São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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GUERRILHA
Reportagem da Folha acompanha ex-sargento da Força Pública na busca pela ossada de mulher morta há 30 anos
Corpo foi enterrado na região de Cotia

Antônio Gaudério/Folha Imagem
O ex-sargento Pedro Lobo observa árvores perto de local onde deve estar enterrada a ex-guerrilheira Elizabeth Conceição Mazza Nunes


da Reportagem Local

Pedro Lobo olha as árvores, busca um barranco de um metro, mais ou menos, e balança a cabeça. Está na estrada do Pau Furado, caminho de terra que parte do km 36 da rodovia Raposo Tavares, tentando recompor o trajeto que fez há 30 anos para enterrar Elizabeth Conceição Mazza Nunes.
Lobo parece comovido. "Enterrar um companheiro morto -foi uma cena triste, chocante", lembra o ex-sargento da Força Pública aposentado compulsoriamente em 1964. Ele saiu de São José dos Campos (97 km de São Paulo) para tentar encontrar a ossada junto com a reportagem da Folha.
Não é a primeira vez que Lobo busca o corpo que lhe tira o sono. Em 1980, quando voltou do exílio na extinta Alemanha Oriental, pegou o carro e foi até Cotia.
Não deu em nada a busca.
No caminho para a nova busca, Lobo descreve a estrada que pegou com o Fusca, dentro do qual iam o cadáver e quatro guerrilheiros. "Logo que nós saímos da Raposo tinha um barranco alto. Depois, havia uma ladeira forte, bem íngreme. Aí tinha uma bifurcação. Não me lembro se pegamos à direita ou à esquerda. Só sei que a estradinha subia e descia o tempo todo. Era uma serrinha."
Na primeira tentativa, falta o barranco alto na tal estradinha de terra. A segunda é a estrada do Pau Furado, que liga Cotia a Vargem Grande (Grande São Paulo).
Parte da estrada continua a mesma de 30 anos atrás -há resquícios de mata atlântica e nem uma alma viva à vista. No final, um vilarejo rural convive com um condomínio de classe média alta, com casas em estilo montanhês.
"Acho que era essa estrada", diz no meio da mata quase fechada. Desce do carro quando a estrada fica plana e fala com convicção: "A região foi essa. O duro é achar o local exato".
Lobo lembra repentinamente que havia um roçado de milho do outro lado do barranco onde enterraram Elizabeth. O milho estava seco. "Era de noite, estava escuro, mas tenho certeza de que havia um roçado na frente do barranco", conta.
A memória falha em outros detalhes. Lobo diz que pegou o carro já com o corpo dentro na região da Lapa, zona noroeste de São Paulo. Segundo ele, estavam no Fusca Onofre Pinto, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, e Yoshitane Fujimori, todos mortos posteriormente.
Dulce Maia participou da etapa anterior da operação -a que retirou o corpo do apartamento e colocou-o no carro. Ela diz não se lembrar da presença de Fujimori e Bacuri no carro dos guerrilheiros encarregados do sepultamento.
Foi um dos guerrilheiros que sugeriu a estradinha em Cotia. Com um enxadão, abriram uma cova rasa a uns 50 metros da estrada, segundo Lobo.

Recordação
Ele lembra que retirou um "anel com uma pedrinha" dos dedos de Elizabeth, a quem não conhecia, e pediu a um dos companheiros para encaminhá-lo à família. É a sua última lembrança sobre o sepultamento.
Já na prisão, conta que foi torturado por policiais que sabiam da história. "Muitos companheiros apanharam, mas ninguém contou nada", afirma Lobo.
Hoje, ele lamenta não ter feito um mapa do local ou colocado um marco sobre a cova. "É quase impossível localizar a cova", diz.
Mas Lobo não desistiu de localizar Elizabeth. "Queria devolver a ossada para a família. Essa moça deu a vida para a revolução, mesmo indiretamente. Vou fazer força para lembrar. Aí a gente volta aqui". (MCC)



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