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CELSO PINTO
O truque da inflação e os juros
Um dos vários males provocados por uma inflação alta é criar ilusões com os valores.
Não há quem não repita que o
Brasil é lider mundial de taxas
de juros, ou algo muito próximo
disso. Prova da insensibilidade
monetarista teria sido o enorme
aumento do juro básico, a Selic,
de 18% para 25%, no final do
ano passado.
O que muitos esquecem é que
o último trimestre de 2002 foi
marcado por uma enorme aceleração da inflação. Só nestes
três meses, o IPCA somou 6,5%,
mais do que a meta original para todo o ano, enquanto o IGP-DI chegou a 13,3%. Com o salto
nos preços, veio a confusão com
os números.
A história contada pelos números fiscais do final do ano pode surpreender a muitos. O fluxo de pagamentos de juros reais,
em doze meses, que estava em
R$ 49,3 bilhões ao final de maio
de 2002, antes do confusão pré-eleitoral, foi caindo sem parar.
Em dezembro, o juro real pago
pelo setor público foi negativo
em R$ 1,5 bilhão. Juro real é o
valor do juro descontada a inflação, neste caso medida pelo
IGP-DI.
É claro que, neste mesmo período, a inflação fez crescer o
que o Banco Central chama de
"atualização monetária" (equivalente à correção monetária)
da conta de juros, de R$ 29,2 bilhões, em doze meses encerrados
em maio, para R$ 98,5 bilhões,
em dezembro. Só que, a mesma
inflação fez crescer o PIB nominal estimado de R$ 1,268 trilhão
em maio, para R$ 1,558 trilhão
em dezembro.
O indicador mais sensível para o mercado financeiro é a evolução da dívida líquida do setor
público em relação ao PIB. Como a inflação faz subir o denominador (o valor do PIB) o que
pesa no numerador são os índices em termos reais, ou seja, já
descontada a inflação.
O BC publica um quadro onde
destrincha os fatores que explicam a variação da dívida líquida. Ela subiu 3,32% do PIB ao
longo de 2002, para 55,9% do
PIB. Entre os fatores propriamente fiscais que pressionaram
a dívida, os juros nominais consumiram 7,23% do PIB. No entanto, o efeito do aumento do
PIB nominal, que ajudou a reduzir a dívida líquida, foi
maior, de 10,65% do PIB. Para
se ter uma idéia, em 2001 esta
ajuda da inflação havia sido de
3,98% do PIB e, em 2000, de
3,95%.
Quer dizer, o impacto negativo nominal dos juros, em 2002,
foi mais do que compensado pelo impacto positivo do aumento
inflacionário do PIB. E isto se
deu, em boa medida, porque os
juros reais praticados em boa
parte de 2002 foram muito baixos, ao contrário do que se imagina.
Olhando pelo retrovisor, comparando o CDI de 19,1% com o
IGPM de 25,3%, o juro foi negativo em 4,95% no ano. O IGP-M
é o índice inflacionário que o
mercado costuma usar como
parâmetro para este tipo de cálculo. Deflacionando o CDI pelo
IPCA de 12,5%, o juro real foi
positivo em 5,9%, o que se compara com juros reais de 9% nos
anos pós-crise cambial e de mais
de 20% no período do câmbio
controlado.
Quando o BC elevou a Selic de
18% para 25%, estava apenas
tentando correr atrás da inflação, procurando recompor o nível do juro real esperado para
frente. Entre 2000 e 2002, o juro
real médio projetado para os
doze meses seguintes foi de 12%
(deflacionando a Selic pela inflação esperada pelo mercado).
Em novembro, ele havia caído
para 8,1%. Com o aumento de
dezembro, ele subiu para 12,6%
e, apesar do novo aumento da
Selic de 25% para 25,5% em janeiro, o juro real projetado continuou nos mesmos 12,6%, porque a expectativa de inflação futura subiu. Para se ter uma
idéia, em 2001, ano de sucessão
de crises, o juro real projetado
superou 13% durante meio ano,
enquanto no ano mais tranquilo de 2000, girou em torno de
11%.
Alguém pode lembrar, corretamente, que 12% para o juro
real esperado é uma taxa muito
alta. Mas é bom lembrar também que o juro real pago pelo
governo em 2002 (olhando para
trás) foi bastante baixo, qualquer que seja o país a comparar.
O que, de fato, fez a dívida líquida subir, ano passado, foi o
impacto de 9,34% do PIB do
câmbio sobre o estoque. Foi um
efeito contábil da desvalorização, já que a dívida vence ao
longo do tempo e não de uma só
vez. A cada 10 centavos de alta
(baixa) da cotação do dólar a
dívida líquida sobe (baixa)
0,8% do PIB. A subida (redução) de 1% do juro mantida por
um ano eleva (reduz) a dívida
em 0,3% do PIB.
Se o uso de uma política monetária mais agressiva, temporariamente, trouxer confiança e
permitir um ganho no câmbio,
a conta final líquida em termos
fiscais pode ser positiva e não
negativa para o governo. Ou seja, no limite, pode sobrar mais
reais para a política social.
Mas, se a inflação pode ajudar
tanto, porque não repetir o truque? Porque ele só funciona
quando há uma aceleração rápida, inesperada dos preços.
Contar com novos saltos na inflação para ajudar a conta fiscal
seria como apostar nos benefícios à saúde do uso de doses
crescentes de heroína.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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