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São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

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JANIO DE FREITAS

Gravações sem gravações

Os cuidados com que a imprensa tem tratado um certo grampeamento de telefones evita-lhe o escândalo, mas, pelo mesmo motivo, ressalta-lhe a importância. Não importância política, que esta ficou reservada para os grampos telefônicas de que o senador Antonio Carlos Magalhães é apontado, por muitos, como mandante. A importância do caso quase silenciado é institucional e ética, diz respeito a questões com alcances muito mais amplos e relevantes do que o embate entre um político e seus adversários e inimigos.
O Judiciário é dado como o setor de maior corporativismo, dentre todos que o sejam. Tal afirmação faz por esquecer o corporativismo dos militares, inigualável, mas a omissão nunca a enfraqueceu. Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça suspendeu de funções e submete a processo administrativo um dos seus ministros, Vicente Leal, com base em indícios captados por um grampo telefônico. Três colegas de Leal -Sávio Figueiredo, Peçanha Martins e Ruy Rosado- avaliaram a suspeita comunicada pela Polícia Federal e propuseram as providências que, tudo indica, não têm precedente em tribunal de tão alta instância.
O STJ poderia esperar pelo complemento das investigações policiais, no mesmo caso que levou Pinheiro Landim a renunciar a dois mandatos, o anterior e o que acabara de assumir neste ano. Protelar foi a prática da Câmara, para permitir que Landim, não sendo cassado, continuasse elegível. Protelar foi, agora, outro presente do corporativismo da Câmara a Landim.
Outro aspecto significativo é a consideração dada pelo STJ ao teor de um grampo telefônico cujo objetivo não era o seu ministro, nem habeas corpus, mas uma rede de traficantes.
Mais uma vez, o múltiplo grampeamento de telefones na Bahia está demonstrando que se usam os mais variados pretextos para fugir à investigação do que ficou gravado. Como se o não cumprimento de uma formalidade legal -a autorização para o grampeamento- fosse passível de punição, mas tivesse o poder extraordinário de isentar de investigações e consequências os indícios de irregularidades ou crimes captados pelas gravações.
O grampeamento na Bahia é muito grave, não só pelo envolvimento de um senador no episódio, mas pela comprovada participação da polícia baiana em seus mais altos níveis. O teor já divulgado das gravações, porém, não é de menor gravidade. Nem por isso tem suscitado o interesse da Polícia Federal, que investiga a execução e a responsabilidade pelos grampos. Nem o interesse da Câmara e do Senado, onde a atitude geral, até aqui abrangendo todos os partidos, é a de investigar a prática das gravações como se não houvesse gravações. Porque estas, além de ameaçarem o mandato do senador Antonio Carlos Magalhães, atingiriam também parlamentares do PMDB, como o deputado Geddel Vieira Lima e o senador Renan Calheiros, entre outros.
Pela teoria criada pelo governo passado sobre grampeamentos, e adotada pelo atual governo e pelo Congresso, se um criminoso levar à identificação de outro, o segundo não tem com que se preocupar: o meio que denunciou o seu crime não era idôneo, não estava de acordo com as formalidades.


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