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NO PLANALTO
Até fantasma belisca a Viúva nos corredores da $udam
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A $udam não é mais uma
repartição pública. Virou
um álibi. Álibi de si mesma. Sabe-se que ali se malversa. Sempre se
soube. Mas o óbvio nunca gerou
maiores consequências.
Sai governo, entra governo,
mantém-se o entendimento de
que a $udam, como o DNER, é
um desses nacos da administração em que uma certa maleabilidade moral é consentida.
O tucanato gostaria que a algaravia atual não ultrapassasse a
fronteira que separa o constrangimento do escândalo. O problema é que o tapete ficou pequeno.
A sujeira em volta talvez ponha
fim ao pouco-caso. Ainda que a
contragosto.
Deve-se ao procurador Ubiratan Cazetta, em associação com a
Receita e auditores do Tesouro, a
descoberta de mais um robusto
lote de malfeitorias praticadas na
$udam, dessa vez no Estado do
Pará.
Na ponta do lápis, chegou-se,
por ora, a desvios de R$ 57,7 milhões, em valores corrigidos monetariamente. É quase seis vezes
o caixa-dois reeleitoral do tucanato.
Incluindo-se os casos ainda
pendentes de investigação, estima-se que a conta possa bater na
impressionante casa dos R$ 300
milhões. Estão sob análise 25 casos. Só não há mais porque a estrutura do Ministério Público
não comporta. Falta até digitador para lançar dados bancários
em planilhas de computador.
O monturo de provas impressiona e dá nojo. Alguns exemplos:
A CMA (Cia. de Mecanização da Amazônia) arrancou dos cofres da $udam o
equivalente a R$ 12,5 milhões.
Uma peculiaridade marca a trajetória da empresa: ela só existe
no mundo de faz-de-conta dos
arquivos da $udam. Na vida real,
é um fantasma.
De acordo com os registros da $udam, a CMA teria dois endereços. O escritório
funcionaria no número 1.066 de
uma avenida de nome sugestivo:
Conselheiro Furtado. Logo se verá que o conselheiro não é o único
furtado dessa história.
O dono do imóvel, Paulo
Sérgio Teixeira de Oliveira,
disse que costuma cedê-lo a várias empresas, a pretexto de proporcionar-lhes um alívio nos custos de instalação. Coabitam sob o
mesmo teto, por exemplo, a Xinguara Indústria e Comércio S/A,
o Curtume do Pará S/A , a Fazenda Alto Bonito e a Alya Agroindústria S/ A. Além do endereço,
esses empreendimentos têm em
comum a compulsão pela tunga.
Paulo Sérgio admite ter tido vínculos com a CMA, mas só até
1996. E diz não ter idéia de onde a
empresa estaria instalada hoje.
Descobriu-se que Paulo Sérgio
era procurador de todas as empresas. Operava-lhes as contas no
Banco da Amazônia, agência Belém-Centro.
As instalações industriais
da CMA deveriam funcionar no distrito de Coaraci, em Belém. Os arquivos da $udam não
fazem menção a detalhes como
nome de rua ou número de prédio. Acionada, a Prefeitura de
Belém disse que já havia tentado
fiscalizar a CMA em 30 de abril
de 1984. Bateu à porta do número
2.888 da avenida Almirante Barroso, endereço que a empresa informara ao município. O termo
de fiscalização anota que a firma
não foi localizada.
Para a prefeitura, a CMA está
"inativa". Ouvido, Geraldo Francisco Simões, um dos entes de carne e osso que se escondem atrás
da assombração, disse que ela
funcionaria no município de
Xinguara, à rua Xingu, 557. Há
no local uma outra empresa, a
Rio Grande Participações e Administração Ltda. Depois de suar
em vão a camisa, auditores do
Tesouro e fiscais da Receita concluíram que a CMA não existe.
Seu único vínculo com o mundo
dos vivo$ é a conta corrente que
mantém no Banco da Amazônia,
para receber o dinheiro mole da
$udam.
As prestações de contas
que a CMA entregou à
$udam dão à fantasia um aspecto rocambolesco. Há extratos
bancários falsos, alterações contratuais que jamais passaram pelo protocolo da Junta Comercial
de Belém, relação de investidores
que dizem nunca ter tido contato
com o ectoplasma (entre eles a indústria de roupas íntimas Hope e
os bancos Bozano, Simonsen e
Boavista, hoje incorporados respectivamente ao banco Santander e ao banco Espírito Santo).
Há, de resto, notas fiscais frias.
Uma enormidade delas.
Em 1996, a CMA informou à $udam a aquisição
de 13 caminhões. Apresentou 13
notas da firma Concórdia Veículos Ltda. que, contactada, disse
jamais ter efetuado operação comercial com o fantasma. Como
as notas registrassem os números
dos chassis dos caminhões, foi-se
ao Renavam, o cadastro nacional
de veículos. Descobriu-se que são,
também eles, fantasmas.
Os arquivos da $udam
guardam ainda nota da
Consinc Construções Ltda., que
teria erguido um almoxarifado
para a CMA. No suposto endereço da construtora há um condomínio, Edifício Continental. Ali,
ninguém jamais ouviu falar em
Consinc. Outra firma, a Alge
Ltda., teria fornecido três tratores
à CMA. Coisa de mais de R$ 350
mil, a preços de hoje. No endereço
estampado na nota da Alge, encontrou-se uma residência. Seu
proprietário, Fernando da Silva
Pereira, disse que ela está vazia
desde 1990.
