São Paulo, Terça-feira, 05 de Outubro de 1999
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JANIO DE FREITAS

Falta defesa

O novo capítulo da série inesgotável de constrangimentos morais do governo Fernando Henrique compromete, mais uma vez, a Abin-Agência Brasileira de Inteligência, o revivido e ampliado SNI. A Abin está na origem de um problema que, além de sua gravidade política e institucional, sensibiliza um setor aplicado em manter-se à margem das crises -os militares.
Um ministro da Defesa identificado com proteção a um portador ilegal de armas exclusivas das Forças Armadas, para livrá-lo da prisão, já seria um contra-senso incompatível com a função ministerial e militar. São como um exagero do absurdo, portanto, as também apontadas relações suas com cabeças de contravenção, de esquadrão da morte e narcotráfico e, ainda, com decisões judiciais impróprias. Mas a resposta do ministro Elcio Alvares a acusações assim pesadas confirma uma parte e não basta para eliminar a outra.
O relatório do delegado Francisco Badenes Jr., divulgado por "IstoÉ", situa em 98 as intervenções de Elcio Alvares em favor de Dejair Cabo Camata, ex-policial notabilizado há anos em episódios de violência extrema no Espírito Santo. Foi, então, como líder do governo no Senado que Elcio Alvares exerceu sua pressão sobre o secretário da Segurança e o então governador Vitor Buaiz, ambos, na época, muito carentes de socorros federais.
Derrotado na eleição para governador do Espírito Santo, Elcio Alvares tornou-se ministro com duas originalidades. Foi nomeado por Fernando Henrique, na composição do segundo mandato, para um ministério que só viria a existir meses depois da nomeação. E fez com que o Ministério da Defesa começasse sua existência como um brinde de consolação para um senador muito dócil à Presidência, mas repelido pelo eleitorado. Estava mais do que justificada a má recepção dos militares à escolha de Fernando Henrique, para a estréia do ministério ainda mal digerido.
Aí entra a responsabilidade da Abin, em duas etapas. Quanto à primeira, ou nada sabia ou sabia e silenciou, quando da escolha de um nome para a complicada pasta da Defesa, sobre as atitudes de Elcio Alvares junto ao governo capixaba, suficientes para incompatibilizá-lo com um cargo também responsável pela segurança. Para nem se falar de outros requisitos.
A segunda etapa foi configurada em pessoa pelo chefe da Abin, general Alberto Cardoso, ao assumir a tarefa de convencer os relutantes comandos militares a aceitar Elcio Alvares como ministro da Defesa. O principal argumento a favor do escolhido era sua maleabilidade, antecipando um ministro apenas decorativo, com as decisões deixadas ao secretário de cada Força. Concluída, porém, a decoração mostra o mesmo desconforto em que os decoradores profissionais são especialistas.
É interessante, por isso tudo, que Elcio Alvares vá "ser investigado", segundo pedido divulgado pelo próprio, pela Abin do general Cardoso. A competência constitucional da Abin para investigações é discutível, no mínimo. Mas, produzindo a conveniência prática de ser o patrocinador a investigar o patrocinado, aplica a conveniência filosófica do fernandismo de contrapor-se à investigação de tudo que o comprometa.
Ao seu envolvimento nos grampos do BNDES, à surpresa com o movimento dos caminhoneiros, à invenção do plantio de maconha pelo Movimento dos Sem-Terra, à indicação de um envolvido em tortura para diretor da Polícia Federal, a Abin junta mais um feito contra o governo e contra Fernando Henrique. É um prêmio justo a quem se dispôs a recriar o nefando e nefasto SNI.



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