uma atividade qualquer e não pegar na mão das pessoas, é um hábito político", declarou. "É uma briga entre a minha vontade de abraçar as pessoas e o ritual exigido de um presidente. Se eu pudesse, abraçaria e beijaria todo mundo", disse.



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