São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2000


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JANIO DE FREITAS

A mesma história

A explicação servida ao país para o morticínio no Carandiru foi a de luta mortal homicida entre facções de encarcerados. A explicação servida ao país para o massacre em Eldorado do Carajás foi de luta fratricida entre lavradores sem terra. A explicação servida ao país para o assassinato do militante do MST no Paraná foi de tiro disparado por outro militante.
Ao adotar e subscrever essa última explicação, originária da PM paranaense, Fernando Henrique Cardoso decidiu pôr-se entre o papel de tolo e o de mal-intencionado. No primeiro caso, porque já tem idade bastante para não se comprometer com explicação de PM nenhuma. No outro, porque só má intenção levaria a manter a mesma história depois de provado que o tiro assassino foi da PM, única utilizadora de balas de borracha.
Já era tempo de governo e mídia terem percebido que o movimento dos sem-terra é uma novidade que não se limita à sua amplitude nacional. Tática e estrategicamente o seu comando mostrou-se, até aqui, com segurança, objetividade e capacidade organizativa incomuns. Seja qual for a opinião sobre o movimento e seus propósitos, tais qualidades só lhe seriam negadas por obtusidade ou má-fé.
Chamar o MST de fascista ou compará-lo aos torturadores, duas das jóias recentes da inteligência governamental, é de um ridículo que se situa no nível da palhaçada -para nada dizer-se sobre o que significa como nível mental. Alguns concluem que o governo não teve, ainda, quem o representasse como interlocutor habilitado para o seu problema com o MST. É verdade. Mas a carência é maior: o governo não teve ainda quem fizesse uma análise, no sentido pleno da palavra, do quadro no qual é uma parte e o MST inovador é outra, no cenário da absurda realidade agrária brasileira.
O governo pode ameaçar com o Exército, pode acionar a mídia para desgastar o MST e defender a repressão policial, pode mesmo acionar o Exército. Mas disso não extrairá bom resultado para ninguém. Se o MST, com as características já demonstradas, entra em ação, deve-se supor que sabe o que está fazendo e que contrapartidas lhe podem advir. É motivo mais do que suficiente para que o governo preferisse agir com a cabeça, e não com os pés ou com o dedo no gatilho.
Mas agir com a cabeça, nesse governo, é que são elas. Se fosse capaz disso, nem haveria MST.


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