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PRIVATIZAÇÃO
Governo não visa lucro na venda das estatais, diz chefe do departamento econômico do banco
Objetivo é ganho social, afirma BNDES
do enviado especial ao Rio
O economista Armando Castelar, chefe do Departamento Econômico do BNDES, disse à Folha
que o objetivo do governo com as
privatizações não é o lucro, mas o
"ganho social". Ele afirma que os
financiamentos concedidos pelo
banco para a compra de estatais
não são benefícios.
Castelar foi indicado para atender a reportagem pela assessoria
de imprensa do banco, que conhecia previamente o teor da
apuração jornalística, tendo fornecido parte dos números utilizados nos cálculos.
O BNDES prometeu encaminhar à Folha uma série de dados
referentes às privatizações. Durante a entrevista, a assessora de
imprensa do banco, Cecília Branco, chegou a interromper várias
vezes as respostas de Castelar para dizer que os números seriam
dados depois. A entrevista foi feita na quinta-feira pela manhã no
Rio. Até o fechamento desta edição, ontem às 13h, o BNDES não
havia fornecido os dados.
(ROBERTO COSSO)
Folha - O sr. concorda com a
afirmação de que o lucro das
privatizações é a diferença entre o valor arrecadado e o valor
do patrimônio alienado?
Armando Castelar - Eu nunca
tinha ouvido a expressão "lucro
das privatizações". O governo não
objetiva o lucro, mas um ganho
social. O ganho social da privatização se reflete em milhões de
coisas. O patrimônio é um dado
contábil que nem sempre equivale ao dado econômico.
Folha - Qual a razão que levou
o BNDES a conceder empréstimos para as privatização?
Castelar - O financiamento nem
sempre é feito pelo BNDES.
Quando foi vendida a Telebrás, o
Tesouro fez o financiamento, o
parcelamento do pagamento.
O BNDES tem dois papéis muito distintos: tem o BNDES que é
agente da privatização, é gestor da
privatização; e tem o BNDES que
é um banco de desenvolvimento,
que é a única fonte de crédito de
longo prazo que existe no Brasil.
Quem concede o financiamento
é a única instituição que dá financiamento de longo prazo no país.
Em operações de compra de empresas, é típico o comprador financiar uma parte, isso acontece
em qualquer lugar do mundo.
Folha - E qual é o critério do
BNDES para financiar uma privatização e não financiar outra?
Castelar - É o social. Primeiro
tem que haver demanda. E precisa avaliar se aquilo é uma coisa
boa para o país. Como credor privado, você analisa só a questão do
lucro. Se você é um credor público, avalia o impacto social do empréstimo. O caso mais típico é para criar uma competição maior
por ativos públicos. Quem compra paga um preço mais alto...
Folha - Mas depois esse ágio
vai virar isenção fiscal.
Castelar - Não tenho como comentar um negócio que não conheço os detalhes. O fato de você
ter um ganho fiscal em cima disso
não significa que o Tesouro não
está ganhando; é óbvio que está
ganhando. Senão, você chegaria à
conclusão absurda de que não valeria a pena vender mais caro.
Não tem o menor cabimento.
Folha - Em relação a esse financiamento para a Tietê...
Castelar - Espero que tenha ficado claro que esse financiamento tem um benefício social gigantesco. Foi um ganho para o Estado de São Paulo extremamente
significativo. Com R$ 300 milhões
a mais o Estado faz muita coisa.
Folha - Depois que as privatizações foram realizadas, o
BNDES deu empréstimos para
as ex-estatais. Qual a razão que
leva o BNDES a fazer isso?
Castelar - É a razão que leva o
BNDES a fazer empréstimos para
investimentos de uma maneira
geral: o país precisa investir, senão não cresce. O BNDES é a única fonte de longo prazo do país e
empresta para essas empresas como investimento no nosso país.
Isso vale para qualquer empréstimo que o BNDES faz. Não tem
nada de peculiar nesse caso. Qualquer empresa que venha aqui
com um projeto de investimento
que seja financeira e economicamente razoável e que faça sentido
para o país, a gente financia.
Folha - Um dos argumentos
para que fossem realizadas as
privatizações é o fato de as empresas privadas terem uma capacidade maior de investimento. Como fica essa contradição?
Castelar - Se você olhar o que
aconteceu com o investimento
das empresas que foram privatizadas, quadruplicou depois da
privatização. Não é discurso: hoje
em dia você já tem suficiente evidência para ver que aumentou
muito o investimento das empresas depois da privatização.
Folha - E ainda assim o governo julga que é necessário o
BNDES colaborar com esse aumento de investimento?
