São Paulo, domingo, 04 de junho de 2000


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VIAGEM PRESIDENCIAL
Para o presidente, falta de processo participativo cria "problema de legitimidade" para governantes
Sociedade não aceita "prato feito", diz FHC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM


O presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu ontem que existe no Brasil, como no mundo todo, "um problema de legitimidade" dos governantes, por falta de um processo participativo da sociedade.
"As pessoas querem participar da elaboração das políticas, não querem receber o prato feito", disse FHC, em entrevista coletiva no aeroporto berlinense de Tegel, pouco antes de seguir para Paris.
O presidente fez uma avaliação da reunião de 14 governantes tidos como social-democratas ou próximos da social democracia, encerrada ontem.
O "problema de legitimidade" foi assim descrito por FHC: "Por mais que se faça, e se fez muito, por mais que haja hoje mais transparência e menos corrupção, a sensação existente na sociedade não corresponde às ações. Não é que não tenha havido progresso, é a falta de reconhecimento da legitimidade de quem manda".
O presidente deu um exemplo específico: os 11 fundos criados pelo seu governo para a pesquisa científica. Surgiram de negociações entre a própria burocracia e setores empresariais.
Resultado, segundo FHC: "Na medida que a comunidade científica não vier a participar, não vai acreditar, mesmo que seja certo, mesmo que o governo tenha a melhor das intenções, como tem".

Pobreza
O mesmo raciocínio se aplica à redução da pobreza. O presidente diz que ela foi significativa em seu governo, mas admitiu que a percepção da sociedade não é essa.
Culpa, segundo FHC, da "diminuição no ritmo de redução da pobreza e da diminuição da oferta de emprego".
Admitiu também que, embora a pobreza tenha se reduzido, "a renda não se desconcentrou". E, nesse ponto, voltou a pôr ênfase na necessidade de políticas públicas, pela óbvia razão de que o mercado não resolve esse problema.
A entrevista do presidente acabou sendo mais um passo na escalada retórica de FHC na direção de políticas mais social-democratas. Tanto que chegou a dizer que é necessário "retomar certos valores tradicionais da esquerda", citando entre eles mais ênfase na igualdade social e na redução da pobreza, além da "participação mais ativa da sociedade na definição da agenda" do país.
Em seguida, disse que "não adianta imaginar governos progressistas sem a participação de partidos e elementos da sociedade civil que compartilhem isso".

Esquerda
A Folha quis saber se a frase representava um aceno ao PT e à outras forças de esquerda, classicamente rotuladas de "progressistas".
FHC não respondeu diretamente. Apenas lamentou que alguns partidos confundam "o que é bom para o país e para o Estado como se fosse bom para o governante e, então, criticam tudo".
Mas cobrou uma nova atitude dos partidos que formam sua base de sustentação. Seu raciocínio: "Um partido só chega a governar quando ganha a batalha dos conceitos, das idéias. Se os partidos que estão me apoiando querem ganhar a eleição de 2002, têm que me apoiar mais, não apenas votando, mas defendendo conceitos".
A maioria das perguntas dos jornalistas girava em torno de como FHC pretende transformar o que ele próprio chamou de Consenso de Berlim em medidas práticas no Brasil.
Resposta: aumentando investimentos para poder crescer de novo, manter a inflação baixa e aumentando a oferta de emprego. Ou, em outras palavras, a ênfase no desenvolvimentismo que FHC já havia exposto na entrevista da véspera.

Desenvolvimento
Também nesse ponto, o presidente deu outro passo na linha desenvolvimentista. Embora tenha outra vez defendido a compatibilidade entre as políticas de ajuste fiscal e o desenvolvimento, ontem disse que o ajuste "não é suficiente, não é fundamental para que haja coesão da sociedade".
O presidente repetiu o que dissera na véspera sobre o que chama de Consenso de Berlim como contraponto ao Consenso de Washington, o receituário neoliberal hoje hegemônico centrado em privatizações, desregulamentação e abertura da economia.
Afirmou que em Berlim o que se buscou foi "um consenso político-moral que, de alguma maneira, ultrapasse os limites do Consenso de Washington, de uma visão internacional baseada nos ajustes de mercado e na repetição das fórmulas que deram certo nos países desenvolvidos".
FHC considera um fato político relevante a decisão dos mandatários reunidos em Berlim de fazer com que os temas debatidos na capital alemã formem o núcleo da agenda da reunião anual do G-7, o clube dos sete países mais ricos do mundo, marcada para julho em Okinawa (Japão).
Já a nova reunião do "Consenso de Berlim" ficou tentativamente marcada para setembro nos Estados Unidos, para aproveitar a realização da assembléia geral das Nações Unidas.


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