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CONTAS PÚBLICAS
Valor equivale a mais de quatro vezes o que foi destinado a instituições privadas pelo Proer
Ajuda a banco estadual atinge R$ 90 bi
DAVID FRIEDLANDER
RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local
A privatização do Banespa, prevista para maio, marca o fim da
era dos grandes bancos estaduais.
Acaba, também, com um jeito de
fazer negócios que deixou como
saldo 32 instituições públicas
quebradas e um rombo de R$ 90
bilhões, em valores atualizados.
A dívida deixada pelos bancos
estaduais é mais de quatro vezes
maior que o gasto com o Proer, o
programa de socorro a bancos
privados em dificuldades, que
consumiu R$ 20,3 bilhões. Daria
para construir 4,5 milhões de casas populares ou aumentar em 4,5
vezes o gasto anual do governo federal com a saúde pública.
"Esse prejuízo é um absurdo,
mas nem sequer foi mencionado
na CPI do sistema financeiro", diz
Gustavo Franco, ex-presidente do
Banco Central.
Grande parte dos R$ 90 bilhões
foi efetivamente gasto em obras
públicas. O problema é que o dinheiro saía dos bancos, mas quase nunca voltava. Os governadores usavam seus bancos como caixa de financiamento e, quando o
Estado quebrava, levava a instituição junto.
Amigos
Investigações do Banco Central
mostram que, além de financiar
os Estados, uma parte importante
dos empréstimos beneficiou políticos, empresários amigos ou foram parar em empresas que não
tinham condições técnicas de
honrar seus compromissos.
"Não havia interesse em que esses bancos fossem organizados e
eficientes porque muitos empréstimos se originavam de conveniências políticas", diz Carlos
Eduardo de Freitas, diretor de Finanças Públicas do BC.
Até agora, o BC já abriu 25 processos administrativos e encaminhou 13 denúncias ao Ministério
Público, a maior parte por gestão
temerária. O BC não sabe informar quantas pessoas foram denunciadas.
O problema dos bancos estaduais é antigo, mas começou a ser
dimensionado com mais precisão
em 96, quando o governo federal
criou um programa, Proes (Programa de Saneamento dos Bancos Estaduais), para acabar com
as instituições.
Como os bancos estavam em
dificuldades, os governadores
não tiveram alternativa a não ser
aceitar a condição do BC, que era
fechar, reestruturar ou vender
seus bancos. Em troca, receberam
o dinheiro para cobrir o rombo
das instituições estaduais.
Juros
Grande parte dos R$ 90 bilhões
é resultado da elevada taxa de juros cobrada sobre a dívida, que
torna o débito dos Estados uma
bola de neve que não pára de aumentar. Mas poderia ser pior se o
empréstimo do Tesouro aos Estados adotasse as taxas de juros praticadas no mercado financeiro.
Pelo acordo, os Estados terão 30
anos para devolver o dinheiro,
pagando juros de 6% acima da inflação. É uma taxa subsidiada, segundo o BC. Os juros de 6% são
menores do que a taxa que o Tesouro Nacional paga para levantar esses recursos na praça.
Fechar a torneira dos bancos foi
uma maneira encontrada pelo governo federal para controlar as
contas dos Estados. Muitos deles
faziam, ao mesmo tempo, o papel
do cliente que tomava o empréstimo e do gerente que autorizava a
liberação do dinheiro.
Em São Paulo, o Banespa era o
principal motor dos governadores. Quando a situação apertava, o
Palácio dos Bandeirantes obrigava o banco a comprar títulos emitidos pelo Estado.
Na contabilidade do Banespa,
os auditores do Banco Central encontraram uma dívida de R$ 20
bilhões em papéis que o Estado
não resgatou. Nos últimos 15
anos, o governo federal tentou várias vezes enquadrar os bancos
estaduais, sem sucesso. O governador explorava o banco já pensando em rolar a dívida para o sucessor, e este, quando assumia,
corria a Brasília para pedir socorro alegando que a culpa não era
dele. O BC também não se empenhava muito nas tentativas de
conserto, para evitar disputas.
Funcionários do BC contaram à
Folha que a situação sempre piorava nas trocas de governo. Depois de tomar posse, o governador eleito retribuía doações que
ele e seus deputados tinham recebido na campanha por meio de
empréstimos que terminavam
não sendo pagos.
O Produban, de Alagoas, sofreu
duas intervenções antes de ser fechado de vez, em 97. Seus principais devedores eram os usineiros,
que também eram os maiores
doadores nas campanhas.
Agentes do BC que trabalharam
no Produban descobriram que os
usineiros não pagavam o que deviam. Mesmo assim os empréstimos eram renovados e muitas vezes por telefone -o que contraria
completamente o rito de rechecagem de clientes inadimplentes,
seguido por instituições sérias. O
buraco do Produban, em valores
de hoje, é de R$ 633 milhões.
"No setor privado, havia uma
prática generalizada de não honrar os empréstimos levantados
em bancos oficiais", afirma Alkimar Moura, ex-diretor de Política
Monetária do BC.
O Banestado, do Paraná, tem a
terceira maior dívida com o Tesouro Nacional -R$ 5,8 bilhões.
Seu maior problema foram empréstimos malfeitos, como financiamento a empresas fantasmas e
compra de títulos que não puderam ser resgatados.
"Os problemas do Banestado se
acumulam há vários anos", diz
Giovani Gionedis, secretário das
Finanças do Paraná. "Cerca de
70% da dívida foi deixada pelas
administrações anteriores, mas o
restante resultou de problemas
no nosso governo", admite.
O exemplo mais gritante aconteceu no Banestado Leasing, uma
empresa do banco estadual que
acumula um buraco de R$ 350
milhões.
No final de 95, uma empresa
chamada Rápido Laser, com sede
em Sergipe, conseguiu empréstimos de R$ 3,5 milhões sem ter cadastro no banco e apresentando
garantias falsas.
O objetivo era comprar uma
frota de caminhões, que nunca
apareceu. O dinheiro também
não. O caso está sendo investigado pelo Ministérios Público.
"Muitos funcionários foram demitidos por irregularidades como
essa", diz o ex-ministro da Previdência Reinhold Stephanes, atual
presidente do Banestado, que será
privatizado.
Pelo organograma do Proes, 13
instituições estaduais devem ser
privatizadas, cinco estão sendo
recuperadas para serem devolvidas aos Estados, dez foram extintas ou estão sendo liquidadas e 14
viraram agências de fomento -
que não podem captar dinheiro
diretamente do público.
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