São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2000

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JANIO DE FREITAS

Os espiões sem máscaras

O SNI recriado no atual governo sob o codinome de Abin está desmascarado mais do que pela comprovação de restituir poder e meios de ação a criminosos da tortura e de outros crimes da ditadura -criminosos ideológicos e quase sempre vocacionais. Está desmascarado, e isso é o mais importante, na sua natureza de instituição inimiga dos esforços por um regime democrático, protetora da corrupção e dos chamados crimes do colarinho branco.
A Abin/SNI é a maior ameaça ao regime constitucional desde o fim da ditadura. Seu principal chefe e ministro da (In)Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, até poucos dias assegurava que o pessoal da Abin/SNI fora selecionado com o máximo de rigor, tendo em vista a finalidade de trabalhos de interesse do Estado brasileiro democrático, e não da conveniência do governo. Está desmentido pelo seu pessoal.
A identificação, nos quadros rigorosamente selecionados da Abin/SNI, de um militar torturador e integrante do SNI levou o general Cardoso a admitir agora, na na Comissão do Senado para (pretensa) Fiscalização e (imaginário) Controle da Abin, que são 226 os egressos do SNI incorporados pela Abin. Como negava, então, a existência de qualquer relação entre os dois serviços? E como a Presidência e o general quereriam compor um serviço de interesse do Estado democrático usando os especialistas em antidemocracia e em proteção de ditadura? Tão amantes do Estado democrático e da seleção criteriosa, não lhes ocorreu a dispensa dos espiões e outros criminosos da ditadura?
Antes que seja desmentido também em outro ponto, o general Cardoso deve recontar o número dos que repõem o passado no presente. Nos seus quadros há até co-artífices de golpe eleitoral. No caso, o golpe com que o SNI, valendo-se inclusive do então departamento de jornalismo da Globo, subverteu a apuração eleitoral para entregar o governo fluminense a seu aliado Moreira Franco. O qual, não por acaso, está no Planalto como coordenador político de Fernando Henrique.
A natureza antidemocrática e defensora da corrupção mostra-se, na Abin/SNI, já pelos primeiros nomes divulgados das vítimas de sua espionagem. O governador que faz oposição aberta ao governo de Fernando Henrique- Itamar Franco; ao procurador da República que tem simbolizado, para os governistas, a ameaça de investigações desmoralizadoras- Luiz Francisco de Souza; um dos jornalistas que escreveram sobre envolvimento do governo com o juiz Nicolau dos Santos Neto- Andrei Meirelles.
O general Cardoso nega que a Abin/SNI tenha determinado tais investigações, mas não que houvesse as investigações. Também já negou em vão. E, antes que se exponha mais, seria da sua conveniência saber que pelo menos outro governador, Olívio Dutra, está ou esteve sob espionagem. E que outros procuradores têm sido espionados. E que há mais jornalistas vasculhados por espionagem e mesmo postos sob tentativas de intimidação por gente do SNI/Abin.
Todos esses têm em comum a condição de malvistos pela Presidência. Em suas diferentes atividades, identificam-se pela defesa de investigação das evidências de corrupção administrativa, familiar e a pretexto eleitoral. A espionagem e o que mais lhes dedique o SNI/Abin têm, pois, propósitos óbvios.
É desprovida de interesse a afirmação, reiterada pelo general Cardoso, de que não houve ordem para tal ou qual espionagem violadora do que a Constituição preceitua. Se houve, não precisaria ser escrita. Se foi, não precisaria estar guardada. Se está, não é alcançável por quem não desça a ser do SNI/Abin. O que interessa é que há a espionagem criminosa.
Ainda menos desprovida de valor é afirmação de Fernando Henrique Cardoso e do general Alberto Cardoso, no sentido de que não admitem o tipo de ação da Abin já denunciada e que esse serviço escapou ao controle. Nem esta coluna é dada à futurologia nem é dada a vangloriar-se. Mas é impossível omitir que aqui ficou registrado, desde antes de ser criado o SNI/Abin, o que adviria dessa submissão de Fernando Henrique Cardoso à pressão de certos setores dominados, ainda, pela mentalidade que lhes foi incutida pelo Pentágono da Guerra Fria.
Os fatos que estão desmascarando o SNI/Abin eram previsíveis e o foram. Só não os anteviu quem não quis, por interesse ideológico, uns, e por interesses inconfessáveis, outros. Uns e outros não menos desmascarados, agora, do que o SNI/Abin.



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