São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


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PRIVATIZAÇÃO

Governo não visa lucro na venda das estatais, diz chefe do departamento econômico do banco

Objetivo é ganho social, afirma BNDES

do enviado especial ao Rio

O economista Armando Castelar, chefe do Departamento Econômico do BNDES, disse à Folha que o objetivo do governo com as privatizações não é o lucro, mas o "ganho social". Ele afirma que os financiamentos concedidos pelo banco para a compra de estatais não são benefícios.
Castelar foi indicado para atender a reportagem pela assessoria de imprensa do banco, que conhecia previamente o teor da apuração jornalística, tendo fornecido parte dos números utilizados nos cálculos.
O BNDES prometeu encaminhar à Folha uma série de dados referentes às privatizações. Durante a entrevista, a assessora de imprensa do banco, Cecília Branco, chegou a interromper várias vezes as respostas de Castelar para dizer que os números seriam dados depois. A entrevista foi feita na quinta-feira pela manhã no Rio. Até o fechamento desta edição, ontem às 13h, o BNDES não havia fornecido os dados.
(ROBERTO COSSO)

Folha - O sr. concorda com a afirmação de que o lucro das privatizações é a diferença entre o valor arrecadado e o valor do patrimônio alienado?
Armando Castelar
- Eu nunca tinha ouvido a expressão "lucro das privatizações". O governo não objetiva o lucro, mas um ganho social. O ganho social da privatização se reflete em milhões de coisas. O patrimônio é um dado contábil que nem sempre equivale ao dado econômico.

Folha - Qual a razão que levou o BNDES a conceder empréstimos para as privatização?
Castelar
- O financiamento nem sempre é feito pelo BNDES. Quando foi vendida a Telebrás, o Tesouro fez o financiamento, o parcelamento do pagamento.
O BNDES tem dois papéis muito distintos: tem o BNDES que é agente da privatização, é gestor da privatização; e tem o BNDES que é um banco de desenvolvimento, que é a única fonte de crédito de longo prazo que existe no Brasil.
Quem concede o financiamento é a única instituição que dá financiamento de longo prazo no país. Em operações de compra de empresas, é típico o comprador financiar uma parte, isso acontece em qualquer lugar do mundo.

Folha - E qual é o critério do BNDES para financiar uma privatização e não financiar outra?
Castelar
- É o social. Primeiro tem que haver demanda. E precisa avaliar se aquilo é uma coisa boa para o país. Como credor privado, você analisa só a questão do lucro. Se você é um credor público, avalia o impacto social do empréstimo. O caso mais típico é para criar uma competição maior por ativos públicos. Quem compra paga um preço mais alto...

Folha - Mas depois esse ágio vai virar isenção fiscal.
Castelar
- Não tenho como comentar um negócio que não conheço os detalhes. O fato de você ter um ganho fiscal em cima disso não significa que o Tesouro não está ganhando; é óbvio que está ganhando. Senão, você chegaria à conclusão absurda de que não valeria a pena vender mais caro. Não tem o menor cabimento.

Folha - Em relação a esse financiamento para a Tietê...
Castelar
- Espero que tenha ficado claro que esse financiamento tem um benefício social gigantesco. Foi um ganho para o Estado de São Paulo extremamente significativo. Com R$ 300 milhões a mais o Estado faz muita coisa.

Folha - Depois que as privatizações foram realizadas, o BNDES deu empréstimos para as ex-estatais. Qual a razão que leva o BNDES a fazer isso?
Castelar
- É a razão que leva o BNDES a fazer empréstimos para investimentos de uma maneira geral: o país precisa investir, senão não cresce. O BNDES é a única fonte de longo prazo do país e empresta para essas empresas como investimento no nosso país. Isso vale para qualquer empréstimo que o BNDES faz. Não tem nada de peculiar nesse caso. Qualquer empresa que venha aqui com um projeto de investimento que seja financeira e economicamente razoável e que faça sentido para o país, a gente financia.

Folha - Um dos argumentos para que fossem realizadas as privatizações é o fato de as empresas privadas terem uma capacidade maior de investimento. Como fica essa contradição?
Castelar
- Se você olhar o que aconteceu com o investimento das empresas que foram privatizadas, quadruplicou depois da privatização. Não é discurso: hoje em dia você já tem suficiente evidência para ver que aumentou muito o investimento das empresas depois da privatização.

