São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2000

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ELIO GASPARI

O feitiço do professor de biologia

Está chegando às lojas de discos uma preciosidade. Chama-se "Noel pela Primeira Vez" e é uma caixa com 14 CDs e todas as primeiras gravações de obra de Noel Rosa. São 229 interpretações, gravadas entre 1930 e 1992. Noel (ou "Noël", como ele assinava) torna-se, assim, o primeiro compositor brasileiro a receber esse tipo de consagração. Ela se deve a três pessoas e ao patrocínio da Funarte. Em 1990, o jornalista João Máximo e o músico e pesquisador Carlos Didier (engenheiro por formação) escreveram uma esplêndida biografia do artista. Ao fim do volume, publicaram uma esmerada discografia, listando as gravações de Noel. Estabeleceram que ele era o autor de mais de uma dezena de sambas que não lhe eram atribuídos nos selos dos discos. Esse foi o caso de "É Peso", onde se podia encontrar a elegância de Ismael Silva num trecho como este:
"Hoje eu quero
E não me queres
E o remorso que me invade
É saber que tu preferes
Morrer longe de saudade"
Ao final da letra, Máximo e Didier viram a impressão digital de Noel:
"Mas o peso que eu carrego
É a pena de te amar."
Quando o livro chegou a São Paulo, caiu nas mãos de Omar Jubran, um professor de biologia que coleciona discos desde menino (tem 15 mil). Jubran percebeu que tinha 70% das músicas listadas. Resolveu correr atrás do que faltava. Diante de um computador, em sua casa, em Pinheiros, ele corrigiu a maioria das imperfeições impostas pelo tempo às bolachas. Tirou chiados e corrigiu o som, até que se viu diante de um problema maior: um disco de 78 rotações quebrado em três pedaços. Com a ajuda dos deuses do samba, resolveu colá-los. Tentou e deu certo. (Deu tão certo que se recusa, por agora, a revelar qual é a faixa. Quer que os técnicos tentem descobrir.)
Depois de ter vendido um carro para sustentar a obsessão, conseguiu queimar nove CDs com toda a discografia original. Ficou com a impressão de que tinha feito aquilo tudo para nada. Distribuiu cópias para um grupo de amigos (inclusive Máximo e Didier) e tentou achar apoio. De órgão público, nenhuma palavra. De empresas privadas, ouviu numa que 14 CDs eram muita coisa: "É melhor fazer uma seleta". Ou ainda que a qualidade das gravações "não estava boa". Finalmente, um amigo levou seu caso à Funarte e, ao custo de R$ 100 mil, em menos de um ano, Noel voltou à rua. É provável que a máquina de jogar dinheiro fora do tucanato da cultura nunca tenha feito coisa tão boa em tão pouco tempo por tão pouco dinheiro.
A caixa com os discos está à venda por um preço que varia entre R$ 200 e R$ 260. É muito dinheiro. Como diria Noel:
"Com que roupa eu vou
Pro samba que você me convidou?"
Para pesquisadores, obcecados e colecionadores de raridades, esses 14 CDs são um tesouro. Tem coisa ruim, como a "Rumba da Meia Noite". Ou maravilhas, como "Para me Livrar do Mal", interpretado por Noel e Ismael. Há também "Gago Apaixonado", na voz do poeta, um samba pouco gravado, numa interpretação nunca superada.
Notícia tão boa autoriza qualquer sonho. Se houver alma piedosa querendo ajudar a cultura nacional, bem que poderia estimular a reedição do livro de Didier e Máximo ou a realização da nova aventura de Omar Jubran. O professor tem cerca de 80% das primeiras interpretações da obra de Ary Barroso e pode-se fazer por ele o que se fez por Noel.
Graças ao trabalho de Jubran gravou-se, pela primeira vez desde 1931, a marcha "Palpite". Nela, Francisco Alves canta a antevisão que Noel Rosa teve do Brasil deste fim de século:
"Vendeste o carro pra comprar a gasolina."


O campeão foi salvo pelo gongo.

