São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2000

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CONTAS DA REELEIÇÃO
Arquivo protegido por uma senha sugere que atual ministro deveria coletar R$ 6,020 milhões

Nova planilha mostra ação de Matarazzo

ANDRÉA MICHAEL
WLADIMIR GRAMACHO


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma nova planilha eletrônica do comitê financeiro da campanha do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, revela a ação do ministro Andrea Matarazzo (Secretaria de Comunicação de Governo) junto a grandes empresas e dá as primeiras pistas sobre a origem dos R$ 3 milhões arrecadados por ele para o caixa-dois da reeleição.
Nas últimas três semanas, a Folha mostrou como pelo menos R$ 10,120 milhões foram parar num caixa-dois em 1998 e, no mínimo, outros R$ 8 milhões também deixaram de ser declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 1994, o que é ilegal. O maior valor registrado por esse expediente é atribuído a Andrea Matarazzo.
O novo arquivo, batizado como "#fh98b", estava protegido por senha e só na última semana, após um mês de trabalho, foi possível ter acesso aos seus dados. Os mais reveladores estão na planilha "MM", código utilizado pelo comitê financeiro para designar Andrea Matarazzo.
O título inscrito no alto do documento é inequívoco quanto a quem se refere: "Andréa Matarazzo - MM". A inédita e secreta tabela eletrônica relaciona 17 empresas. Ao lado de cada uma delas, são mencionados nomes de dirigentes a serem procurados e a indicação das metas de arrecadação em cada companhia.

Meta de R$ 6,020 mi
A planilha trata de metas sugeridas a Matarazzo e não de recursos efetivamente obtidos por ele para a reeleição. O novo documento informa que era esperada do futuro ministro a coleta de R$ 6,020 milhões em doações eleitorais.
Aparentemente, isso representa o dobro do que ele conseguiu de fato, segundo as planilhas com a contabilidade da campanha obtidas até agora pelo jornal.
O registro eletrônico desse arquivo informa que seu autor, mais uma vez, é o ex-ministro da Administração e Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser Pereira, tesoureiro oficial das duas campanhas presidenciais de Fernando Henrique Cardoso. A última alteração feita nesses dados ocorreu em 8 de julho de 1998 -portanto, quase três meses antes da eleição.
A data dessa última modificação na planilha "MM" é compatível com seu conteúdo. Há metas que deveriam ter sido cumpridas por Andrea Matarazzo, mas ainda não há registro de doações obtidas pelo futuro ministro.
O dinheiro, como em toda eleição, ingressaria ao longo das semanas seguintes, durante a campanha presidencial.
Matarazzo nega ter participado da arrecadação de recursos para a campanha de FHC à Presidência em 1998. "Vou te falar mais uma vez meu papel nisso daí (campanha): fiz dois jantares, dos quais o presidente participou. Ele apresentou o programa de governo. O Luiz Carlos Bresser (Pereira) foi, e ponto", afirmou Matarazzo.
"Eu coordenava a ação política da coligação do presidente Fernando Henrique no Estado de São Paulo. Ponto", declarou.

Organizador de jantares
De fato, Matarazzo foi um anfitrião de colaboradores. Entre os jantares que promoveu, o mais badalado aconteceu no dia 29 de maio de 1998.
O presidente Fernando Henrique Cardoso falou para 21 empresários, entre os quais: Max Feffer, da Companhia Suzano de Papel e Celulose; José Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim; e Paulo Cunha, do Ultra. Empresas de Max Feffer e Paulo Cunha constam da planilha "MM".
O ministro sugeriu que o documento poderia ter sido elaborado pelo comitê financeiro de FHC a partir da lista de convidados para os jantares. A hipótese foi abandonada por ele mesmo ao longo da entrevista que concedeu à Folha na última semana.
Na entrevista, feita por telefone, a reportagem do jornal leu, um a um, os nomes dos empresários que constam da planilha "MM". Em vários casos, Matarazzo disse que eles não estariam na sua lista de convidados para participar de um jantar com o candidato que disputava a reeleição.
O documento mostra que as metas mais ambiciosas impostas a Andrea Matarazzo estavam ligadas a grandes construtoras:
1) Na Andrade Gutierrez, seu contato era R.(oberto) Amaral e sua meta, R$ 1 milhão;
2) Na Camargo Corrêa, deveria procurar Luiz Nascimento ou Alcides Tápias (que depois também viraria ministro, na pasta do Desenvolvimento) para obter mais R$ 1 milhão;
3) Na CBPO/Cisop/Ameop, a referência era Aluizio Araujo e a doação pretendida, R$ 900 mil;
4) Na Odebrecht, o próprio Emílio Odebrecht seria acionado em busca de R$ 500 mil.
Dentre as empresas procuradas por Matarazzo, segundo essa nova planilha, cinco tiveram doações registradas no TSE, cujas contribuições somam R$ 1,554 milhão: Andrade Gutierrez (R$ 500 mil), Schering-Plough (R$ 400 mil), Brasmotor (R$ 280 mil), Vicunha Nordeste (R$ 250 mil) e Companhia Suzano de Papel e Celulose (R$ 124 mil).
Na prestação de contas encaminhada à Justiça Eleitoral não há menção às doações que o comitê financeiro pretendia obter das demais empresas listadas.
Ao todo, 27 empresas são relacionadas. Para dez delas não são indicadas as metas das contribuições que deveriam ser coletadas.
O empresário Emílio Odebrecht, herdeiro do grupo de mesmo nome, doou R$ 50 para a campanha em 28 de setembro de 1998. Outros R$ 500 estão registrados no Tribunal Superior Eleitoral, em 20 de setembro daquele ano, como colaboração de Hugo Miguel Etchenique. Na planilha, o nome do empresário está associado ao grupo Brasmotor.

Doações
Apesar de não figurarem na planilha "MM" com metas associadas aos seus nomes, Siemens e Bolsa de Mercadorias e Futuros acabaram contribuindo. De acordo com dados do TSE, entraram com pelo menos R$ 200 mil e R$ 250 mil, respectivamente. Sobre as doações que o comitê financeiro pretendia obter nas demais empresas, não há menção na prestação de contas ao TSE.
Há um mês, quando foi procurado pela Folha, o ministro já havia negado enfaticamente que tenha ajudado a coletar doações para a campanha de FHC. "Não pode ser. Não conheço a planilha. Eu não fui arrecadador. Não me ponha como arrecadador. Fiz alguns jantares com empresários. E só", disse Matarazzo.
Apesar das negativas, reforçadas em entrevista realizada na última semana, alguns colegas de campanha contradizem a versão do ministro. "O Andrea também foi (arrecadador), no começo", disse Bresser.
"Havia uma certa competição, talvez em função da vontade dele de ir para Brasília", emendou o publicitário Luiz Fernando Furquim, outro coletor de recursos para a campanha.
A Folha tentou entrar em contato com o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, por e-mail, para que ele comentasse a nova planilha, mas não recebeu resposta até a conclusão desta edição.


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