São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOMBRA NO PLANALTO

Relatório da Caixa tinha o objetivo de abastecer a gestão petista de dados sobre o setor; Esporte foi alertado por procuradores

Governo já sabia de irregularidade em bingos

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A CEF (Caixa Econômica Federal) sabia desde 2003 que os bingos atuavam de forma ilícita no país. Documento interno assinado por três auditores da própria instituição concluiu que todos os bingos auditados pela Caixa apresentaram irregularidades.
O Ministério do Esporte também foi alertado dois meses depois por três procuradores do Ministério Público Federal de Brasília (DF) sobre sonegação de impostos, lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo os bingos e demais jogos no país.
O "Relatório da Fiscalização de Bingos e Sorteios Promocionais e Filantrópicos" da Caixa, com data de 11 de março, revela que "o setor é fortemente permeado por agentes relacionados com a exploração ilícita de jogos e loterias".
Isso porque esses estabelecimentos obtêm autorização para funcionar, como cita o documento, por meio de "aluguel de nomes de entidades desportivas ou filantrópicas [como clubes ou confederações esportivas]" ou criam entidades "chapa fria".
No documento obtido pela Folha, os auditores alertam sobre os riscos dessa atividade e pedem providências ao Poder Público para controlar a atuação dos bingos. A intenção do relatório era abastecer de informações do setor o governo petista, que, até recentemente, estava disposto a regulamentar a atividade no país.
Até dezembro de 2002, os bingos tinham autorização para funcionar porque até essa data venciam as últimas licenças emitidas pela Caixa para esses estabelecimentos. Desde então, não há lei que permita o funcionamento dos bingos, que têm exercido suas atividades graças a liminares conseguidas na Justiça.
O governo federal só voltou atrás da decisão de legalizar o setor antes do Carnaval por causa do escândalo Waldomiro Diniz, ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência.
Waldomiro, assessor direto do ministro José Dirceu (Casa Civil), foi flagrado em gravação de 2002 pedindo doação de campanha e propina a um empresário do ramo de jogos. Em reação, o governo editou medida provisória que proíbe o funcionamento e determina o fechamento dos bingos. Waldomiro foi exonerado, a pedido, do cargo no dia 13 passado.
No documento feito há um ano, os auditores concluíram que as "empresas que exploram a atividade ilícita são constituídas por "testas-de-ferro", administradas por terceiros portadores de procuração, o que acaba por impossibilitar ou dificultar a identificação dos verdadeiros responsáveis".
A fiscalização feita pela Caixa identificou que cerca de mil bingos estavam em funcionamento no país. Dos 389 que chegaram a ser autorizados pela Caixa, cita o relatório, e que tiveram suas prestações de contas auditadas pela instituição financeira (número não revelado no relatório), "todos apresentaram irregularidades".
A assessoria de imprensa da Caixa confirmou que os auditores que assinam o relatório -os nomes são mantidos sob sigilo por razão de segurança- fizeram o laudo e informou que o assunto deveria ser tratado com a Casa Civil.

"Nas mãos do ministro"
Entregue no dia 8 de maio de 2003 ao chefe-de-gabinete do Ministério do Esporte, Francisco Claudio Monteiro, ofício do Ministério Público Federal de Brasília reforça que os bingos "causam efetivos prejuízos morais à sociedade brasileira" e pede para "se combater esse tipo de atividade empresarial, que absorve, de forma indevida, a economia popular e permite a lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal etc."
O documento, entregue em mãos ao chefe-de-gabinete pelas procuradoras Valquíria Quixadá e Raquel Branquinho Nascimento, também é assinado pelo procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza.
Os três sugerem, no ofício 021/ 03, que o Ministério do Esporte crie força-tarefa, integrada pela Receita Federal, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão de combate à lavagem de dinheiro do Ministério da Fazenda, e Polícia Federal para apurar o montante de tributos sonegados no país e pedem o "imediato fechamento das empresas que atuam à margem da lei".
"Convidamos eles [o Ministério do Esporte] a formar uma força-tarefa para fechar os bingos no país, mas não tivemos resposta", afirma Quixadá. "Se a direção da Caixa não levou em conta a auditoria dela própria, a instituição errou", diz Souza.
Procurada pela Folha, a assessoria de imprensa do Esporte informou que o documento foi entregue de forma "informal" à entidade e que não foi repassado ao ministro.


Texto Anterior: Análise: Aliados cobrarão neutralidade de Lula na eleição
Próximo Texto: Outro lado: Caixa confirma existência de documento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.