São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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JANIO DE FREITAS

O sinal dos boatos

O governo está elaborando uma crise, lenta, gradual e seguramente. E, ao que tudo indica, inconscientemente, embora nada haja de percepção e compreensão muito difícil.
Uma chuva de boatos, boatos para todos os gostos, inundou o ambiente nos últimos dias e chegou a dois resultados. Um evidente, que foi o reaparecimento do ministro Antonio Palocci para servir um pretenso tranqüilizante, e outro, por ora menos evidente, porém já mais eficaz, que é o fortalecimento das razões criadoras dos boatos.
Palocci negou a possibilidade de mudança na política econômica, negou divergências no governo em torno dessa política e negou que seus dois principais assessores, que de fato conduzem a política econômica, corram qualquer risco em seus poderes. Palocci pareceu convicto de que desfazia os boatos.
Não foi geração espontânea que os boatos surgiram e se propagaram com rapidez. Muitos dos sinais que os produziram vieram de dentro do governo mesmo, e caíram no terreno propício da insatisfação crescente no empresariado industrial e comercial, além de boa parte do que chamam de base do governo. Nesses territórios os boatos prosperaram com ânimo e facilidade.
A constatação inicial, portanto, é a da falta de fundamento na negação, por Palocci, de divergências no governo motivadas pela política econômica e acirradas pela recente recusa, da Fazenda e do Banco Central, de continuar, por mínimo que fosse, a redução dos juros estrangulantes.
A constatação seguinte é mais significativa. Palocci, em mais uma reprodução da mesma entrevista que dá desde sua posse, em vez de aplacar as insatisfações e aspirações que já transbordam sob a forma de boatos, reafirmou, até com certo desafio, tudo o que as provoca. Ainda que nada pretenda conceder, aos que anseiam pelo fim da paralisia econômica, não precisava levar tão longe a inabilidade política.
A entrevista de Palocci predispõe os já inquietos para reagir pior aos dados e fatos que confirmarão a continuidade do recessivismo -como o corte de mais de um terço, agora mesmo, dos já escassos recursos de investimento previstos no Orçamento que mal começou a vigorar. Os métodos de engodo governamental podem ser eficientes, mas limitados, e se esgotam.


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