Folha - E ainda assim o governo julga que é necessário o BNDES colaborar com esse aumento de investimento?
Castelar
- Qualquer empresa que investe financia parte do investimento. Senão a gente acabava com os bancos. Para isso existem mercado de crédito. Banco empresta para empresa fazer investimento; é assim que funciona a economia. O BNDES é um banco que financia parte do investimento que foi feito por empresas, não só empresas privatizadas.

Folha - O BNDES também financia estatais?
Castelar
- Existe uma resolução do Banco Central que limita o financiamento que pode ser dado ao setor público de maneira geral (a assessoria de imprensa do BNDES informa que esses financiamentos não são feitos).

Folha - Quais foram as razões que levaram o governo a receber as "moedas podres" como pagamento das estatais?
Castelar
- A idéia original sempre foi de usar as receitas da privatização para abater dívidas. Desde o início houve essa visão de que, se recebesse como forma de pagamento dívidas do setor público, estaria alcançando esses objetivos de maneira imediata e sem risco de desvios. Tinha também a questão do financiamento pelo próprio mercado.

Folha - O programa de privatização reduziu a dívida pública?
Castelar
- Significativamente. Só com a privatização da Telebrás, o pagamento de juros foi reduzido na casa de bilhões de reais.

Folha - Mas a dívida cresce constantemente...
Castelar
- Não fossem as privatizações, teria crescido muito mais. É óbvio que nesse meio tempo você teve déficits fiscais de magnitudes muito maiores que as privatizações. O que aconteceu com o total da dívida? A gente sabe que cresceu.

Folha - Por que não foram aceitas moedas de privatização na venda da Vale do Rio Doce e da Telebrás?
Castelar
- É uma decisão do presidente da República, por sugestão do CND (Conselho Nacional de Desestatização). O próprio estoque que moedas foi caindo.

Folha - Valor de caixa foi levado em consideração?
Castelar
- Óbvio. Todo mundo: quem estava vendendo e quem estava comprando.

Folha - Que balanço o sr. faz das privatizações?
Castelar
- É bastante positivo. O aumento de eficiência das empresas foi absolutamente notável, o aumento de investimento foi gigantesco. Nas telecomunicações foram criados 20 mil empregos em um ano. As empresas privatizadas tiveram uma gestão ambiental muito melhor que as estatais. Teve um impacto importante para atrair capital estrangeiro. Quando a empresa fica mais lucrativa -e o lucro dessas empresas cresceu muito- elas pagam mais impostos porque vendem mais. Paga mais imposto direto e indireto. As estatais de maneira geral davam prejuízo e o governo fazia aportes gigantescos.

Folha - Em relação ao papel do BNDES...
Castelar
- Acho que o papel do BNDES é superimportante.

Folha - Qual o grau de importância que o sr. dá aos financiamentos?
Castelar
- Acho que os financiamentos tiveram importância em alguns casos e não tiveram em outros. Tanto que ocorreram em alguns casos e, em outros, foram oferecidos e não foram aceitos. O banco tem um papel de fonte de financiamento de longo prazo inquestionável. Não acho que tenha sido fundamental, mas acho que foi um papel importante.

Folha - A reportagem verificou que a soma de todos os benefícios que foram concedidos às empresas que compraram as estatais privatizadas chega perto do valor total arrecadado.
Castelar
- Como é que faz essa conta? Como é que você soma moedas com financiamento? O que você está somando exatamente? Você soma, mas o que essa soma significa?

Folha - Significa o valor dos benefícios concedidos.
Castelar
- Não. Pense o seguinte: estou te vendendo um carro, aí eu digo: "Não me paga agora não, me paga em seis meses, um sexto a cada mês." Significa que você comprou de graça?

Folha - Não.
Castelar
- Você teve benefício?

Folha - Sim.
Castelar
- Qual foi o benefício?

Folha- Foi o financiamento.
Castelar
- Financiamento é benefício? Então tem de somar 24% do PIB que é o financiamento que tem aí de maneira geral. E daí?

Folha - O sr. não acha que financiamento seja benefício?
Castelar
- Financiamento é mercado de crédito. Você acha que o mercado de crédito inteiro é um benefício?

Folha - Foi o sr. quem disse que o BNDES é o principal financiador a longo prazo. Para alguns casos houve financiamento, para outros não...
Castelar
- Financiamento não é benefício. É diferente de eu dizer: "Você é meu amigo, então vou te vender com desconto". É diferente: isso é um benefício. Estou dando um desconto, estou abrindo mão de alguma coisa. Outra coisa é mercado de crédito. Se você considerar que qualquer financiamento é um benefício... Tanto não é que teve financiamento que foi oferecido e não quiseram. Essas operações de financiamento deram um retorno bastante elevado em alguns casos.



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