Graças às quebras de sigilos bancários autorizadas pela Justiça, pôde-se reconstituir o caminho dos milhões que a
$udam entregou à CMA. O ervanário escorregava para uma conta no Banco da Amazônia e dali
para as contas dos sócios do fantasma. O principal deles é o desconhecido Geraldo Francisco Simões. Entre os beneficiários aparece também Paulo Sérgio Teixeira de Oliveira, aquele cujo escritório serviu de sede para uma
penca de empresas.
Outra descoberta: a grana da $udam passeia pelas
contas das empresas que dividem
o generoso teto de Paulo Sérgio
(CMA, Alya, Xinguara, Curtume
do Pará e Fazenda Alto Bonito).
Antes de liberar dinheiro novo, a
$udam precisa confirmar a contrapartida das empresas. Cada
real de incentivo fiscal deve corresponder a outro real investido
pela empresa beneficiária. Daí o
trânsito do dinheiro entre os diversos empreendimentos. Montou-se uma ciranda da felicidade:
o dinheiro da $udam perambulava entre as contas, apenas para
gerar falso saldo em favor das
empresas, viabilizando novas liberações. Em outras palavras:
usava-se o dinheiro do contribuinte para arrancar mais dinheiro do próprio contribuinte.
Um maná.
Assim como no caso da
CMA, a contabilidade
das outras empresas esconde
fraudes grosseiras. O esquema é o
mesmo de sempre: extratos falsos,
alterações contratuais fraudulentas e uma penca de notas frias. A
novidade é a insistência com que
uma empresa paulista salta dos
processos da $udam como fornecedora de notas fraudulentas às
empresas. Chama-se Tecmafrig
Máquinas e Equipamentos S/A.
Funciona à avenida Francisco
Monteiro, 1.941, em Ribeirão Pires (SP). Está em estado falimentar, reconhecido pela Justiça.
A Tecmafrig figura, por
exemplo, como maior fornecedora de máquinas e equipamentos ao projeto Xinguara, que
beliscou o equivalente a R$ 12,6
milhões na $udam. Uma das notas arquivadas na autarquia registra a compra de R$ 860 mil em
equipamentos. Em diligência à
sede da empresa, em Ribeirão Pires, a Receita apreendeu a quarta
via da mesma nota. O documento registra valor bem inferior: R$
536. Há várias outras notas geladas da Tecmafrig. Só em 1996, as
notas somam R$ 4,084 milhões,
contra uma receita bruta declarada pela empresa à Receita de
R$ 3,7 milhões. Descobriu-se que
uma pessoa chamada Ricardo
Zanchetta Briso era, ao mesmo
tempo, acionista da Xinguara e
diretor-superintendente da Tecmafrig. Ele estava nos dois lados
do balcão. Paulo Sérgio Teixeira
de Oliveira, aquele do escritório,
era diretor da Xinguara, administrava-lhe a conta e, simultaneamente, assinava grande parte
dos cheques da Tecmafrig, na
conta número 74.301-0, mantida
na mesma agência Belém-Centro
do Banco da Amazônia.
Também a contabilidade do projeto Curtume do
Pará contém uma leva de notas
da Tecmafrig. Uma delas foi levada aos arquivos da $udam com o
valor de R$ 1,06 milhão. A quinta
via da mesma nota, obtida pela
Receita, anota a irrisória importância de R$ 499. O Curtume
emitiu em favor da Tecmafrig
cheques que somam R$ 6,3 milhões. De novo, o diretor-superintendente da Tecmafrig, Ricardo
Zanchetta Briso, figura como
acionista do Curtume. Era, novamente, vendedor e comprador.
Paulo Sérgio, o do escritório, é diretor do curtume e gestor das contas das duas empresas.
Ouvidos, os envolvidos negam o
que parece ser uma evidência: a
formação de quadrilha. Atacam-se mutuamente, para tentar descaracterizar a atuação como um
grupo uniforme.
Há ações propostas também
contra empresas que nada têm a
ver com o grupo: Comavel Motomecanização S/A (R$ 2,065 milhões arrancados da $udam),
Apiacás Hotéis e Turismo S/A (R$
2,65 milhões).
Obteve-se ainda a quebra de sigilo bancário de três empresas: a
Agropecuária Hakone S/A, a Fazenda Agropastoril São Pedro S/
A e a Frango Norte Agroindustrial S/A. Só essa última pescou
R$ 23 milhões nas arcas da
$udam.
O caso corre em segredo de Justiça. Quando vier por completo à
tona, pode resvalar em personagem muito bem posicionado no
Senado. O Planalto diz que o vozerio em torno da $udam é mais
uma jogada de ACM contra Jader. Quem quiser entender o que
se passa deve ignorar essa bobagem.
Fica entendido que, nessa matéria, a velha raposa baiana faz o
papel de tambor, não de percussionista. Os verdadeiros donos da
baqueta devem se reunir nesta semana em Brasília.
São procuradores da República
-um deles, Pedro Taques (Cuiabá) está há quatro anos na trilha
do dinheiro malversado- e funcionários da Receita. Junto com
auditores da Secretaria Federal
de Controle, eles dão o tom das
investigações. Lançar as provas
recolhidas no balaio da discussão
política brasiliense, contaminada
pela disputa à presidência do Senado, é um desrespeito ao trabalho dessa gente.
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