São Paulo, sexta-feira, 04 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Questão de Memória

AUGUSTO MARZAGÃO

Milton Campos, estrela de uma brilhante constelação de homens públicos mineiros, memorável governador, era o que se pode chamar de "um varão da República". Sobravam-lhe qualidades políticas, democráticas, intelectuais, pessoais, éticas e humanísticas, mas infelizmente o eleitorado brasileiro perdeu duas oportunidades de levá-lo à vice-presidência da República, primeiro na chapa do Brigadeiro Eduardo Gomes, depois na de Jânio Quadros, quando foi atropelado pela maré montante em favor de João Goulart e então tudo ficaria catastrófico para o nosso regime democrático. Aliás, vale relembrar a cartesiana resposta que o senador deu para explicar a sua derrota: "Foi simplesmente porque o candidato João Goulart obteve mais votos do que eu".
Ministro da Justiça no governo Castelo Branco, Milton Campos renunciaria por discordar do Ato Institucional nº 2. Não quis ser ministro do Supremo Tribunal Federal porque anteriormente havia proposto o aumento do número de membros daquela corte e poderia parecer que estava agindo em proveito próprio. Assim era Milton Campos, com a sua ética discreta mas rigorosa. Não devemos esquecer que ele foi signatário do Manifesto dos Mineiros.
Quando companheiro de chapa de Jânio Quadros, numa escolha udenista dois meses antes das eleições de 1960, fez com o candidato à Presidência uma viagem pelo Nordeste. Os comícios eram monumentais, e Jânio exercia enorme fascínio. Tinha sempre um discurso padrão que servia para todos os lugares.
Milton Campos, ao contrário, mudava o seu discurso em cada ocasião, com grande riqueza de vocabulário e de imagens, praticamente uma peça literária, o que causava forte impressão a JQ.
Regressando ao Rio, a caravana se despediu no Hotel Glória. Mantendo relações apenas formais com seu parceiro de disputa, Jânio se acercou de Milton Campos para satisfazer a sua curiosidade: "Professor, seus discursos foram primorosos. Além disso, o senhor não repetiu nenhum deles. Qual é a receita secreta para essa performance?" O ilustre mineiro fez uma pequena pausa e esclareceu: "Eu acho apenas que é porque eu não tenho boa memória".
A Milton Campos não faltaria também a virtude da modéstia.


AUGUSTO MARZAGÃO, jornalista, autor do livro "Memorial do Presente", ex-secretário particular de Jânio Quadros e José Sarney e ex-secretário de Comunicação Institucional de Itamar Franco, escreve às sextas nesta seção

cecifrei@ulysses.com.br



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