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ENTREVISTAS DA 2ª
Para Maxwell, comemoração
revela autoconfiança brasileira
Para o historiador britânico,
Portugal tende a considerar
que a Independência do
Brasil foi um presente do colonizador, e não
consequência da luta dos habitantes do país
HAROLDO CERAVOLO SEREZA
Editor-adjunto interino de Especiais
Para o brasilianista britânico
Kenneth Maxwell, as comemorações dos 500 anos de Descobrimento revelam uma espécie de
autoconfiança brasileira, diferentemente do que se passou em países como México e Estados Unidos em 1992 -quando completaram-se cinco séculos da chegada
de Cristóvão Colombo à América.
Maxwell, diretor de Estudos Latino-Americanos do Conselho de
Relações Internacionais de Nova
York, é um dos mais importantes
estudiosos da história do Brasil e
de Portugal. Escreveu, entre outros, "A Devassa da Devassa", sobre a Inconfidência Mineira, e
"Chocolate, Piratas e Outros Malandros - Ensaios Tropicais".
Na entrevista à Folha, de Nova
York (EUA), Maxwell -também
autor de "A Construção da Democracia em Portugal", sobre o
período pós-Revolução dos Cravos (1974), lançado em Portugal,
mas não aqui- fala sobre o distanciamento entre os dois países.
Folha - Como o sr. vê a relação
entre Brasil e Portugal hoje?
Kenneth Maxwell - Após o período da Independência (1822),
há uma grande diferença no progresso da história. Há várias zonas de contato do ponto de vista
da cultura, mas, na vida cotidiana,
elas são hoje sociedades completamente diferentes. Portugal tem
mudado muito, mas ainda tem
uma sociedade muito fechada em
relação à brasileira.
Folha - Quando essa relação
começou a se distanciar?
Maxwell - Já antes da Independência, mas isso varia de acordo
com a região. Se você volta para o
século 17, no Nordeste, Pernambuco esteve separado de Portugal,
durante a presença holandesa. No
final do século 18, isso se torna
mais claro. A Inconfidência Mineira (1789), a Baiana (1798), todas essas revoltas eram antiportuguesas, em vários sentidos.
Folha - O que, para o sr., diferencia hoje o Brasil de Portugal?
Maxwell - A grande diferença é
econômica. O Brasil é um país
continental. Os brasileiros sentem-se parte de um grande país,
enquanto os portugueses acham
que são ainda menores do que
realmente são. Nesse sentido, o
Brasil, como civilização, é mais
parecido com os Estados Unidos.
Folha - Não lhe parece que
Brasil e Portugal celebram os
500 anos de modo um tanto
quanto independente, como se
o Brasil não tivesse sua origem
na história portuguesa?
Maxwell - Concordo. A Folha
trouxe, no final do ano passado,
uma polêmica entre o historiador
brasileiro Luiz Felipe de Alencastro e o cineasta português Manoel
de Oliveira que ilustra essa distância. Para Oliveira, a Independência não passou de um presente de
Portugal, não uma conquista dos
brasileiros, o que é muito típico
do pensamento português, uma
falsa impressão da história.
Folha - As escolas de samba de
São Paulo e Rio decidiram que o
Carnaval seria só sobre os 500
anos. Para o povo, a festa é mais
importante que para as elites?
Maxwell - Não, acho que são
coisas diferentes. As duas coisas
podem acontecer. Podemos fazer
uma analogia com as comemorações dos 500 anos da chegada de
Cristóvão Colombo na América
(1492). Houve reações variadas.
Exibições, festas, mas também diferentes maneiras de interpretar o
que se passou. É preciso considerar as divisões na sociedade. As
pessoas vêem a história de maneira diferente porque têm vidas diferentes. Se seus antepassados
chegaram num navio negreiro,
você verá a história de um modo
diverso do que aqueles cujos parentes vieram em caravelas.
Folha - No Brasil, os mais pobres vêem nos 500 anos um fato
mais relevante que as elites?
Maxwell - O Brasil tem uma cultura popular muito forte, e talvez
essa impressão tenha origem aí. É
algo muito diverso do que se passou no México e nos EUA, em que
havia forte rejeição à idéia de ser
"descoberto" e "colonizado". Brasileiros têm mais autoconfiança.
Folha - Usa-se a palavra "descobrimento" no Brasil, enquanto em Portugal volta-se a utilizar também "achamento"...
Maxwell - Portugal também se
valeu, no século 19, da palavra
"encontro", evitando assuntos difíceis, como a escravidão e a colonização. Talvez o Brasil use mais
tranquilamente a palavra "descobrimento" devido a essa autoconfiança, mas essa é uma falsa visão.
Os que foram "descobertos" acabaram, na verdade, eliminados.
Folha - Portugal e Espanha utilizam as comemorações como
um bom momento para recontar a história a seu modo?
Maxwell - O que acontece é que
há sempre uma reinterpretação
da história. Mas é preciso considerar que nada patrocinado pelo
governo tem relação direta com a
realidade, mas com imagens que
ele quer criar e manipular de
acordo com seu interesse político.
As pessoas criam também as próprias imagens.
Folha - Para o sr., o que está
mudando na história do Brasil
nesse momento?
Maxwell - Esta foi uma década
muito importante para a historiografia brasileira. Os historiadores
brasileiros têm feito um grande
trabalho, olhando para a vida cotidiana, para a cultura. É uma
oportunidade para olhar para o
passado. O Brasil é um país que
está sempre preocupado com o
futuro, mas já tem cinco séculos.
Folha - Qual é, para o sr., a palavra correta para descrever o
que aconteceu há 500 anos?
Maxwell - Acidente. Os portugueses queriam chegar às Índias.
Folha - Essa palavra tem mais
de um sentido.
Maxwell - É verdade. Para os índios, a chegada do europeu foi
também um acidente, numa outra conotação, mais trágica.
Folha - Para definir o paradoxo do Marquês de Pombal, o sr.
usa uma citação: "Pombal quis
civilizar a nação e, ao mesmo
tempo, escravizá-la". Qual é o
paradoxo do Brasil de hoje?
Maxwell - O Brasil tem uma sociedade dinâmica, enquanto o sistema político é rígido. É interessante pensar no período pombalino, em que o Estado busca modernizar toda a sociedade. As
grandes modernizações têm de
ocorrer no longo prazo.
Folha - Usualmente, a grande
data nacional era o Sete de Setembro. Para o sr., por que trocamos a festa da Independência
pela do Descobrimento?
Maxwell - É uma pena. O período da Independência precisa ser
recuperado e visto numa perspectiva que reconheça sua natureza
completa -complexa e contraditória. Mas governos preferem
"conciliação" a uma lembrança
de conflito. Só compreendendo o
conflito é que se pode ver como e
por que uma nação se desenvolve
-ou "não" se desenvolve.
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