Castelar - Qualquer empresa
que investe financia parte do investimento. Senão a gente acabava com os bancos. Para isso existem mercado de crédito. Banco
empresta para empresa fazer investimento; é assim que funciona
a economia. O BNDES é um banco que financia parte do investimento que foi feito por empresas,
não só empresas privatizadas.
Folha - O BNDES também financia estatais?
Castelar - Existe uma resolução
do Banco Central que limita o financiamento que pode ser dado
ao setor público de maneira geral
(a assessoria de imprensa do
BNDES informa que esses financiamentos não são feitos).
Folha - Quais foram as razões
que levaram o governo a receber as "moedas podres" como
pagamento das estatais?
Castelar - A idéia original sempre foi de usar as receitas da privatização para abater dívidas.
Desde o início houve essa visão de
que, se recebesse como forma de
pagamento dívidas do setor público, estaria alcançando esses objetivos de maneira imediata e sem
risco de desvios. Tinha também a
questão do financiamento pelo
próprio mercado.
Folha - O programa de privatização reduziu a dívida pública?
Castelar - Significativamente.
Só com a privatização da Telebrás, o pagamento de juros foi reduzido na casa de bilhões de reais.
Folha - Mas a dívida cresce
constantemente...
Castelar - Não fossem as privatizações, teria crescido muito
mais. É óbvio que nesse meio
tempo você teve déficits fiscais de
magnitudes muito maiores que as
privatizações. O que aconteceu
com o total da dívida? A gente sabe que cresceu.
Folha - Por que não foram
aceitas moedas de privatização
na venda da Vale do Rio Doce e
da Telebrás?
Castelar - É uma decisão do
presidente da República, por sugestão do CND (Conselho Nacional de Desestatização). O próprio
estoque que moedas foi caindo.
Folha - Valor de caixa foi levado em consideração?
Castelar - Óbvio. Todo mundo:
quem estava vendendo e quem
estava comprando.
Folha - Que balanço o sr. faz
das privatizações?
Castelar - É bastante positivo. O
aumento de eficiência das empresas foi absolutamente notável, o
aumento de investimento foi gigantesco. Nas telecomunicações
foram criados 20 mil empregos
em um ano. As empresas privatizadas tiveram uma gestão ambiental muito melhor que as estatais. Teve um impacto importante
para atrair capital estrangeiro.
Quando a empresa fica mais lucrativa -e o lucro dessas empresas cresceu muito- elas pagam
mais impostos porque vendem
mais. Paga mais imposto direto e
indireto. As estatais de maneira
geral davam prejuízo e o governo
fazia aportes gigantescos.
Folha - Em relação ao papel do
BNDES...
Castelar - Acho que o papel do
BNDES é superimportante.
Folha - Qual o grau de importância que o sr. dá aos financiamentos?
Castelar - Acho que os financiamentos tiveram importância em
alguns casos e não tiveram em outros. Tanto que ocorreram em alguns casos e, em outros, foram
oferecidos e não foram aceitos. O
banco tem um papel de fonte de
financiamento de longo prazo inquestionável. Não acho que tenha
sido fundamental, mas acho que
foi um papel importante.
Folha - A reportagem verificou
que a soma de todos os benefícios que foram concedidos às
empresas que compraram as estatais privatizadas chega perto
do valor total arrecadado.
Castelar - Como é que faz essa
conta? Como é que você soma
moedas com financiamento? O
que você está somando exatamente? Você soma, mas o que essa soma significa?
Folha - Significa o valor dos
benefícios concedidos.
Castelar - Não. Pense o seguinte: estou te vendendo um carro, aí
eu digo: "Não me paga agora não,
me paga em seis meses, um sexto
a cada mês." Significa que você
comprou de graça?
Folha - Não.
Castelar - Você teve benefício?
Folha - Sim.
Castelar - Qual foi o benefício?
Folha- Foi o financiamento.
Castelar - Financiamento é benefício? Então tem de somar 24%
do PIB que é o financiamento que
tem aí de maneira geral. E daí?
Folha - O sr. não acha que financiamento seja benefício?
Castelar - Financiamento é
mercado de crédito. Você acha
que o mercado de crédito inteiro é
um benefício?
Folha - Foi o sr. quem disse
que o BNDES é o principal financiador a longo prazo. Para alguns casos houve financiamento, para outros não...
Castelar - Financiamento não é
benefício. É diferente de eu dizer:
"Você é meu amigo, então vou te
vender com desconto". É diferente: isso é um benefício. Estou dando um desconto, estou abrindo
mão de alguma coisa. Outra coisa
é mercado de crédito. Se você
considerar que qualquer financiamento é um benefício... Tanto
não é que teve financiamento que
foi oferecido e não quiseram. Essas operações de financiamento
deram um retorno bastante elevado em alguns casos.
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