São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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NO PLANALTO

Tudo sobre o novo Brasil em uma frase

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Luiz Inácio Lula da Silva na cadeira de presidente é o ataque de nervos da velha cordialidade brasileira, é a troca do cordeiro nu pelo lobo em pele de Armani, é a desilusão do povo com o esquerdismo liberal da direita esclarecida, é a esperança do povo no direitismo social da esquerda renovada, é o de mal a pior brigando para converter-se em de pior em mal, é a ilusão de que onde come 1% podem comer 99%, é a galinha tentando pôr o Sol, é a aflição esticando o pescoço para enxergar o que há além do nada, é o triunfo da fé inculta sobre o medo com PhD, é a troca do diploma que não vê ninguém pela inexperiência que diz enxergar todo mundo, é o encanador pondo Sartre no olho da rua, é o jóquei cego montando a mula-sem-cabeça, é a noite em que todos os pardos são gatos, é o pois não gritando pois sim, é o nariz sem pedigree se metendo onde não foi chamado, é a disputa nos pênaltis com bola quadrada, é a crítica reivindicando o direito aos próprios erros, é a gata borralheira que desafia a síndrome da meia-noite, é o triunfo da percussão sobre o naipe de cordas, é a tomada da ribalta pelo espectador, é a fé desvairada do descrente, é o assalto da senzala à Casa-Grande, é a entrada de serviço convertida em elevador social, é o que não existe tentando viver antes de desaparecer, é a ante-sala entrando sem bater, é a cozinheira cuspindo na sopa do patrão, é o anão na direção do circo, é o macaco gerenciando a loja de louças, é o despertar do gigante adormecido, é o túnel à procura de uma luz para pôr no seu fim, é a dentadura em busca da noz utópica, é a crença na vida antes da morte, é a tocaia do desespero na encruzilhada da espera impaciente, é o desespero frustrado das coisas que jamais acontecem, é a ilusão de que aquilo que não se tem hoje vale mais do que o que não se tinha ontem, é o balé do petismo à beira do abismo tucano, é a caravana de virgens cruzando os portões de Sodoma e Gomorra, é um governo tão maravilhosamente perfeito quanto o de qualquer outro mentiroso, é a busca de desculpas para os erros ainda não cometidos, é o sacrifício da convicção em nome da limitação, é a conciliação do excesso com a moderação, é a vaca sagrada trocando a ideologia por um par de asas, é a extrema esquerda domesticada pelo extremo conservadorismo, é o flerte dialético da reação com o reacionarismo, é o futuro radioso coligado ao passado odioso, é o encontro das linhas paralelas, é a comunhão do moralista com o imoral em torno das imoralidades de sempre, é Noé abrindo a arca aos ratos, é o hábito que desfaz o monge, é a sensação de que não se fazem mais futuros como antigamente, é a renovação da história por meio da repetição, é amanhã com cara de ontem, é o São Jorge que se casa com o dragão antes de salvar a donzela, é o paradoxo na fronteira da incógnita, é a descoberta de que sempre se pode atacar o que se defendia e defender o que se atacava, é o absolutamente contra qualquer coisa convertido em a favor de tudo, é a percepção de que o orçamento é menor do que os ideais, é Paulo Paim na bica de assumir a defesa do salário mínimo possível, é ACM já cobrando o mínimo de US$ 100, é a plutocracia se casando com o lúmpen por dinheiro, é a TV Globo de macacão, é prova de que o dinheiro pode ser a favor de todas as pessoas durante todo o tempo, é o conluio para mudar só o suficiente para não perder o controle, é a defesa de mudanças drásticas que deixem tudo exatamente como está, é o desagradável convertido em encantador, é a admissão compulsória do inadmissível, é o pacto do abutre com o espantalho, é a mão gorda entregando os anéis, é o privilégio gagá tirando o Estado moço para dançar nos porões da ideologia abandonada, é filme do cinema-novo-velho.



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