Se um garoto americano de 16 anos ganhar uma Olimpíada Internacional de Matemática, dois e dois são quatro e ele é convidado para um encontro com Bill Clinton, na Casa Branca. Em 1998, o brasileiro Rui Lopes Viana Filho derrotou 419 concorrentes na Olimpíada de Taiwan. Não recebeu um só telefonema, nem de dignatário oposicionista. O que lhe aconteceu nos últimos dois anos mostra que a educação brasileira tem problemas e soluções. Infelizmente, misturam-se pouco.
A proeza de Rui chamou a atenção de um empresário que se mantém no anonimato. Ele recomendou o seu nome à Fundação Estudar (em cujos cofres a Viúva jamais pingou um ceitil, nem jamais pingará). Ofereceram-lhe a possibilidade de ir para uma universidade americana. Rui preferiu fazer vestibular de engenharia na Universidade de São Paulo. Passou. No primeiro semestre sua nota mais baixa foi 7,8. No segundo, surpresa: apareceu um 5,7. Ia mal a coisa quando ele resolveu tentar a bolsa americana. Concorreu a uma vaga no Massachusetts Institute of Technology. Não só foi aceito, como lhe deram uma bolsa de estudos que cobre todas as despesas do curso. A Fundação Estudar assegurou-lhe US$ 10 mil por ano e Rui vai muito bem, obrigado, em Boston.
Os professores de Rui na USP poderiam se reunir para responder às seguintes perguntas:
1) Como é que conseguimos fazer com que o vencedor de uma Olimpíada de matemática virasse aluno medíocre?
2) Por que o MIT resolve dar bolsa de estudo a um aluno cujo desempenho decaiu nas nossas mãos?
A Fundação Estudar tem dez anos, já deu 200 bolsas e gastou US$ 3,3 milhões quase sempre financiando cursos de brasileiros no exterior.


A bandidagem criou os óculos-45

Na semana passada a empresa importadora Oftalmo Tec, do Rio de Janeiro, recebeu uma carga de óculos que comprara em Nova York. Ao abrí-la, achou 69 pistolas calibre 45. O caso foi para a polícia.
Até agora, já se sabe que a caixa de pistolas entrou pelo aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, e foi liberada pelo famoso Canal Verde, dispositivo que acelera a burocracia do comércio exterior. Coisa simples: sendo o importador uma empresa de confiança, suas chances de ter a mercadoria vistoriada são reduzidas, sempre aleatoriamente, pelo computadores da Receita Federal. Ganha um sinal verde e passa rápido pela alfândega.
Tudo indica que algum espertalhão esteja usando empresas sérias para simular importações. No caso, não conseguiu interceptar a carga a tempo.
Se a Receita Federal acender uma luz vermelha, poderá descobrir o que aconteceu com os óculos que se transformaram em pistolas.
O Canal Verde pode ser uma das maravilhas da ciência, mas coisa igual só aconteceu nos anos 20, quando morreu o ministro brasileiro em Havana, um diplomata de nome Alcoforado. Foi embalsamado, encaixotado e embarcado num navio. Teve honras na partida e na chegada, indo repousar num cemitério do Rio. Mais ou menos à mesma época, um importador de charutos de Hamburgo abriu sua carga e encontrou um sujeito com fardão de diplomata. Levaram alguns meses para descobrir de que país era. Sabe-se que Alcoforado acabou vindo para o Rio. Não se sabe o que aconteceu aos charutos sepultados.


Perigo correto

O impacto da violência sobre os números do Censo mostra que a agenda de segurança pública será um dos principais itens das próximas campanhas eleitorais. A violência é a maior responsável pela existência de um superávit primário de 1,5 milhão de mulheres na faixa dos 18 aos 39 anos.
O pessoal do politicamente correto, que condena a prisão perpétua e defende as penas alternativas mas jamais perdeu meia hora de trabalho para acabar com o descalabro das prisões e para revogar a "lei da massa" nas carceragens, enfrentará um discurso conservador que poderá custar caro. Ou demonstram que estão dispostos a trabalhar pelas idéias que defendem, ou pagarão com votos o preço do progressismo de salão.


Falta de homens

Saiu um cheiro ruim do panelão onde se cozinham os números do Censo. A violência tornou-se um tamanho problema que muito provavelmente ela é a principal responsável pelo fato de existirem no Brasil apenas 96 homens para cada 100 mulheres. Pode-se até arriscar que, na faixa dos 18 a 39 anos, essa proporção encoste em 94 homens para cada 100 mulheres. Numa projeção grosseira, isso pode significar que nessa faixa há um superávit primário de algo como 1,5 milhão de mulheres.
É natural que no conjunto da população haja mais mulheres do que homens, mas o tamanho da diferença verificada no Brasil poderá ser uma das mais altas do mundo em tempos de paz.


