São Paulo, Quinta-feira, 05 de Agosto de 1999
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CELSO PINTO
Mercado fica mais cético

Todos concordam que o fluxo de pagamentos externos, neste mês, está tranquilo. O câmbio, contudo, continua pressionado, a R$ 1,83 por dólar. Um título da dívida externa do Brasil, o C-Bond, caiu a níveis próximos aos da crise da Rússia e a Bolsa já perdeu 12,5% desde o final de junho.
Qual a lógica? Existe uma razão geral e algumas explicações específicas.
A razão geral é uma clara piora das expectativas do mercado em relação, principalmente, ao cenário político. A percepção é que tanto o principal expoente do PFL, Antonio Carlos Magalhães, quanto do PMDB, Jader Barbalho, continuam jogando para si e complicando a vida do governo.
A proposta do "imposto da pobreza" de ACM é vista como mais uma pedra no caminho da reforma tributária -cuja aprovação o mercado já considerava muito improvável. Duvida-se do senso de urgência dos partidos e do próprio governo em relação à aprovação das reformas. Não importa se a visão é correta ou não. É ela que está movendo o mercado.
Existe enorme ceticismo, também, em relação à sustentabilidade da situação fiscal, principalmente no próximo ano. Muitas receitas não se repetirão e a aprovação das reformas é altamente improvável. Certa ou errada, essa é a visão dominante.
A esse ceticismo interno, somam-se incertezas externas. Teme-se um aumento nos juros americanos, turbulências na Argentina e confusão provocada pelo ""bug do milênio". A retração dos investidores externos em relação a países emergentes não é nova. Ela já vinha acontecendo há alguns meses; apenas se agravou desde julho.
A Bolsa sofre, também, com a CPMF, uma das responsáveis pela queda de 23,5% no movimento entre junho e julho. A migração para mercados externos era previsível e não faltaram alertas.
As cotações do C-Bond refletem esta retração externa e as incertezas sobre o Brasil. Ontem, o papel era cotado a 59,5 centavos por dólar, ao nível do final do ano passado e não muito longe da cotação durante a crise russa. A esta cotação, o prêmio do C-Bond em relação aos títulos americanos chega perto de 11 pontos percentuais.
É verdade que existe uma diferença importante. No ano passado, os títulos da dívida brasileira de prazo menor que o C-Bond rendiam ainda mais. Hoje, os papéis mais curtos rendem menos, o que faz mais sentido. A chamada "curva de juros" dos papéis brasileiros está mais adequada.
O Brasil não está sozinho na piora recente. Os papéis argentinos, que no passado chegaram a pagar até seis pontos percentuais menos que os do Brasil, hoje estão muito próximos: conforme o papel, a diferença é de um ponto ou menos. O México, ao contrário, paga hoje quase a metade do prêmio pago pelo Brasil.
O que é incoerente na situação atual é que os próprios bancos são os primeiros a projetar uma situação de contas externas muito razoável neste ano. A entrada de investimentos diretos têm superado as expectativas mais otimistas e podem cobrir, ou chegar muito perto, do déficit em conta corrente.
Isso quer dizer que o Brasil não precisa de capital especulativo nos próximos meses e que o câmbio não deveria estar pressionado. Por esse lado, não há razão para não reduzir um pouco mais os juros. Pelo lado inflacionário, tampouco existem sinais de pressão, exceto a gerada pelos preços administrados pelo governo (liderados pelos derivados de petróleo).
Mesmo supondo que os juros internos não devem ser muito diferentes dos juros pagos pelo Brasil no exterior mais a expectativa de desvalorização futura, não está claro que já se tenha chegado a algum "piso" hipotético. Se não existem razões para os juros subirem, então existe espaço para uma retomada, ainda que gradual, do crescimento, o que é uma boa notícia.
Mesmo as previsões catastróficas do lado fiscal parecem exageradas. O equilíbrio de médio prazo ainda é precaríssimo, mas a situação do ano que vem está longe de ser desastrosa, embora exija, provavelmente, algumas medidas adicionais.
Restam as incertezas políticas e essas são difíceis de dissipar. O que fica cada vez mais claro é que, se o governo não produzir fatos positivos na área das reformas nos próximos meses, corre o risco de ser engolido pelas expectativas negativas, apesar da melhora em vários aspectos da situação econômica.




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