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VIAGEM PRESIDENCIAL
Para o presidente, falta de processo participativo cria "problema de legitimidade" para governantes
Sociedade não aceita "prato feito", diz FHC
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
O presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu ontem
que existe no Brasil, como no
mundo todo, "um problema de
legitimidade" dos governantes,
por falta de um processo participativo da sociedade.
"As pessoas querem participar
da elaboração das políticas, não
querem receber o prato feito",
disse FHC, em entrevista coletiva
no aeroporto berlinense de Tegel,
pouco antes de seguir para Paris.
O presidente fez uma avaliação
da reunião de 14 governantes tidos como social-democratas ou
próximos da social democracia,
encerrada ontem.
O "problema de legitimidade"
foi assim descrito por FHC: "Por
mais que se faça, e se fez muito,
por mais que haja hoje mais
transparência e menos corrupção, a sensação existente na sociedade não corresponde às ações.
Não é que não tenha havido progresso, é a falta de reconhecimento da legitimidade de quem manda".
O presidente deu um exemplo
específico: os 11 fundos criados
pelo seu governo para a pesquisa
científica. Surgiram de negociações entre a própria burocracia e
setores empresariais.
Resultado, segundo FHC: "Na
medida que a comunidade científica não vier a participar, não vai
acreditar, mesmo que seja certo,
mesmo que o governo tenha a
melhor das intenções, como
tem".
Pobreza
O mesmo raciocínio se aplica à
redução da pobreza. O presidente
diz que ela foi significativa em seu
governo, mas admitiu que a percepção da sociedade não é essa.
Culpa, segundo FHC, da "diminuição no ritmo de redução da
pobreza e da diminuição da oferta
de emprego".
Admitiu também que, embora a
pobreza tenha se reduzido, "a
renda não se desconcentrou". E,
nesse ponto, voltou a pôr ênfase
na necessidade de políticas públicas, pela óbvia razão de que o
mercado não resolve esse problema.
A entrevista do presidente acabou sendo mais um passo na escalada retórica de FHC na direção
de políticas mais social-democratas. Tanto que chegou a dizer que
é necessário "retomar certos valores tradicionais da esquerda", citando entre eles mais ênfase na
igualdade social e na redução da
pobreza, além da "participação
mais ativa da sociedade na definição da agenda" do país.
Em seguida, disse que "não
adianta imaginar governos progressistas sem a participação de
partidos e elementos da sociedade
civil que compartilhem isso".
Esquerda
A Folha quis saber se a frase representava um aceno ao PT e à
outras forças de esquerda, classicamente rotuladas de "progressistas".
FHC não respondeu diretamente. Apenas lamentou que alguns
partidos confundam "o que é
bom para o país e para o Estado
como se fosse bom para o governante e, então, criticam tudo".
Mas cobrou uma nova atitude
dos partidos que formam sua base de sustentação. Seu raciocínio:
"Um partido só chega a governar
quando ganha a batalha dos conceitos, das idéias. Se os partidos
que estão me apoiando querem
ganhar a eleição de 2002, têm que
me apoiar mais, não apenas votando, mas defendendo conceitos".
A maioria das perguntas dos
jornalistas girava em torno de como FHC pretende transformar o
que ele próprio chamou de Consenso de Berlim em medidas práticas no Brasil.
Resposta: aumentando investimentos para poder crescer de novo, manter a inflação baixa e aumentando a oferta de emprego.
Ou, em outras palavras, a ênfase
no desenvolvimentismo que FHC
já havia exposto na entrevista da
véspera.
Desenvolvimento
Também nesse ponto, o presidente deu outro passo na linha
desenvolvimentista. Embora tenha outra vez defendido a compatibilidade entre as políticas de
ajuste fiscal e o desenvolvimento,
ontem disse que o ajuste "não é
suficiente, não é fundamental para que haja coesão da sociedade".
O presidente repetiu o que dissera na véspera sobre o que chama de Consenso de Berlim como
contraponto ao Consenso de
Washington, o receituário neoliberal hoje hegemônico centrado
em privatizações, desregulamentação e abertura da economia.
Afirmou que em Berlim o que se
buscou foi "um consenso político-moral que, de alguma maneira, ultrapasse os limites do Consenso de Washington, de uma visão internacional baseada nos
ajustes de mercado e na repetição
das fórmulas que deram certo nos
países desenvolvidos".
FHC considera um fato político
relevante a decisão dos mandatários reunidos em Berlim de fazer
com que os temas debatidos na
capital alemã formem o núcleo da
agenda da reunião anual do G-7, o
clube dos sete países mais ricos do
mundo, marcada para julho em
Okinawa (Japão).
Já a nova reunião do "Consenso
de Berlim" ficou tentativamente
marcada para setembro nos Estados Unidos, para aproveitar a realização da assembléia geral das
Nações Unidas.
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