|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FOLCLORE POLÍTICO
Questão de Memória
AUGUSTO MARZAGÃO
Milton Campos, estrela de
uma brilhante constelação de
homens públicos mineiros, memorável governador, era o que se
pode chamar de "um varão da
República". Sobravam-lhe qualidades políticas, democráticas, intelectuais, pessoais, éticas e humanísticas, mas infelizmente o
eleitorado brasileiro perdeu duas
oportunidades de levá-lo à vice-presidência da República, primeiro na chapa do Brigadeiro Eduardo Gomes, depois na de Jânio
Quadros, quando foi atropelado
pela maré montante em favor de
João Goulart e então tudo ficaria
catastrófico para o nosso regime
democrático. Aliás, vale relembrar a cartesiana resposta que o
senador deu para explicar a sua
derrota: "Foi simplesmente porque o candidato João Goulart obteve mais votos do que eu".
Ministro da Justiça no governo
Castelo Branco, Milton Campos
renunciaria por discordar do Ato
Institucional nº 2. Não quis ser
ministro do Supremo Tribunal
Federal porque anteriormente
havia proposto o aumento do número de membros daquela corte e
poderia parecer que estava agindo em proveito próprio. Assim era
Milton Campos, com a sua ética
discreta mas rigorosa. Não devemos esquecer que ele foi signatário do Manifesto dos Mineiros.
Quando companheiro de chapa
de Jânio Quadros, numa escolha
udenista dois meses antes das
eleições de 1960, fez com o candidato à Presidência uma viagem
pelo Nordeste. Os comícios eram
monumentais, e Jânio exercia
enorme fascínio. Tinha sempre
um discurso padrão que servia
para todos os lugares.
Milton Campos, ao contrário,
mudava o seu discurso em cada
ocasião, com grande riqueza de
vocabulário e de imagens, praticamente uma peça literária, o
que causava forte impressão a JQ.
Regressando ao Rio, a caravana
se despediu no Hotel Glória.
Mantendo relações apenas formais com seu parceiro de disputa,
Jânio se acercou de Milton Campos para satisfazer a sua curiosidade: "Professor, seus discursos
foram primorosos. Além disso, o
senhor não repetiu nenhum deles.
Qual é a receita secreta para essa
performance?" O ilustre mineiro
fez uma pequena pausa e esclareceu: "Eu acho apenas que é porque eu não tenho boa memória".
A Milton Campos não faltaria
também a virtude da modéstia.
AUGUSTO MARZAGÃO, jornalista, autor do livro "Memorial do Presente", ex-secretário particular de Jânio Quadros e
José Sarney e ex-secretário de Comunicação Institucional de Itamar Franco, escreve às sextas nesta seção
cecifrei@ulysses.com.br
Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Sob controle Próximo Texto: Datafolha: Sul pode definir realização de 2º turno Índice
|