São Paulo, segunda, 4 de agosto de 1997.



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HIDRELÉTRICA
Distância entre margens do rio Paraná chegará a 30 km, quando o lago da Porto Primavera estiver cheio
Obra de 17 anos causa desastre ambiental

RUBENS VALENTE
em Porto Primavera (SP)

A construção da hidrelétrica de Porto Primavera, na divisa entre Mato Grosso do Sul e São Paulo, está provocando um desastre ambiental e social na região do rio Paraná e seus afluentes, segundo denúncias de promotores da Justiça e ONGs (organizações não-governamentais).
A um ano da formação completa do lago, que será o terceiro maior do país, com uma área de 220 mil hectares (o equivalente a 300 mil campos de futebol), os peixes estão mais escassos, trechos de matas nativas apodrecem sob as águas, e animais, ilhados, estão morrendo de fome.
Perto da hidrelétrica, a foz do rio Baía, considerada um "berçário" natural de peixes, desapareceu sob as águas. A distância de uma margem à outra do rio Paraná, que antes não passava de 700 m, já tem 7 km e deve chegar a 30 km em 98.
"Mas o maior dano é social. Centenas de pessoas tiveram suas vidas comprometidas com a construção da obra", disse o secretário de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, Celso Martins, 38. No total , foram mais de 4.000 famílias afetadas pela obra, que já dura 17 anos.
Raul Carlos Broguinaro, 47, representante dos agricultores em Porto João André, em Brasilândia (MS), com 300 famílias, disse que, por duas décadas, a agricultura ficou estagnada -os bancos se recusam a oferecer empréstimos para financiar a agricultura, por causa do anunciado alagamento.
Para Sadi Baron, 23, da executiva nacional do Mab -ONG que representa cerca de 1 milhão de atingidos pelas barragens no país-, a população ribeirinha "é sempre vista como um estorvo para a obra". Segundo ele, mais de mil pessoas que não fecharam acordos com a Cesp (Companhia Energética de São Paulo) deverão ser expulsas pela inundação.
Há três semanas, um grupo de pesquisadores, ambientalistas, representantes de prefeituras e dois promotores de Justiça, batizado de "Missão Verde", desceu 400 km do Rio Paraná em 12 barcos para ver a repercussão da obra.
Ao mesmo tempo, o governador Mário Covas (PSDB) anunciava em Rosana (SP) um acordo com as empreiteiras para concluir a usina, a um custo final estimado em R$ 8,7 bilhões.
Os primeiros reassentamentos trazem a ameaça do desemprego e da desagregação das comunidades. Oleiros e pescadores, longe de suas atividades, não conseguem se adaptar à realidade da "Nova Porto 15".
O projeto da Cesp, inaugurado em 93, recebeu 500 famílias do antigo distrito de Porto 15 de Novembro, no Mato Grosso do Sul, que ficará alagado em 98.
Segundo o comerciante Eduardo Alves, 40, a maioria da população está desempregada. Ele recebeu uma mercearia e R$ 14 mil da Cesp como indenização, mas agora não tem fregueses como tinha na antiga Porto 15.
"Os moradores ficaram perdidos. Lá (no antigo distrito) eles sabiam como trabalhar."
João Francisco Neves, 40, tem quatro filhos e disse estar há um ano e meio desempregado na Nova Porto 15. "Tem muita casa fechada. O pessoal foi embora procurar trabalho."
Atendendo pedido do promotor Edival Quirino, a juíza de Bataguassu (MS) Elizabeth Anache condenou a Cesp a criar um fundo de desenvolvimento para o distrito. A juíza também obrigou a empresa a pagar R$ 2 milhões de multa para serem revertidos em programas ambientais.


O jornalista RUBENS VALENTE viajou a convite do grupo "Missão Verde"



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