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São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003

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ELIO GASPARI

O tucano paulista virou carcará

Os 11 ataques da bandidagem paulista aos postos de PMs, carros, delegacias e sedes de batalhões resultaram na morte de dois policiais. Tomara que sirvam para desfazer a aliança do tucanato paulista com a banda da polícia que se especializou em produzir eventos. Os sábios do cosmopolitismo estão representados na questão da segurança pública paulista pelo secretário Saulo de Castro Abreu Filho. O doutor já mostrou a solidez de suas convicções quando tomou a defesa da permanência de um delegado de carreira, famoso torturador dos porões da ditadura, no serviço de inteligência de sua polícia (leia-se central de grampos).
O doutor Saulo faz o gênero "pega, mata e come", divulgado nacionalmente em março de 2002, quando felicitou policiais que montaram uma operação na qual 12 marginais foram mortos. Esse gênero destina-se a propagar a impressão de que há uma relação entre o número de bandidos mortos e a melhoria da qualidade da segurança no Estado. Nos primeiros três meses deste ano, a polícia paulista matou 122 pessoas, 69% acima da estatística do ano anterior. Nesse mesmo período, houve cerca de 60 mil roubos, recorde (por pouco) em relação a 2002. A ousadia dos bandidos ao atacar a polícia repete o que já devia estar aprendido: essa política mata gente, deforma a máquina da segurança pública e não resolve problema nenhum. Se resolvesse, não existiria bandidagem no Brasil.
O governo paulista enfeitou a biografia do tucanato chique com a cicatriz da dispensa de um ouvidor da polícia que denunciou uma "política de matança" e acusou a Secretaria da Segurança de boicotá-lo. Nas palavras do funcionário, Fermino Fecchio: "Na hora em que a Corregedoria da PM, que é obrigada por lei a me mandar documentos, não manda, você não consegue a reposição de funcionários e não tem material para trabalhar, o que posso dizer? Só posso chamar isso de boicote".
Em setembro, quando o empresário José Nelson Schincariol foi morto na garagem de sua casa, a polícia interrogou um garçom e ele confessou-se assassino. Dias depois, prenderam-se os autores do crime. O cidadão que confessara o crime disse que foi torturado. O doutor Saulo informou à patuléia que a tortura não é da tradição da polícia paulista e ofereceu a seguinte pérola: "Ele [o cidadão] confessou alguma coisa mediante tortura, violência, grave ameaça? Não. Ninguém o torturou". Não há por que duvidar do secretário, mas além de pagar impostos, a choldra pode perguntar: E por que o cidadão confessou um homicídio que não praticou sem ter sido torturado ou ameaçado? Síndrome de Darlene? Queria virar celebridade?
Na segunda-feira, noticiário da Secretaria da Segurança informava que o doutor Saulo recebeu, na sexta, a medalha "Cinquentenário do Canil". Explicando os ataques contra a polícia, o secretário teve o seu instante de George Bush. Assim como o presidente americano atribui os atentados de Bagdá ao desespero da resistência iraquiana, o doutor Saulo viu nos ataques da bandidagem "uma demonstração de força que não se tem". Anthony Garotinho ganhou um competidor.


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