O nome do espinho

Para quem quiser acompanhar com um pouco de interesse a chatíssima disputa pelas presidências do Senado e da Câmara. Esses dois cargos, cuja relevância para a vida dos brasileiros é praticamente nula, são importantes para o governo por duas razões. A primeira, pública e confessa, refere-se à capacidade que os presidentes das duas casas do Congresso têm de acelerar ou retardar as votações dos projetos, de acordo com os interesses do Planalto.
A segunda, vital para a paz de espírito do oficialismo em 2002, explica melhor o cuidado com que se trata o assunto. Os presidentes da Câmara e do Senado têm o poder de vida e morte sobre a formação de Comissões Parlamentares de Inquérito.
Com o recuo de Sarney, surgiu um novo nome para o armazém de alternativas a Jader Barbalho. É o do atual ministro da Integração, Fernando Bezerra.


Placar

Até a hora em que FFHH embarcou para o México, a ekipekonômica estava perdendo a parada na sua tentativa de baixar as tarifas de importações.


Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota. Ele acredita na globalização e por causa disso já faliu duas vezes. Até 1997, gastava por conta do crescimento das economias da Ásia. Desde 1998, gasta por conta do crescimento da economia americana (23 milhões de novos empregos). Por idiota, acha que, quando o resto do globo cresce, o Brasil também cresce.
Eremildo já entendeu que uma coisa não tem nada a ver com a outra. O que ele não entende é por que a recíproca não é verdadeira. Quando a Tailândia quebra, o Brasil apanha. Quando a Rússia vai à garra, o real acaba desvalorizado. Agora, está a procura de um sábio que lhe explique porque um pobre idiota de Pindorama deve se preocupar com a Turquia.


Entrevista
Carlos Eduardo de Freitas

(Diretor do Banco Central, 57 anos completados ontem, com cerca de 500 mil cigarros fumados.)
Depois de apostar a barba de Armínio Fraga, o sr. teve que parar de fumar. Tudo bem?
Não. Fumei o meu último cigarro na manhã de terça-feira, na avenida Atlântica. Eram dois maços por dia. Estou ansioso, irritado, agitado. Dizem que isso se chama síndrome de abstinência e dura 15 dias. Se dura isso tudo, é um horror. Eu fumava desde os 14 anos e nunca tinha experimentado parar. Achava que seria pior. Pensava que deveria ser afastado do convívio social. Por enquanto estou tomando um remédio que, segundo a bula, diminui a vontade de fumar e provoca efeitos colaterais. Sei lá o que aconteceu no meu caso. Não senti efeito colateral nenhum, nem a vontade de fumar diminuiu. Estou mascando oito chicletes de nicotina por dia. Isso dá 16 miligramas do veneno, metade do que eu ingeria. Talvez esteja ajudando, mas também não consigo notar. São cinco da tarde e eu posso lhe assegurar que só hoje, em pelo menos dez ocasiões, a única coisa que melhoraria a minha vida seria um cigarro.
Como o sr. acha que ganha essa parada?
Graças ao Mário Henrique Simonsen, já resolvi um pedaço do problema. Quando ele parou de fumar, descobriu que não sabia o que fazer com as mãos. Passou a brincar com uma caneta. É o que estou fazendo. Assim, me livrei da mão. Aprendi que é preciso manter a boca ocupada. Aí entra o chiclete e entrou a minha mulher mandando eu fazer lanches. Com isso resolvi outro pedaço, o da boca. Fica faltando o resto. Já percebi que fiquei agitado, mais disposto a me irritar e, sobretudo, estou mais burro do que sou normalmente. Desde menino o cigarro me ajudava na concentração. Agora estou vendo quanto ele ajudava. Sua falta atrapalha a leitura, põe uma eletricidade no ar. Tem gente que não gosta que os outros fumem na sua presença. Felizmente já percebi que isso não incomoda. Aconselharam-me a fazer exercício físico, mas aí já é muito sofrimento. Eu nunca fiz esse tipo de coisa.
O sr. acha que ganha essa parada?
Acho. Aliás, tenho que achar. Se eu tivesse ficado calado, em vez de dizer que pararia de fumar caso o leilão do Banespa tivesse dado certo, não teria arrumado esse problema. O doutor Armínio Fraga aceitou a aposta e cortou a barba, mas eu garanto que ela não lhe está fazendo falta. Se eu voltar a acender um cigarro, independentemente do que faço ou do que venha a fazer, vai ter gente achando que sou aquele sujeito que não conseguiu parar de fumar.


Lastro

De um admirador do embaixador Luiz Felipe Lampreia ao vê-lo arrumando as malas para deixar o Itamaraty:
- Deviam obrigá-lo a levar o Mercosul com ele.



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