São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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CONTAS PÚBLICAS
Valor equivale a mais de quatro vezes o que foi destinado a instituições privadas pelo Proer
Ajuda a banco estadual atinge R$ 90 bi

DAVID FRIEDLANDER
RICARDO GRINBAUM

da Reportagem Local

A privatização do Banespa, prevista para maio, marca o fim da era dos grandes bancos estaduais. Acaba, também, com um jeito de fazer negócios que deixou como saldo 32 instituições públicas quebradas e um rombo de R$ 90 bilhões, em valores atualizados.
A dívida deixada pelos bancos estaduais é mais de quatro vezes maior que o gasto com o Proer, o programa de socorro a bancos privados em dificuldades, que consumiu R$ 20,3 bilhões. Daria para construir 4,5 milhões de casas populares ou aumentar em 4,5 vezes o gasto anual do governo federal com a saúde pública.
"Esse prejuízo é um absurdo, mas nem sequer foi mencionado na CPI do sistema financeiro", diz Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.
Grande parte dos R$ 90 bilhões foi efetivamente gasto em obras públicas. O problema é que o dinheiro saía dos bancos, mas quase nunca voltava. Os governadores usavam seus bancos como caixa de financiamento e, quando o Estado quebrava, levava a instituição junto.

Amigos
Investigações do Banco Central mostram que, além de financiar os Estados, uma parte importante dos empréstimos beneficiou políticos, empresários amigos ou foram parar em empresas que não tinham condições técnicas de honrar seus compromissos.
"Não havia interesse em que esses bancos fossem organizados e eficientes porque muitos empréstimos se originavam de conveniências políticas", diz Carlos Eduardo de Freitas, diretor de Finanças Públicas do BC.
Até agora, o BC já abriu 25 processos administrativos e encaminhou 13 denúncias ao Ministério Público, a maior parte por gestão temerária. O BC não sabe informar quantas pessoas foram denunciadas.
O problema dos bancos estaduais é antigo, mas começou a ser dimensionado com mais precisão em 96, quando o governo federal criou um programa, Proes (Programa de Saneamento dos Bancos Estaduais), para acabar com as instituições.
Como os bancos estavam em dificuldades, os governadores não tiveram alternativa a não ser aceitar a condição do BC, que era fechar, reestruturar ou vender seus bancos. Em troca, receberam o dinheiro para cobrir o rombo das instituições estaduais.

Juros
Grande parte dos R$ 90 bilhões é resultado da elevada taxa de juros cobrada sobre a dívida, que torna o débito dos Estados uma bola de neve que não pára de aumentar. Mas poderia ser pior se o empréstimo do Tesouro aos Estados adotasse as taxas de juros praticadas no mercado financeiro.
Pelo acordo, os Estados terão 30 anos para devolver o dinheiro, pagando juros de 6% acima da inflação. É uma taxa subsidiada, segundo o BC. Os juros de 6% são menores do que a taxa que o Tesouro Nacional paga para levantar esses recursos na praça.
Fechar a torneira dos bancos foi uma maneira encontrada pelo governo federal para controlar as contas dos Estados. Muitos deles faziam, ao mesmo tempo, o papel do cliente que tomava o empréstimo e do gerente que autorizava a liberação do dinheiro.
Em São Paulo, o Banespa era o principal motor dos governadores. Quando a situação apertava, o Palácio dos Bandeirantes obrigava o banco a comprar títulos emitidos pelo Estado.
Na contabilidade do Banespa, os auditores do Banco Central encontraram uma dívida de R$ 20 bilhões em papéis que o Estado não resgatou. Nos últimos 15 anos, o governo federal tentou várias vezes enquadrar os bancos estaduais, sem sucesso. O governador explorava o banco já pensando em rolar a dívida para o sucessor, e este, quando assumia, corria a Brasília para pedir socorro alegando que a culpa não era dele. O BC também não se empenhava muito nas tentativas de conserto, para evitar disputas.
Funcionários do BC contaram à Folha que a situação sempre piorava nas trocas de governo. Depois de tomar posse, o governador eleito retribuía doações que ele e seus deputados tinham recebido na campanha por meio de empréstimos que terminavam não sendo pagos.
O Produban, de Alagoas, sofreu duas intervenções antes de ser fechado de vez, em 97. Seus principais devedores eram os usineiros, que também eram os maiores doadores nas campanhas.
Agentes do BC que trabalharam no Produban descobriram que os usineiros não pagavam o que deviam. Mesmo assim os empréstimos eram renovados e muitas vezes por telefone -o que contraria completamente o rito de rechecagem de clientes inadimplentes, seguido por instituições sérias. O buraco do Produban, em valores de hoje, é de R$ 633 milhões.
"No setor privado, havia uma prática generalizada de não honrar os empréstimos levantados em bancos oficiais", afirma Alkimar Moura, ex-diretor de Política Monetária do BC.
O Banestado, do Paraná, tem a terceira maior dívida com o Tesouro Nacional -R$ 5,8 bilhões. Seu maior problema foram empréstimos malfeitos, como financiamento a empresas fantasmas e compra de títulos que não puderam ser resgatados.
"Os problemas do Banestado se acumulam há vários anos", diz Giovani Gionedis, secretário das Finanças do Paraná. "Cerca de 70% da dívida foi deixada pelas administrações anteriores, mas o restante resultou de problemas no nosso governo", admite.
O exemplo mais gritante aconteceu no Banestado Leasing, uma empresa do banco estadual que acumula um buraco de R$ 350 milhões.
No final de 95, uma empresa chamada Rápido Laser, com sede em Sergipe, conseguiu empréstimos de R$ 3,5 milhões sem ter cadastro no banco e apresentando garantias falsas.
O objetivo era comprar uma frota de caminhões, que nunca apareceu. O dinheiro também não. O caso está sendo investigado pelo Ministérios Público.
"Muitos funcionários foram demitidos por irregularidades como essa", diz o ex-ministro da Previdência Reinhold Stephanes, atual presidente do Banestado, que será privatizado.
Pelo organograma do Proes, 13 instituições estaduais devem ser privatizadas, cinco estão sendo recuperadas para serem devolvidas aos Estados, dez foram extintas ou estão sendo liquidadas e 14 viraram agências de fomento - que não podem captar dinheiro diretamente do público.


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