São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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AMAZONAS

PF investiga caso de tráfico de influência relatado por preso em depoimento

Lobista envolve políticos em esquema de contrabando

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

A Polícia Federal está investigando um caso de tráfico de influência que, segundo o depoimento de um lobista preso, envolve deputados federais, senadores e empresários em um esquema para facilitar o contrabando na Zona Franca de Manaus (AM).
O foco da investigação está na atuação de um grupo de lobistas que teria sido formado para pressionar, no período da sucessão presidencial, lideranças do governo de Luiz Inácio Lula da Silva a trocar os atuais dirigentes da Receita Federal na região Norte.
O suposto esquema foi revelado a partir do depoimento do administrador e lobista Sérgio Carlos Nascimento de Andrade, preso na sexta passada por acusação de extorsão. Ontem, ele ganhou proteção policial da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas por estar ameaçado de morte.
Em depoimento à PF, ao qual a Agência Folha teve acesso, Sérgio Andrade disse que foi contratado por R$ 500 mil por José Lúcio Rosa de Souza e Francisco Antônio Serrão de Souza, ambos auditores da Receita Federal do Amazonas, para que atuasse como lobista na indicação dos dois para os cargos de superintendente da Receita Federal na 2ª Região Fiscal e de inspetor da alfândega de Manaus, respectivamente. A indicação seria feita por meio de lobby com políticos do PL, PMDB, PT e PP.
O superintendente regional da Receita Federal na 2ª Região Fiscal (o Norte do país) é José Tostes Barroso Neto, que está no cargo desde 1994. A inspetora da alfândega de Manaus, Maria Elízia Andrade, ocupa a função desde 2000 e também foi mantida no cargo com o início do governo Lula.
Os dois foram os principais articuladores das operações que desbarataram um caso de contrabando na Zona Franca de Manaus, em 2002, que resultou na apreensão de R$ 200 milhões em equipamentos eletroeletrônicos importados ilegalmente da Ásia.
Em seu depoimento, Sérgio Andrade disse que empresários da Zona Franca de Manaus insatisfeitos com a "rígida" fiscalização da Receita financiaram uma campanha para que Souza e Serrão assumissem os dois cargos.
Entre 1999 a 2001, José Lúcio Rosa de Souza foi o chefe do Serviço de Controle Aduaneiro, departamento responsável pela fiscalização da entrada e saída de mercadorias da zona portuária de Manaus para os mercados nacional e exterior, e Francisco Antônio Serrão de Souza comandou o Serviço de Fiscalização Aduaneira, que é responsável por auditorias dentro das indústrias.
A Polícia Civil do Amazonas prendeu Sérgio Andrade na sexta-feira por extorsão, depois de uma denúncia de José Lúcio de Souza de que estava sendo ameaçado pelo lobista, que dizia ter um dossiê segundo o qual o fiscal teria enriquecido ilicitamente.
Andrade alegou que estava cobrando R$ 300 mil que teria de receber como parte do lobby e que o auditor se negava a pagar porque não havia sido efetivado no cargo.
Ainda segundo o depoimento, o esquema de lobby começou a ser planejado em outubro de 2002, quando foram iniciadas as negociações para nomear os ocupantes de cargos do governo federal.
"Fui procurado pelos auditores fiscais [Souza e Serrão] porque tenho uma relação de confiança com o senador Mestrinho", afirmou Andrade, em referência a Gilberto Mestrinho (PMDB-AM).
O lobista disse que recebeu dos fiscais a quantia de R$ 100 mil para custeio de passagens de avião para Brasília, hospedagens em hotéis e jantares. Entre dezembro de 2002 a agosto de 2003, ele teria feito 30 viagens à capital federal, onde colocou os fiscais em contato com senadores e deputados.
Segundo Andrade, os empresários de Manaus queriam os auditores fiscais nos cargos estratégicos da Receita para a liberação do contrabando, o que poderia geral um saldo de até US$ 10 milhões.
Estaria à frente do lobby, de acordo com Sérgio Andrade, o diretor operacional do Porto de Manaus, Alessandro Bronze, que teria ligações com o ex-senador Carlos Alberto D'Carli, envolvido numa disputa judicial com o governo do Amazonas pela operação portuária estadual.
"São financiadores do esquema de lobby o ex-senador D'Carli e o deputado federal Francisco Garcia (PFL-AM). O deputado Carlos Souza (PL-AM) poderia receber R$ 1 milhão se houvesse a efetivação do nome do senhor José Lúcio", afirmou o lobista ao depor.
Andrade citou ainda lobby feito com um deputado petista. "Eu, o deputado Paulo Rocha [PT-PA] e José Lúcio fizemos um passeio, em lancha luxuosa de nome Soledad, que pertence ao auditor."

Reação
O procurador da República no Amazonas Peterson de Paula Pereira anunciou que pedirá os depoimentos de todos os citados.
Ele solicitará à Casa Civil uma cópia do protocolo de indicação de José Lúcio de Souza com o referendo do PL. Andrade afirmou ter protocolado a indicação, com referendo do partido do deputado amazonense Carlos Souza.
A Casa Civil informou que não existe protocolo para indicação de cargos. Pode haver pedidos por escrito, mas quem poderia verificar se essa indicação foi feita não pôde ser localizado ontem.


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